quinta-feira, 17 de junho de 2021

ROTEIROS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E EXEMPLO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO CONSTITUCIONAL

Série acadêmica

Resenha dos textos: “Roteiros para o controle de constitucionalidade material em face dos direitos fundamentais”, p. 229-233, e “Exemplo de uma minuta de parecer técnico-jurídico constitucional”, p. 234-244. In: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

ROTEIROS PARA O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Com as devidas adaptações dos autores aos imperativos do direito brasileiro, são apresentados alguns roteiros desenvolvidos originariamente no âmbito da doutrina alemã com o fim de facilitar a fundamentação clara e exaustiva dos passos do controle de constitucionalidade de medidas ou omissões estatais.

Apesar da escassez com que esses roteiros são debatidos na academia e nas práticas decisórias brasileiras, deve-se lembrar que o Dec. nº 4.176 de 28.03.2002 estabelece normas e diretrizes a serem observadas, no tocante à conformidade constitucional, pelos projetos de atos normativos de iniciativa da Presidência da República, inspiradas nos roteiros da doutrina alemã.

O exame da última questão dos roteiros (com exceção do último) segue uma ordem lógica, iniciando com requisitos formais até a análise mais exigente do critério de proporcionalidade que limita a área de proteção do direito, excluindo-se desta análise o exame da proporcionalidade em sentido estrito. A seguir os roteiros.

“Exame de constitucionalidade de lei que limita direitos negativos (de resistência) e políticos

1.    O comportamento ou ‘status’ jurídico contemplado pela lei situa-se na área de proteção de um direito fundamental?

2.    A lei intervém na área de proteção de um direito fundamental contemplado pela lei?

3.    A intervenção verificada é justificada constitucionalmente (intervenção permitida)?

3.1.     Há validade formal da lei (competência, respeito das regras do processo legislativo, vigência)?

3.2.     A lei é geral?

3.3.     A lei é clara e concreta?

3.4.     A lei interventora encontra respaldo (é coberta pelo) no tipo de reserva legal do direito fundamental ou pelo menos no chamado direito constitucional de colisão?

3.5.     A lei respeita o critério da proporcionalidade?

3.5.1.  O propósito da intervenção perpetrada é constitucionalmente admitido (lícito)?

3.5.2.  O meio de intervenção escolhido é constitucionalmente admitido (lícito)?

3.5.3.  O meio de intervenção escolhido é adequado ao alcance do propósito almejado?

3.5.4.  O meio de intervenção escolhido é necessário para o alcance do propósito almejado?” (p. 231).

“Exame de constitucionalidade de medida administrativa ou judiciária que limita direitos negativos (de resistência) e políticos

1.    O comportamento ou ‘status’ jurídico contemplado pela medida situa-se na área de proteção de um direito fundamental?

2.    A medida intervém na área de proteção de um direito fundamental contemplado pela medida?

3.    A intervenção verificada é justificada constitucionalmente (intervenção permitida)?

3.1.     Há validade formal da lei (competência, respeito das regras do processo legislativo, vigência)?

3.2.     A medida aplica a lei (fundamento legal) em conformidade com a Constituição?

3.3.     A medida é clara e concreta?

3.4.     A medida respeita o critério da proporcionalidade?

3.4.1.  O propósito da intervenção é constitucionalmente admitido (lícito)?

3.4.2.  O meio de intervenção é constitucionalmente admitido (lícito)?

3.4.3.  O meio de intervenção é adequado ao alcance do propósito almejado?

3.4.4.  O meio de intervenção é necessário para o alcance do propósito almejado?” (p. 232).

Observa-se, nos dois roteiros supracitados, que ocorrerá violação de um direito fundamental se for respondida “sim” nas duas primeiras questões e “não” em pelo menos um dos itens da terceira (p. 232).

Segue o modelo concernente à igualdade.

“Exame de conformidade a direitos fundamentais de igualdade (direito geral de igualdade do art. 5º, ‘caput’, da CF e direitos especiais de igualdade como do art. 5º, I, da CF)

1.    Constata-se tratamento desigual (tratamento dos iguais de forma desigual)?

1.1.     As pessoas, grupos de pessoas ou situações são comparáveis?

1.2.     As pessoas, grupos de pessoas ou situações são tratados desigualmente?

2.    O tratamento desigual é constitucionalmente justificado?

2.1.     Há validade formal da lei?

2.2.     A lei está em conformidade aos critérios constitucionais que permitem uma diferenciação?

2.3.     A lei é clara e concreta?

2.4.     Foi respeitado o critério da proporcionalidade?

2.4.1.  O propósito da lei é constitucionalmente admitido (lícito)?

2.4.2.  O meio utilizado pela lei é constitucionalmente admitido (lícito)?

2.4.3.  O meio utilizado pela lei é adequado ao alcance do propósito almejado?

2.4.4.  O meio utilizado pela lei é necessário para o alcance do propósito almejado” (p. 233).

Lembrando que se for respondida “sim” na primeira questão e “não” em pelo menos um dos itens da segunda, ocorrerá inconstitucionalidade. Segue o modelo no que tange à igualdade (p. 233).

