Série acadêmica
Fichamento do texto: “Titulares dos direitos fundamentais”, p. 76-91, In: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Fichamento do texto: “Titulares dos direitos fundamentais”, p. 76-91, In: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
TITULARES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Retrata a visão de que os direitos fundamentais
vinculam dois ou mais sujeitos de direito, figurando, de um lado, o sujeito
ativo, detentor ou titular do direito, e, de outro, o sujeito passivo designado
como destinatário da obrigação de respeitar o direito.
A Constituição não garante a titularidade
universal dos direitos fundamentais, mas a certos grupos de pessoas e, além disso,
cada categoria de direitos possui titulares diferentes. Passa-se, então, à
análise da titularidade destes direitos.
Titularidade dos direitos de status negativus do
art. 5º da CF
O princípio da igualdade, enunciado na
primeira parte do caput deste artigo,
significa que todas as pessoas submetidas à lei brasileira têm o direito de a
ela subordinar-se sem sofrer qualquer discriminação. Embora tenha havido boa
intenção por parte do constituinte, este princípio funciona hoje, a nosso
entender, mais como uma norma programática, constituindo-se mera igualdade
formal, muito distante ainda da almejada igualdade de fato.
Os demais direitos do caput do art. 5º têm titularidade mais
restrita, uma vez que são garantidos expressamente “aos brasileiros e
estrangeiros residentes no País”. O termo “brasileiros” envolve quem tem
nacionalidade brasileira, não importando a maneira e o momento da aquisição,
salvo algumas exceções como na proteção da extradição, que é absoluta apenas
para os brasileiros natos (art. 5º, LI, da CF).
Quanto ao termo “estrangeiros residentes
no País”, os autores informam que não possui fundamentação constitucional, por igualar
os residentes aos não residentes, a intenção da doutrina de oferecer “uma
interpretação extensiva considerando que é residente qualquer estrangeiro que
se encontre em trânsito no território nacional” (p. 78).
Nos incisos do art. 5º, os titulares são
designados por: “todos”, “ninguém”, “homens e mulheres”, “qualquer pessoa”, “o
preso”, “qualquer cidadão”, “o condenado”, “os reconhecidamente pobres”, apesar
de muitos incisos não terem nenhuma referência explícita.
Quando o inciso não determina ou quando
usa termos genéricos, como “todos” e “ninguém”, os titulares do direito
fundamental são apenas os “brasileiros e os estrangeiros residentes no País”.
Por outro lado, acontece dupla limitação
quando o inciso é mais restritivo que o caput,
ao estabelecer categorias específicas, tais quais “presos”, “condenados”,
“cidadãos” ou “pobres”. A limitação de não serem brasileiros ou estrangeiros
residentes e a de, mesmo o sendo, não possuírem a qualidade descrita no inciso.
Entendemos que os estrangeiros em
trânsito, sem residência fixa, gozam também da proteção dos direitos do caput, assim como dos demais direitos de
resistência do art. 5º, por zelo mesmo ao regime e aos princípios adotados pela
Constituição, como tão bem aduz o § 2º deste dispositivo. Um deles é o citado
princípio do “in dubio pro libertate” que já poderia conciliar a questão. Porém,
nada impede que o constituinte derivado o melhore, de forma a pôr termo a tais
polêmicas, já que, neste caso, não se estaria retirando nenhum direito.
