Série acadêmica
INTRODUÇÃO
Este artigo tem o objetivo de discutir mais
especificamente a teoria platônica sobre o conhecimento sensível e o
inteligível. Neste, as Ideias e as Formas, naquele, as sombras e as aparências.
Essa teoria aparece de maneira evidente na analogia da linha e na alegoria da
caverna.[1]
A analogia da linha, final do livro VI de A República de Platão, coloca de um lado
os graus do Ser e de outro as operações da alma. Bem e filosofia estão no topo
desta linha, no inteligível. Nesta mesma esfera, um pouco abaixo, estão os
entes matemáticos e a razão. No sensível, os seres naturais e a crença; um
pouco abaixo, imagens e suposição.
A alegoria da caverna, apresentada logo no início do livro VII, é, de
certa forma, uma retomada da analogia da linha. Agora são homens algemados no
interior da caverna a apreciarem sombras na parede e a tê-las como a única
realidade. Aqui, o homem filósofo é o único a se soltar e a encontrar o mundo
externo à caverna, ou seja, passa do sensível para o inteligível, esfera das
Formas e Ideias.
O livro VII também propicia uma longa exposição a respeito da educação e
da constituição da alma filosófica, além de enfatizar a utilidade da dialética
e da formação do cidadão por meio da música, ginástica, ciências matemáticas e
astronomia. O ideal de educação platônico, como na maioria dos pensadores
gregos, é intrinsecamente ligado à política e a política não é uma questão de
opinião, mas sim uma questão de saber. O saber em Platão constitui na
saída do mundo sensível em direção mundo inteligível, sendo a dialética a
principal via para tal fato. Assim, o governante deve ser aquele que atingiu todos
esses graus da formação, tornando-se apto a governar o Estado.
ASCENSÃO
- ANALOGIA DA LINHA
O livro VI de A
República de Platão revela o que há de mais divino e supremo para Sócrates,
o que está no ponto mais alto, o único a estar além da justiça: o Bem, para
onde são direcionadas todas as almas, todos os homens. O Bem platônico é algo
inteligível. É aquilo que todos nós almejamos e buscamos alcançar. Possui
caráter unificador, é supremo e alcançado pelo filósofo. Mas, de acordo com
Platão, o que pode ser tão supremo?
Não resta ao Bem, senão, incorporar um caráter
divino. Divindade, ordenadora e uma espécie de Forma suprema. Por isso, ela é
essencial para o homem e para deixar sua alma em ordem. A fim de
explicitar a tamanha importância do Bem na esfera inteligível, Platão
metaforiza-o com o Sol na esfera sensível.
Todas as coisas que estão no sensível nos aparecem na
penumbra, quando irradiadas por uma luz derivada. Mas essas mesmas coisas
aparecem claramente quando iluminadas pelo Sol; então, pode-se observar objetivamente o
que são as coisas e todas as suas características. Da mesma forma, é possível conhecer, sem margem de erros, algo submetido à luz do Bem. Para Platão, o Sol
está para a esfera sensível assim como o Bem está para a esfera inteligível. [2]
Platão, por meio de Sócrates, evidencia com seus
argumentos no livro VI que, enquanto o Sol “reina” na esfera sensível, o Bem
“reina” na esfera inteligível: cada um desses possui o seu grau de importância
onde ilumina. O paralelo entre as duas esferas, sensível e inteligível, gera a
comparação entre os seguintes elementos no esquema abaixo:
Mundo sensível
|
→
|
Mundo inteligível
|
Sol
|
→
|
Ideia do Bem
|
Luz
|
→
|
Verdade
|
Objetos da visão
(cores)
|
→
|
Objetos do conhecimento (ideias)
|
Sujeito que vê
|
→
|
Sujeito cognoscente
|
Órgão da visão
(olhos)
|
→
|
Órgão do conhecimento
|
Faculdade da visão
|
→
|
Faculdade da razão
|
Exercício da visão
|
→
|
Exercício da razão
|
Aptidão para ver
|
→
|
Aptidão para conhecer
|
A apresentação da analogia da linha é feita já nos
últimos momentos do sexto livro. Não poderia ser de outra forma, se houvesse
sido proposta nos primeiros momentos desse livro, não se entenderiam alguns dos
elementos que ladeiam a linha dividida, ou não seriam compreensíveis a
importância e posição dos respectivos elementos.