Por último, segue o modelo referente à omissão estatal.

“Exame de constitucionalidade de omissões relativas a direitos prestacionais e sociais

1.    O Estado omitiu-se em tomar uma determinada medida?

2.    A Constituição reconhece ao reclamante o direito de exigir do Estado que a medida seja tomada?” (p. 233).

Neste caso, ocorrerá inconstitucionalidade se for respondida “sim” às duas perguntas, não importando a ordem de sua formulação (p. 233).


EXEMPLO DE UMA MINUTA DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO CONSTITUCIONAL

Caso: “A polêmica camiseta”

Foi apresentado um caso em que um estudante de uma universidade pública, J., foi ao seu primeiro dia de aula, uma aula de bioquímica celular, com uma camiseta trazendo os dizeres:

“Meu patrão, que bebe uísque, é considerado um cidadão exemplar.

Por que eu, que fumo maconha, sou chamado de marginal?

LEGALIZE

JÁ!” (p. 234).

Na parte das costas a camiseta trazia: “Não fumo, não bebo, não cheiro. Morri!” (p. 234).

O aluno foi retirado da sala por exigência do professor, P. O discente também sofreu uma suspensão de cinco dias aplicada pela diretoria da faculdade. Esta medida foi baseada no Regulamento Interno da Universidade (RIUn), art. 147, que prescreve suspensão de cinco a quinze dias para alunos que estimularem o desrespeito às leis e ao Estado democrático de direito.

O advogado de J., antes de entrar em juízo, precisa de um parecer técnico-jurídico-constitucional analisando se houve violação de um direito fundamental de J.

Esboço de uma solução-modelo do Caso: “A polêmica camiseta”

Foi oferecida uma introdução exprimindo as premissas maiores a serem testadas abaixo, quais sejam, a possível violação do direito fundamental de J., liberdade de expressão do pensamento, previsto no art. 5º, IV, da CF; a pressuposta intervenção estatal supracitada não justificada na área de proteção deste direito.

Área de proteção do art. 5º, IV, da CF

Atendendo ao primeiro passo do exame de constitucionalidade, correspondente ao roteiro “Exame de constitucionalidade de medida administrativa ou judiciária que limita direitos negativos (de resistência) e políticos” apresentado acima, foi analisado se o comportamento de J. situa-se na área de proteção do direito fundamental do art. 5º, IV, da CF. Após avaliação dos aspectos abstratos e concretos da atitude do aluno consoante o dispositivo constitucional em epígrafe, foi concluído positivamente.

Da intervenção estatal do direito fundamental de J.

Foi realizado o segundo passo, constante no segundo item do referido roteiro, quando se verificou que a aplicação da pena de suspensão, como ato administrativo executado que foi por órgão da Administração Pública indireta, afetou a área de proteção do direito fundamental de J. oriundo do art. 5º, IV, da CF.

Justificação constitucional da intervenção estatal no direito fundamental de J.

Passou-se, então, ao terceiro passo do exame de constitucionalidade, correspondente ao terceiro item do roteiro supracitado. Analisou-se primeiramente que a intervenção estatal, é dizer, a medida aplicada fundada no art. 147 do RIUn, está autorizada pelo limite constitucional do direito constitucional colidente, que é a proteção do Estado democrático de direito (art. 1º, caput, da CF), atendendo, assim, aos subitens 3.1, 3.2 e 3.3 do roteiro.

Avaliou-se, em seguida, o subitem 3.4, referente à proporcionalidade tanto da conformação infraconstitucional do art. 147 do RIUn quanto da medida administrativa de suspensão. No primeiro caso, o critério foi atendido, porquanto o dispositivo foi considerado lícito em seu propósito, por proteger o Estado democrático de direito, lícito em si, pois está enquadrado formalmente no ordenamento jurídico em face da Constituição, adequado, porque fomenta o alcance do propósito com a pena de suspensão, e necessário, por só haver este meio de intervenção nessa situação. Assim, foram atendidos, os subitens 3.4.1, 3.4.2, 3.4.3 e 3.4.4 do roteiro mencionado.

Já no segundo caso, apurou-se que o propósito perseguido pela Administração, referente ao subitem 3.4.1 do roteiro já citado, é ilícito, pois: houve equívoco na interpretação do comportamento de J., não realizada em consonância com o direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento de J., prescrito no art. 5º, IV, da CF, o que reprimiu a opinião a favor da legalização da maconha; e, sendo vedado à Administração Pública fazer campanha em prol de uma opinião, a diretoria da faculdade tomou partido de modo indevido em debate público, sob pretexto de fazer respeitar a legalidade.

Portanto, restou supérfluo o exame dos demais pressupostos do critério de proporcionalidade, e a aplicação da medida de suspensão com base no art. 147 do RIUn significou uma intervenção não justificada na liberdade de pensamento de J.