Para minimizar o desconforto com a
omissão do constituinte, a doutrina constitucional brasileira buscou meios para
atestar aos estrangeiros não residentes a titularidade dos direitos
fundamentais do art. 5º, da CF, agrupando suas análises em quatro argumentos.
a) “Argumento da
obviedade”. É a proposta de alguns autores que afirmam serem os direitos do
art. 5º “de todos aqueles que se encontram submetidos ao ordenamento jurídico
brasileiro...” Esta posição é defendida pelo STF. Já para os autores, esta
interpretação é equivocada, pois a vontade do constituinte estaria sendo
ignorada e poderia acontecer uma inaceitável inversão “dos papéis entre o
criador e o aplicador do direito“ (p. 82).
b) “Argumento dos
direitos naturais”. Segundo este ponto de vista, o constituinte não poderia
limitar estes direitos nem tampouco negá-los a determinados grupos de pessoas,
por serem “imprescritíveis ou inerentes ao ser humano” (p. 82). Os autores informam
que o poder constituinte é ilimitado e, como tal, só garante direitos conforme
a sua vontade.
c) “Argumento da
dignidade humana”. Propõe a combinação do princípio prolatado pelo art. 1º,
III, com o art. 5º, da CF, realizando “uma interpretação extensiva deste último
para reconhecer a titularidade dos direitos a todas as pessoas.” (p. 83). Esta
proposta é insatisfatória para os autores, primeiro, porque a dignidade humana
constitui-se num conceito muito abstrato, não permitindo saber quais direitos devem
ser garantidos. Segundo, porque o constituinte quis adotar exceções ao este princípio
fundamental, utilizando a regra: “lex specialis derogat legi generali”.
d) “Argumento dos direitos decorrentes” (p. 83). Defende
que os direitos oriundos da incorporação dos tratados internacionais reconhecidos
pelo § 2º, do art. 5º, oferecem argumento para alargar os titulares dos
direitos fundamentais. Porém, se o tratado possuir força de lei ordinária,
poderá ser alterado, não cabendo alegação de inconstitucionalidade da lei que o
modificou. A nosso ver, há uma inconformidade, na medida em que a própria
Constituição garante o direito adquirido (conquistado pelo titular por meio do
tratado, que tem valor de lei ordinária) da ação de lei ulterior, como
preceitua o art. 5º, XXXVI.
O catálogo de direitos fundamentais do
art. 5º tem caráter exaustivo, não podendo ser acrescido por outros instituídos
mediante fontes infraconstitucionais. Os autores acrescentam que para corrigir
a omissão do constituinte no tocante aos estrangeiros não residentes, faz-se
necessária emenda à Constituição ou incorporação de tratado internacional em
consonância com o § 3º, art. 5º, da CF.
Titularidade dos direitos sociais
Em alguns dispositivos do art. 6º da CF,
o constituinte usa termos como “assistência aos desamparados”, em que o
titular, “desamparado”, demanda uma circunstância social ou temporal. Situação
similar envolve os direitos de proteção à maternidade e à infância. Restou ao
legislador ordinário, com o controle do Judiciário, solucionar a determinação dos
seus titulares e em que circunstâncias.
Nos demais direitos desse artigo, por não
haver indicação de titularidade, subentende-se que esta é representada por
todos os que necessitam de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia,
lazer, segurança e previdência social. A própria Constituição ratifica este
entendimento, ao afirmar que: “a saúde é direito de todos...”, no art. 196; a
assistência social é de quem dela necessitar, como aduz o art. 203; e “a
educação, direito de todos...”, art. 205.
Criou-se um paradoxo político-constitucional,
pois o art. 5º da CF não havia necessidade de ser tão restritivo quanto aos
direitos de resistência dos não residentes, ao passo que o art. 6º não
precisava ser tão inconvenientemente generoso, por importar vultosos
investimentos ao Estado, concedendo-lhes direitos típicos das pessoas
vinculadas ao Brasil.
Os art. 7º ao art. 11 dizem respeito aos
trabalhadores urbanos e rurais, sendo que em alguns casos a Constituição
aumenta, diminui ou modifica a titularidade dos direitos sociais. No art. 10,
há uma especificidade quando garante a participação dos trabalhadores nos
colegiados de órgãos públicos, nos quais os seus interesses estejam em jogo.
