Série acadêmica
Fichamento do texto "As Inovações Introduzidas no Sistema Federativo pela Constituição de 1988", p. 344-360, in: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª
ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. Cap. 10.
A
DIMENSÃO FEDERALISTA CONFERIDA AO MUNICÍPIO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A autonomia do Município
recebeu, com a Constituição, um reforço jurídico e uma evidência política nunca
conhecida antes em outros sistemas federativos.
O art. 18, da Atual
Constituição, inseriu o Município na organização político-administrativa da
Federação, de modo que ele e Distrito Federal formam a terceira esfera de
autonomia, alterando o dualismo no federalismo brasileiro. Traz o art. 29 um
enorme acréscimo de institucionalização, uma vez que determina seja o Município
regido por lei orgânica dotada de rigidez, por ser votada em dois turnos num
quórum qualificado de dois terço dos membros da Câmara Municipal. Já o art. 30 discrimina
as matérias de competência municipal com reconhecida relevância, desconhecida
dos textos constitucionais antecedentes.
A história da autonomia
municipal sempre esteve ligada às oscilações políticas, não se tratando
unicamente de problema jurídico, mas de um tema que cada geração tenta resolver
conforme as suas próprias características.
Segundo Stier-Somlo, em
épocas de fortes correntes liberais, busca-se maior autonomia municipal; em
tempos em que a auto-adinistração prioriza a coletividade e o pensamento
social, há o recuo desta autonomia.
O
MUNICÍPIO BRASILEIRO NA VANGUARDA DOS MODELOS AUTONOMISTAS
Almejados por muitos
publicistas liberais dos séculos XVIII e XIX, o Município nunca esteve numa
organização federativa antes da Constituição de 1988. Esse novo modelo impõe
aos aplicadores dos princípios e regras constitucionais uma visão hermenêutica
maior concernente à defesa e sustentação da autonomia municipal.
A
TEORIA DO PODER MUNICIPAL EM
FACE DO ESTADO
Ao fazer nascer o
princípio da autonomia municipal, os franceses distinguiram duas espécies de
funções, direitos ou competências dos Municípios: as funções que se referem a interesses
exclusivamente comunitários; e as demais, que lhe são delegadas pelo interesse
geral, fixadas em lei. Essas ideias estavam contidas na Constituição francesa
de 1789, referentes à organização das municipalidades.
Os Municípios tinham seus
assuntos legislativos e executivos privativos, colocando-se perante o Estado
como os indivíduos em seus negócios particulares.
A
BATALHA PELO “POUVOIR MUNICIPAL” NA EUROPA
A doutrina municipalista
francesa da Revolução não progrediu, a centralização de poderes tornou-se o
traço institucional mais visível da organização do Estado. Na Bélgica, a tese
municipalista se revigorou com a Constituição de 1831. Na Alemanha, Rotteck
afirmava que todo Estado era uma Federação de comunidades, o que influenciou a
Constituição do Império Alemão de 1849.
Uma lei de 1849, na
Áustria, considerou o Município a base de um Estado livre, e outra, de 1862,
distingue o “círculo de eficácia autônoma” do município do círculo em que a
comunidade executa somente as funções delegadas para o Estado.
O “círculo de eficácia
autônoma” do município, onde se encaixa a origem e a essência da autonomia
municipal, tem sido justificado por postulados do Direito Natural, os quais
incluem a ideia de que as comunidades, como os indivíduos, possuem um direito
fundamental que o Estado não cria e é nato dos Municípios.
O
PODER DO MUNICÍPIO, UM PODER PRÉ-ESTATAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O poder municipal tomou
relevância na Constituição de 1988, que fez dele uma peça constitutiva do
próprio sistema nacional de comunhão política do ordenamento, o que cercou o
referido poder de proteção adequada em face dos legisladores, mormente os
estaduais.
A
TEORIA CONSTITUCIONAL DAS GARANTIAS INSTITUCIONAIS E A AUTONOMIA DO MUNICÍPIO
Segundo Klaus Stern, a
garantia institucional caracteriza-se como proteção qualificada da autonomia do
Município. Na Lei Fundamental de Bonn, de 1949, a autonomia
municipal, cercada de garantias institucionais, renasceu, após o crepúsculo na
Constituição de Weimar.
As garantias
institucionais, entre as quais está a autonomia do Município, segundo Duerig,
são aquelas cuja existência independe de direitos fundamentais subjetivos, ao
passo que as garantias de instituto se relacionam com estes direitos.
A
GARANTIA INSTITUCIONAL DO “MÍNIMO INTANGÍVEL” NA AUTONOMIA DO MUNICÍPIO
Segundo Carl Schmitt, uma
garantia institucional protege a autonomia do Município contra a ação do
legislador ordinário e constituinte do Estado-membro, invasora do seu espaço
jurídico-constitucional.
É da essência da garantia
institucional proteger o “mínimo intangível” de Carl Schmitt, o “mínimo
essencial” de Anschuetz e a “identidade” de Giese, ou seja, o que faz a
natureza e o conteúdo do instituto da autonomia municipal.
AUTONOMIA
FINANCEIRA DO MUNICÍPIO E O ESTADO-MEMBRO
A Constituição deixou
livre à discrição e competência das municipalidades aquilo que integra a
essência de seus poderes autônomos, que é uma faculdade de caráter financeiro
cuja retirada destrói a autonomia municipal.
Analisando o art. 29, caput, V e VI, da CF, conclui-se que não
se infere nenhum preceito que habilite uma disposição legislativa ordinária ou
do constituinte estadual para limitar a competência das Câmaras Municipais no
que concerne à fixação da remuneração de Prefeitos, Vice-prefeitos, Secretários
Municipais e Vereadores.
A
“CONSTITUCIONALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA” DAS REGIÕES
Abriu-se uma estreita
porta quando o Constituinte de 1988 reconheceu formalmente em termos
administrativos as Regiões. A matéria disciplinada no art. 43, da CF, cresce em
importância, quando se vincula ao art. 3º, III, e ao art. 170, VII.
Descortina-se, assim, um
caminho para a criação de uma futura instância federativa, a das Regiões.
A
MARCHA PARA UMA “CONSTITUCIOALIZAÇÃO POLÍTICA” DAS REGIÕES
Não faltaram propostas
para a efetivação do princípio federativo com bases regionais, na Constituinte
de 1987/88, partindo dos membros dos Estados da Região Nordeste, o que foi
fortemente combatido pelos membros do Sudeste, sob a alegação de que poderia
levar ao separatismo da unidade nacional.
Afirma o autor que, da
mesma forma que se deu a constitucionalização do “poder municipal”, nada impede
que se crie a quarta instância política da Federação, o “poder regional”,
dispondo de poderes mais eficazes junto ao Governo Central que aqueles de que
os Estados-membros seriam capazes de obter.
Sem dizer não às
autonomias dos Estados-membros e dos Municípios, o autor considera que o
federalismo das autonomias regionais põe fim à crise proveniente das forças
centrípetas geradas por um presidencialismo absoluto.
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