Entendido o Bem como
algo supremo e divino, segue Sócrates com a proposta de analogia para explicar
a relação existente entre as esferas sensível e inteligível, de como se dá o
conhecimento e a ascensão da alma. A analogia da linha constitui-se de uma
linha dividida em duas partes inicialmente separando a esfera sensível, abaixo,
e a esfera inteligível, acima. De um lado da linha, graus do Ser; do outro
lado, operações da alma no sentido de ascensão, indo de encontro ao
conhecimento real.
Depois de separadas as duas esferas, as mesmas são
divididas em duas partes desiguais. Na esfera sensível: na parte mais baixa, as
imagens, alcançadas através da suposição ou ilusão; na parte superior, os seres
naturais alcançados pela crença. Na esfera inteligível: na parte mais baixa, os
entes matemáticos acessados através do entendimento ou razão; na parte mais
elevada, as formas e ideias às quais se tem acesso através da filosofia, ou
seja, o que é supremo, o Bem. Vê quadro abaixo:
Noeta superiores
(Formas, Idéias)
|
Noesis
(Dialética ou Filosofia)
|
Inteligível
|
Noeta inferiores
(Entes Matemáticos)
|
Dianoia
(Entendimento, Razão)
|
|
Zoa
(Seres naturais e Artefatos)
|
Pistis
(Crença)
|
Sensível
|
Eikones
(Imagens)
|
Eikasia
(Suposição, Ilusão)
|
O ensinamento platônico sintetiza todo o discurso do
livro VI na analogia da linha e não deixa escapar nenhum elemento, mostrando a
importância do Bem, sua posição e papel na vida do homem. Não só isso,
explicita o quanto a filosofia, assim como o Bem, é única e suprema, o que
demonstra a importância do filósofo para a cidade, para que essa se livre das
calamidades e se torne perfeita.
Platão ainda ressalta, após a exposição da analogia
da linha, a importância da esfera inteligível, na qual está o Bem, objetivo
maior para a dialética e filosofia. [3]
CONHECIMENTO
- MITO DA CAVERNA
A alegoria da caverna faz os livros VI e VII se
manterem em conexão direta. A analogia da linha é uma etapa essencial para o
que ocorre no livro seguinte; e nesse, Platão deixa transparecer de forma muito
mais clara a sua teoria acerca das Formas e das aparências, da esfera
inteligível e sensível.
Platão opõe dois mundos: o visível/sensível e o invisível/inteligível.
No primeiro, o interior da caverna é representado pelas sombras que os homens enxergam
ao fundo, projetadas na parede. O segundo, fora da caverna, é o mundo que os
homens não veem, onde há luz e os objetos têm formas. O mundo das sombras, o
mundo visível é habitado por cópias imperfeitas dos objetos reais, cuja sombra
é projetada pela luz na parede da caverna.
Enquanto submetidos à realidade da caverna, os homens
acreditam que só esta realidade existe, ou melhor, que o que veem projetado no
fundo da caverna é a realidade. Ali veem sombras de objetos que são carregados
por um caminho atrás deles. Avistam sombras e ouvem vozes, que atribuem não aos
homens que carregam os objetos, mas às próprias sombras.
Esta é a primeira parte do texto. Em seguida, Platão, intermediado por Sócrates, nos propõe uma hipótese.
Na possibilidade de algum dentre os homens sair da caverna, o que lhe sucederá?
Primeiro, poderá ter a visão ofuscada pela claridade, pela luz que vem da boca
da caverna. É necessário, pois, que ele se acostume com a luz e passe com certo
vagar da sombra para a claridade. Na medida em que vai abandonando a caverna,
vai discernindo entre sombras e objetos, entre objetos terrestres e celestes, e, por fim, poderá contemplar a própria luz, o próprio Sol, razão de ser de todas as coisas.
A superação de barreiras e o acesso ao conhecimento é
o que nos transmite a alegoria da caverna. Para Platão, esse procedimento, a que se tem denominado
dialética ascendente, é uma das fases do conhecimento.
A alegoria da caverna é a imagem da educação
platônica e tem correspondência direta com a analogia da linha.[4] Interior e exterior da caverna correspondem, respectivamente, à esfera sensível
e esfera inteligível. Estar no interior da caverna é permanecer iludido com as
aparências e não ter acesso ao conhecimento. Sair da caverna é ascender ao
conhecimento, atingir a esfera inteligível e acessar as Formas. O que se vê no
exterior da caverna é o que está fora da esfera sensível e poder contemplar as
Formas perfeitas é, por meio da filosofia, atingir o cume da linha representada
anteriormente por Platão.
O homem que sai da
caverna alcança o saber real porque ele conhece o que existe no mundo das Ideias.
