Série acadêmica
Fichamento do texto: Categorias e funções dos direitos fundamentais, p. 57-75, In: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Fichamento do texto: Categorias e funções dos direitos fundamentais, p. 57-75, In: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Categorias e
funções dos direitos fundamentais
Baseados nas definições de Jellinek, distinguem três
categorias de direitos fundamentais segundo a relação entre o Estado (E) e o
indivíduo (I).
A primeira corresponde aos direitos de status negativus ou pretensão
de resistência à intervenção estatal, que consistem em “E não deve interferir
em I”, protegendo a liberdade do indivíduo da ação do Estado. Trata-se de
obrigação de não fazer algo afiançada pela Constituição, “direito de resistência”
ou até “direito de defesa” (p. 58-59). Instituídos já nas Declarações do século
XVIII, estes direitos fazem parte da concepção liberal clássica de preservar as
liberdades individuais, com o propósito de liberar o usufruto da propriedade e,
com isso, as atividades econômicas tão almejadas pela burguesia.
A segunda categoria refere-se aos direitos de status positivus,
sociais ou prestacionais, consistentes em “E deve interferir na esfera de I”,
possuindo o indivíduo o direito positivo de obter algo, o que se coaduna com o
termo “direitos sociais”, já que tem o objetivo de satisfazer a amplas parcelas
da população. Estes direitos podem ser de duas espécies: (a) prestações
materiais, quer dizer, oferta de bens ou serviços a hipossuficientes ou oferta
universal de serviços monopolizados pelo Estado; e (b) prestações normativas
referentes à criação, por parte do legislador, de normas que protegem
interesses individuais. Estes direitos, apesar de serem amplamente positivados
no século XX, já constavam de textos dos séculos XVIII e XIX (p. 60-61).
A última categoria abrange os direitos de status activus, políticos ou de participação, traduzido na forma
ativa “I pode interferir no E”, o que possibilita a “intromissão” do indivíduo
na esfera política do Estado, mediante o direito de sufrágio e de participação
da vontade política, como plebiscito, referendo, iniciativa popular ou fazer
parte de partidos políticos. Tais direitos foram previstos nos textos
constitucionais ou Declarações a partir do século XVIII, conhecendo grande
evolução no tocante à extensão de seus titulares (p. 61).
Por trás desse esquema trialista de Jellinek, existe uma bipartição da
relação entre as duas esferas, Estado e indivíduo, consubstanciada nos direitos
que importam ação e nos que envolvem abstenção. No polo ativo, temos o poder de
ação do indivíduo, expressos nos direitos políticos, e dever de agir do Estado,
nos direitos sócio-prestacionais. Já no lado passivo, temos dois deveres de
omissão, manifestados na proibição de intervenção do Estado por meio dos
direitos de resistência individual e na vedação de resistência do indivíduo à
ação estatal, quando ele não possuir o direito fundamental. Nesta
classificação, há quatro relações entre Estado e indivíduo, portanto, duas
positivas e duas negativas.
Além desse esquema, que se mostra o mais aceito na atualidade, destacam-se
duas importantes teorias: a unitária e a binária. A primeira refuta a
organização dos direitos fundamentais em categorias diferentes, ao enfatizar suas
semelhanças estruturais, evitando, por exemplo, a tendência de depreciação dos
direitos sociais. Porém, a despeito da “’dignidade’ constitucional” de todos os
direitos fundamentais, sustenta que classificá-los não significa
hierarquizá-los, mas ressaltar suas funções que são distintas. A segunda,
também chamada “teoria dualista”, distingue os direitos fundamentais em
direitos de resistência (liberdades negativas) e direitos prestacionais
(liberdades positivas) (p. 62-63). E os direitos políticos, em que ponto se
encaixariam? Nos direitos de resistência, afirmam seus defensores, o que não convence,
já que a função dos direitos políticos não se confunde com aquela dos direitos
de resistência.
A classificação de Jellinek e as demais não contemplam a titularidade
coletiva dos direitos fundamentais, confirmando as suas deficiências e a
necessidade de análise de alguns casos particulares. No que tange aos “direitos
coletivos tradicionais”, cuja titularidade é individual, mas de “expressão”
coletiva, ainda se enquadram no esquema de Jellinek, como os direitos de
reunião e associação, art. 5º, XVI e XVII, da CF, e o de criação de partidos
políticos, art. 17 (p. 64).