Conclusão geral

O parecer recomendou, em sua conclusão, que uma eventual medida judicial de J. no sentido de tutelar seu direito fundamental à liberdade de expressão de pensamento, previsto no art. 5º, IV, da CF deve ser julgado procedente, dado que restou comprovada a violação ao referido direito de J. pela aplicação da medida administrativa prescrita no art. 147 do Regulamento Interno da Universidade.

INTRODUÇÃO A UM MÉTODO DE TRABALHO JURÍDICO APLICADO À TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Série acadêmica

Resenha do texto: “Introdução ao método de trabalho jurídico aplicado à teoria geral dos direitos fundamentais”, p. 221-228, In: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

INTRODUÇÃO AO MÉTODO DE TRABALHO JURÍDICO APLICADO À TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Um parecer bem construído em direito constitucional tem o propósito de preparar a decisão judicial dogmaticamente correta.

Deve-se proceder a análise exaustiva jurídico-científica em um parecer técnico-jurídico constitucional, que não comporta a defesa desta ou daquela tese jurídica, mas se examina de forma imparcial a situação jurídica do caso. Ocupa-se das hipóteses jurídicas a serem testadas, pressupondo-se os fatos descritos como verdadeiros, com o fim de investigar todas as possibilidades jurídicas que o caso suscita. Tais hipóteses serão confirmadas ou repelidas na elaboração da conclusão do parecer.

O método de desenvolvimento do parecer é lógico-dedutivo, pois parte-se da hipótese, estabelecem-se as premissas de sua verificação, seguem-se as subsunções cabíveis segundo argumentações construídas em conformidade com uma interpretação sistemática da Constituição e sua relação com restante do ordenamento, chegando-se às conclusões. O aplicador do direito, em caminho inverso, parte destas conclusões, que consubstanciam as hipóteses provadas, e faz uso dos elementos que fundamentaram as conclusões, a fim de elaborar a decisão judicial.

Segundo a dogmática alemã, nos pareceres sobre a constitucionalidade de intervenções estatais em direitos fundamentais, o seguinte esquema argumentativo deve ser seguido pelo exame sequencial: “1º) da área de proteção normativa; 2º) da intervenção estatal; 3º) da justificação constitucional da intervenção” (p. 222).

Os autores defendem que o exercício deste estilo de parecer prepara o jurista para solver problemas concretos relacionados ao controle de constitucionalidade perante os direitos fundamentais, o que elucida as causas particulares do problema.

Três passos fundamentais genéricos estão envolvidos na redação de um parecer: (a) “o conhecimento da matéria”, que significa ter o autor do parecer domínio completo e sistemático da dogmática dos direitos fundamentais; (b) “a aplicação deste conhecimento”, que inicialmente pressupõe o reconhecimento dos problemas jurídicos envolvidos pelo autor que, em seguida, deve verificar qual o significado destes para a solução do conflito, dosá-lo com a discussão de correntes doutrinárias e jurisprudenciais contrárias para finalmente solucionar os referidos problemas; e (c) “a apresentação redacional”, que deve dispensar qualquer formulação retórica, devendo compreender uma linguagem clara e enxuta (p. 223-224).

De uma forma mais especificada e relevante, os autores apresentam mais três passos para a redação de um parecer técnico-jurídico: (a) “introdução e construção da(s) premissa(s) maior(es)”: apresenta-se a possibilidade de o ato X estar transgredindo a norma (ou várias) de direito fundamental N, testa-se a admissibilidade do controle, para depois avaliar se houve violação dos direitos, devendo-se lembrar que o ideal é ter, neste passo, uma alta densidade de informações e que as hipóteses devem ser redigidas no modo “subjuntivo”; (b) “construção da premissa menor”: discute-se a problemática própria ou os elementos constitutivos demarcados pela premissa maior, debate-se uma ou várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais, se necessário, e chega-se às subsunções, lembrando-se que devem ser apresentadas todas as posições defensáveis que encerrariam conclusões opostas, ao se confrontarem teses e antiteses mostrando as razões fundamentais da opção do autor, que deve, nesta fase, redigir o parecer no modo “indicativo”; e (c) “conclusões intermediárias, conclusão final”: cada premissa maior tem como resposta uma conclusão intermediária, que, assim como a conclusão final, deve ter formulação precisa e feita no modo indicativo do verbo (p. 225-227).

Ademais, os autores fazem duas observações em referência ao estilo redacional do parecer: (a) “um bom parecer prescinde totalmente de retórica” e indicam que expressões como “conforme a muito sábia preleção do magnífico/ excelentíssimo Procurador/Desembargador/Ministro X” são desnecessárias, devendo ser substituídas por formas mais simples, qual “conforme X”, “sustenta-se” ou “segundo uma opinião minoritária/majoritária”, com referência ao autor na nota de roda pé; e (b) as definições e conclusões são redigidas no modo indicativo do verbo, aproximando-se do estilo de redação de decisão judicial, acrescentando-se que “os pontos não ou muito pouco problemáticos do caso deverão ser somente salientados”, o que é feito no modo indicativo do verbo (p. 227-228).

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