Platão revoluciona, assim, a concepção do saber; o conhecer passa a ser a ida ao encontro do mundo das Ideias, reconhecer as Formas no seu lugar de origem, é dizer,
aquilo que produz as sombras na esfera sensível.
Na segunda parte, ocorre uma segunda hipótese,
ou terceira parte: o retorno deste homem que saiu da caverna e a ela volta. Do
mesmo modo que ele teria seus olhos ofuscados se saísse abruptamente da caverna
em direção à luz, ficaria momentaneamente cego se saísse da luz a caminho da
caverna, para o seu interior. Seria incapaz de ver, distinguir as sombras e
tornar-se-ia presa do ridículo; o homem que se libertou seria zombado pelos
demais, os quais pensariam que ele havia estragado a visão nesse percurso,
denotando não valer à pena a ascensão. Assim, os homens optam por continuarem
algemados no interior da caverna, sem acesso ao conhecimento pleno.
Nesta alegoria, aparecem muitas metáforas, por assim
dizer, relacionadas com o processo de conhecimento. Em primeiro lugar, a
dicotomia ou oposição entre sensível e inteligível, sombra
e luz. Nesse caso, o conhecimento aparece como tendo duas fases:
sensível e inteligível; na primeira, os homens conhecem as coisas através dos sentidos;
na segunda, pela razão. Por outro lado, opõe-se, também, aquele que sabe
o mesmo que os outros - o senso comum - àquele que sabe a essência das coisas - o conhecimento filosófico. O
conhecimento pelos sentidos está associado ao corpo e o pela razão, à alma.
O verdadeiro conhecimento, portanto, é dado pela passagem do conhecimento
sensível para o inteligível.
Essa caracterização
da alma que executa todas as operações, que atinge o ponto mais alto da linha
ou aquela que escapa das amarras da caverna, o verdadeiro filósofo, ratifica a
importância de que o governo da cidade esteja sob os cuidados de um filósofo ou
que o governante se torne filósofo. O caráter nobre de quem conhece o
inteligível e entende tudo isso deve guiar a cidade na sua existência, pois é
alguém que sabe, que conhece como nenhum outro na cidade. Desta forma, a
alegoria da caverna se revela uma Paideia. [5]
A segunda metade do
livro VII deixa transparecer ainda mais o sentido de Paideia da alegoria da
caverna, quando relata que tipo de ciência poderia levar a alma do que é
mutável para o que é seguro, de impedir que a alma do homem fique a transitar
entre as luzes e as trevas e que ela não permaneça dentro da caverna, como
aqueles homens da alegoria.
A importância da
ginástica e música, educando as duas faces da alma, além da matemática (aritmética
e geometria plana e dos sólidos) e da astronomia, na vida do homem é observada
nas diversas classes, como na dos guardiões, que devem usar o cálculo e a
geometria para auxiliá-los na arte da guerra. Mas todas as ciências mencionadas
acima devem atuar, em conjunto, na formação de todos os cidadãos, ou melhor,
contribuir para a constituição do melhor cidadão para a cidade perfeita.
Sócrates realça o poder e importância da educação, afirmando que para tudo o
que a alma não sabe fazer ela pode ser treinada e se acostumar, exceto com o
pensar. Não funciona desta forma quando se trata de pensar, porque isso possui
um caráter divino. Aponta para o fato de que, dado esse ponto especial e divino, o pensar
não pode ocorrer de forma violenta e sob tortura. Para ele, quem não passou por uma boa
educação e formação não deve ser colocado na governança da cidade, pois será
incapaz de bem conduzi-la.
A filosofia, por meio
da dialética, é a nobre ciência que encaminha o sujeito para o Ser e para a
verdade. Por isso, também o homem filósofo, que é o único na cidade a desprezar
o poder e honrarias políticas, estará no governo da cidade e sobre sua tutela
estarão todos os demais cidadãos, a quem ele deverá guardar. Sendo ele aquele que
“saiu da caverna”, tem o saber verdadeiro e conhece as Formas, é o melhor para
estar na condução da cidade e dos seus cidadãos, aquele que livrará a cidade de
todas as suas calamidades, exercendo um governo consciente. A filosofia é vista
como aquela que conduz a alma para aquilo que não é mutável. Todas as outras
ciências, embora componham o processo educacional, trabalham com o que é
mutável, ou elas mesmas variam. Assim ocorre com a ginástica, que prepara só o
corpo; com a música, que trabalha só o ritmo, harmonia e regularidade; com a
arte, que somente representa o que lhe aparece.
A filosofia conduz o
homem ao conhecimento do Bem, àquilo que há de mais supremo, como visto
na analogia da linha. O homem filosófico conhece o que realmente é e teve
acesso à Forma principal, àquela que é unificadora.