No entanto, com o surgimento no século XX dos “novos direitos coletivos”,
direitos difusos ou transindividuais, conflitos concretos e teóricos,
ocasionados por sua garantia constitucional, tornaram-se evidentes, provocando
tensões por vezes insolúveis. Dentre estes direitos, destacam-se o direito ao
meio ambiente, dos consumidores e de solidariedade, ao exprimirem valores e
deveres entre países e grupos sociais. Há uma absoluta indeterminação de seus titulares,
indicados por termos como: “todos”, “os brasileiros”, “os trabalhadores”. Além
disso, os interesses originados desses novos direitos “estão soltos,
desagregados, disseminados”, demonstrando “intensa litigiosa interna”, afirma a
doutrina (p.65).
O alemão Carl Schmitt reconheceu disposições constitucionais denominadas
posteriormente de “garantias de organização”, cuja finalidade “é criar e manter
instituições que sustentem o exercício dos direitos e garantias fundamentais”
(p. 66). Segundo ele, há duas espécies dessas garantias: (a) “garantias de
instituições privadas” como a família, o casamento e a propriedade, quando o
indivíduo pode exigir do Estado regulamentação e medidas concretas para exercer
tais direitos; e (b) “garantias de instituições públicas”, organizações
estatais como a Administração Pública, tribunais e estrutura eleitoral (p. 67).
Acrescentamos que o Estado brasileiro ainda não apresenta uma estrutura pública
de todo organizada, todavia os esforços para tal são enormes, sobretudo a
partir de 2003 com a implantação mais palpável do Estado Social, aproximando-se
mais do que propugna a Carta de 1988.
Apesar da inércia da doutrina e do ordenamento jurídico brasileiros, examina várias categorias de deveres fundamentais.
- “Deveres estatais implícitos e não autônomos” (p.
68), que consistem no dever do Estado de agir para efetivação dos direitos
sociais e no dever de abster-se de condutas que impeçam o gozo dos direitos de
resistência e políticos. De caráter não autônomo por serem reflexo do
respectivo direito fundamental.
- “Deveres estatais explícitos e não autônomos” (p.
69), representando os deveres estabelecidos pela Constituição, ao obrigar o
Estado em relação ao indivíduo. Também é reflexo do respectivo direito.
- “Deveres não autônomos dos particulares?” (p. 69).
Enfoca que estes deveres só vinculam o Estado (sujeito passivo) e
não os particulares. Por isso, há “assimetria entre direitos e deveres
fundamentais dos particulares” (p. 70).
- “Deveres autônomos dos particulares” (p. 70),
quando a Constituição designa deveres a determinadas parcelas da população, tal
qual a educação como dever de família (art. 205, da CF). São de baixa densidade
normativa.
- “Deveres de criminalização” (p. 72), impondo
deveres normativos ao Poder Legislativo para tipificar criminalmente certas
condutas (art. 5º, XLII, da CF).
- “Deveres de tutela” (p. 73), ao indicar o dever do
Estado de proteger o direito fundamental de agressões oriundas de particulares,
consubstanciado no dever de promover a segurança, de prevenção de riscos e até
de proibição de certas condutas.
- “Deveres fundamentais acompanhados de deveres do
titular?” (p. 73). Segundo a doutrina dominante, alguns direitos fundamentais
podem apresentar, como contraposição, um dever do titular de usufruir seu
direito de maneira solidária, de acordo com o interesse social.
Tem-se, assim, uma estrutura bifásica dos deveres fundamentais, quando a
Constituição enuncia e a lei regulamenta, na medida em que o art. 5º, § 1º, da
CF, atribui “aplicação imediata” e vinculativa apenas aos direitos e às
garantias, e não aos deveres fundamentais, e em que são vagos os termos que
instituem tais deveres.
Por fim, apresentam-se as garantias constitucionais correspondentes às disposições
que previnem e/ou concertam violações de direitos. Dessarte, podem ser
preventivas, “garantias da Constituição”, quando limitam o poder estatal e
concretizam o princípio da separação dos poderes; ou repressivas, “remédios
constitucionais”, que podem impedir violações de direitos ou desfazer lesões
oriundas destas violações.
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