Recorrendo à classificação de Jellinek,
são encontrados dispositivos no capítulo dos direitos sociais da Constituição
que se inserem ora nos direitos de resistência, tais como o direito à
associação profissional e sindical do art. 8º, o direito de greve do art. 9º ou
até mesmo a proibição do trabalho infantil e juvenil do art. 7º, XXXIII; ora
nos direitos políticos, tal qual o do art. 10.
Titularidade dos direitos políticos
O principal requisito do titular dos
direitos políticos é ter nacionalidade brasileira. Os arts. 14 e 15 da CF
instituem os demais, e outras normas constitucionais incluem algumas
especificações.
Uma das particularidades desses direitos
são os limites etários dos seus titulares, o que ocorre no alistamento e voto obrigatório
para os maiores de dezoito anos (art. 14, § 1º, I, da CF), na idade de 35 anos como condição de elegibilidade para
Presidente da República (art. 14, § 3º, VI, a),
etc.
Os estrangeiros exercem direitos
políticos no Brasil principalmente em dois casos: os portugueses que aqui residem
permanentemente, mesmo que não possuam nacionalidade brasileira, desde que haja
contrapartida em Portugal para brasileiros (art. 12, § 1º, da CF);
possibilidade de atuação dos estrangeiros em partidos políticos (art. 17). A titularidade
desta atuação é universal. No entanto, o legislador infraconstitucional, ao
regulamentar este artigo, exclui da participação partidária oficial todos os estrangeiros
e alguns brasileiros (art. 16, da Lei 9.096/95), o que é suscetível de
inconstitucionalidade.
Titularidade dos direitos coletivos
Nos direitos coletivos tradicionais, a
titularidade depende do tipo de direito. Já para os “novos” direitos coletivos,
há diferenciações.
Os titulares dos direitos dos
consumidores dependem de norma ordinária, conforme art. 5º, XXXII, da CF. O
delineamento destes consumidores está a cargo da Lei 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor).
O direito ao meio ambiente é concedido pelo
art. 225, da CF, de forma universal a quem se encontrar no país, apesar de
haver interpretações minoritárias considerando o termo “povo” de forma
nacionalista, o que carece de fundamento.
Os direitos à solidariedade e ao
desenvolvimento são abstratos e compara-se a normas programáticas, beneficiando
“a todos e a cada um em separado” (pág. 89).
Titularidade das garantias fundamentais
As garantias preventivas relacionam-se
com as formas de organização do Estado, e a Constituição as adota pelo princípio
da separação dos poderes, estabelecendo modos de controlar entre si as
autoridades estatais, a fim de preservar os direitos fundamentais da interferência
indesejável de agentes de poder.
Quanto às garantias repressivas, a regra
é que os próprios titulares do direito podem acioná-las, apesar de a
Constituição estabelecer, em alguns casos, a titularidade de forma precisa,
como no mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX, da CF), e, em outros,
permitir que o legislador ordinário o amplie, tal qual o “habeas corpus”, a
exemplo do art. 654, do CPP.
As pessoas Jurídicas como titulares dos direitos
fundamentais
As pessoas jurídicas podem ser
equiparadas às físicas, desde que o gozo do direito seja compatível com suas finalidades
e natureza, tal ocorre na maioria dos direitos de resistência, como o de
propriedade ou do sigilo de correspondência.
A Constituição chega, em alguns casos, a
expressar tal titularidade, ao permitir às associações representarem seus
filiados (CF, art. 5º, XXI) ou aos sindicatos defenderem a sua categoria (art.
8º, III).
A regra do art. 5º, da CF, é restringir os sujeitos
de direito às pessoas físicas. Parte da doutrina e alguns julgados do STF
tentaram corrigir esta opção do constituinte ao propor uma “interpretação
extensiva” (p. 91). Porém, os autores defendem que as pessoas jurídicas, apesar
de necessitar da tutela constitucional, não a possui, podendo o legislador
ordinário limitá-la e diferenciá-la do tratamento dado às pessoas físicas. Em
razão disso, eles propõem uma reforma constitucional com o propósito de corrigir esta distorção.
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