Contudo, ressalvando
algumas preocupações para evitar que males e desordem possam acontecer com o
uso equivocado da dialética, Sócrates diz que é preciso ter “agudeza de
espírito”. As pessoas devem iniciá-la desde novas, para que aproveitem ao
máximo as suas capacidades.
Os cidadãos devem
fazer uso das ciências, principalmente daquelas que auxiliam a dialética, o
quanto antes, sem constrangimentos, da mesma forma que se colocam a descortinar as suas tendências. [6]
CONCLUSÃO
Sem dúvida alguma, a alegoria da caverna, eternizou-se ao expor o mundo sob os aspectos dos conhecimentos sensível e inteligível. Surgem a compreensão, o alcance legitimado dos conceitos de sentido e a universalidade, elementos constitutivos da racionalidade. O livro VII contribuiu e contribui para a história do pensamento como uma grande referência, pois o que é fundamental na filosofia são as questões levantadas, muito mais que suas respostas a estas questões.
O poder do
filósofo fica mais evidente com a analogia da linha, ao colocar o Bem no ponto mais alto da linha e só a alma, na sua máxima ascensão, pode alcançá-lo. O filósofo é aquele que possui o saber real, conhece a Forma
unificadora, o conhecimento inteligível. Ele chega a este estágio não por um
passe de mágica, mas porque a sua alma passou por todas as etapas de crescimento e atingiu
o cume dos graus do Ser na linha dividida. O homem possuidor de
alma filosófica não se contenta em visitar a esfera inteligível, onde estão as
ideias, as Formas. Ele deseja anunciar aos outros homens que o que eles enxergam
são apenas fenômenos, aparências e sombras de uma realidade que não está naquela
esfera sensível, mas na inteligível. Ao fazer isso, prevê Platão, por meio de Sócrates,
o filósofo é zombado e morto por duvidar daquilo que os olhos constatam.
Qualquer proximidade da sorte do homem filósofo em A República de Platão com a vida de Sócrates e sua condenação em 399 a .C. não é mera coincidência.
REFERÊNCIAS
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Pereira. São Paulo/Brasília: Martins Fontes/Editora da UNB, 1989.
COELHO, Leandro Anésio. Artigo: Livros VI e VII da República: Formas e Fenômenos em Platão. Publicado em 03/12/2004, Revista Urutágua - Revista Acadêmica Multidisciplinar. Disponível em http://www.urutagua.uem.br/006/06coelho.htm. Acesso dia 20/10/2009.
PLATÃO. A República: Livros VI e VII. Trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1997, p. 190-256.
VIDAL, Maria José C. S. Notas de aula. Natal: UFRN, 2009.
COELHO, Leandro Anésio. Artigo: Livros VI e VII da República: Formas e Fenômenos em Platão. Publicado em 03/12/2004, Revista Urutágua - Revista Acadêmica Multidisciplinar. Disponível em http://www.urutagua.uem.br/006/06coelho.htm. Acesso dia 20/10/2009.
PLATÃO. A República: Livros VI e VII. Trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1997, p. 190-256.
VIDAL, Maria José C. S. Notas de aula. Natal: UFRN, 2009.
[1] PLATÃO. A
República: Livros VI e VII. Trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural
Ltda., 1997, pp. 190-256.
[3] “Percebes
agora que entendo por segunda divisão do mundo cognoscível aquela que a razão
alcança pelo poder da dialética, considerando suas hipóteses não princípios,
mas simples hipóteses, isto é, pontos de apoia e trampolins para se elevar até
o princípio universal que já não admite hipóteses. Atingido esse princípio, ela
se apega a todas as conseqüências que decorrem dele, até chegar à última
conclusão, sem recorrer a nenhum dado sensível mas somente às idéias, pelas
quais procede e às quais chega.” (PLATÃO, 1997, p. 223)
[5] Platão define
paideia da seguinte forma: “[...] a essência de toda verdadeira educação ou
Paidéia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão
perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como
fundamento." (apud JAEGER, 1989, p. 147)
[6] “Assim, deverão ser ensinadas aos
nossos alunos desde a infância a aritmética, a geometria e todas as ciências
que hão de servir de preparação à dialética, mas este ensino deverá ser
ministrado de maneira a não haver constrangimento. [...] Porque o homem livre
não deve ser obrigado a aprender como se fosse escravo. Os exercícios físicos,
quando praticados à força, não causam dano ao corpo, mas as lições que se fazem
entrar à força na alma nela não permanecerão.” (PLATÃO, 1997, p. 251)
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