Série acadêmica
Fichamento do texto "Constitucionalismo", p 246-258, In: BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 4ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992.
CONSTITUIÇÃO, CONSTITUCIONAL, CONSTITUCIONALISMO
Decorrente da designação de um poder soberano assim como dos órgãos que o exercem, a Constituição é a estrutura de uma comunidade política organizada.
Todos os Estados, sejam absolutistas, totalitários ou democráticos, têm uma
Constituição, norma primária, tácita ou expressa, que outorga o poder soberano
de império; independente dos limites impostos à soberania ou da divisão em
diversos órgãos.
A ciência jurídica, numa definição bastante restrita, considera o termo
constitucional para indicar uma forma de Estado baseado na separação de
poderes, em que o poder é uma parceria entre o rei ou o presidente e o
Parlamento.
O constitucionalismo é a técnica da liberdade ou a técnica jurídica pela
qual é garantido aos cidadãos o gozo dos seus direitos individuais, limitando o
poder do Estado, na medida em que não pode violar estes direitos. As técnicas
variam de acordo com a época e as tradições de cada país, mas o ideal de
liberdade é o fim último.
Para definir o termo constitucionalismo, é necessário primeiramente
admitir o valor que nele se acha subentendido, o qual se resume na defesa dos direitos
da pessoa, do indivíduo, do cidadão. É necessário também definir histórica e
tipologicamente as soluções que têm sido oferecidas para alcançar tal fim, formalizadas
mediante conceitos outros que não o de constitucionalismo, como o de separação
dos poderes, garantia e Estado de direito.
SEPARAÇÃO DOS PODERES E GOVERNO MISTO
O constitucionalismo é identificado com a separação do poder, dada a
influência da Declaração dos Direitos e do Cidadão de 1789, que instruía no
artigo 16: "Toda sociedade, em que não for assegurada a garantia dos
direitos e determinada a separação dos poderes não tem Constituição".
O princípio jurídico da separação dos poderes, exaltado pela ciência
jurídica, se não for detalhado, pode se tornar um dogma incerto e enigmático
pela variedade de formas como juridicamente se efetivou a divisão do poder e por
não justificar a dinâmica do poder nos sistemas democrático-parlamentaristas
dos regimes monárquicos do século XVIII. Além disso, o autor afirma que este
dogma não garante a liberdade do cidadão.
Separando os poderes legislativo, executivo e judiciário, Montesquieu
afirma que tudo estaria perdido se uma só pessoa, ou um só corpo de notáveis,
exercesse estes poderes. Além disso, ele introduz o ideal inglês de governo
misto, a divisão do poder legislativo em duas partes, que se refrearão
mutuamente: os legislativos bicamerais.
Montesquieu apresenta a teoria de um Governo balanceado, em que os diversos
órgãos, num sistema de pesos e contrapesos, se equilibram de forma a impedir a
formação de um poder absoluto. Nota-se, entretanto, que ele confunde o sentido jurídico
com o sentido sociológico, identificando um órgão do Estado com uma classe
social.
Nas democracias atuais, o poder emana do povo, é desprezada a
identificação entre órgão e camada social e permanece o equilíbrio
constitucional. Opta-se por um sistema bicameral, já que, concentrando os
poderes numa única assembléia, pode-se trazer o caos ou a tirania de uma
maioria parlamentar.
SEPARAÇÃO DOS PODERES: LEIS, DECRETOS,
SENTENÇAS.
Para Kant, os três poderes deverão ser autônomos e independentes entre
si, têm de ser coordenados e mutuamente subordinados e exercidos por pessoas
distintas.
A diferença entre poder legislativo e executivo coincide com a de lei,
que possui um valor universal, e decreto, ato particular para particulares.
O Parlamento não é mais um órgão de controle, mas um órgão do poder
executivo.
Kant distinguia leis, decretos e sentenças qualitativamente, porquanto
eram as três essências das funções do Estado, entretanto, a ciência jurídica
moderna faz uma distinção quantitativa, pois são consideradas normas jurídicas
que se diferenciam hierarquicamente dentro da ordem jurídica.
O modelo de Kant é problemático atualmente, porque, no parlamentarismo,
o partido que obtiver a maioria eleitoral a terá em ambas as Câmaras e, possivelmente,
fará o chefe de Estado, existindo um só poder político da maioria que governa,
o qual, mesmo baseado no consenso e sob normas, pode tornar-se um poder
arbitrário.
AS GARANTIAS
Benjamin Constant, no século XIX, enfoca a necessidade de tutelar constitucionalmente
os direitos fundamentais, ao subordinar a organização do Estado à obrigação de
garantir aos indivíduos a liberdade do poder político, via exercício do poder
ou através da não violação da autonomia do indivíduo pelo Estado.
Coloca-se a liberdade política como fundamento de uma complexa oscilação
entre órgãos e poder, proveniente da separação dos poderes, e como garantia dos
direitos do indivíduo.
O “RECHTSSTAAT”
O Estado alemão se enquadra dentro dos limites do direito, garantindo
aos cidadãos a sua liberdade jurídica, através de uma lei geral. Além disso,
mantém distinta a função executiva da legislativa, operando aquela por decretos,
conforme as leis gerais.
Para realizar as atividades administrativas complexas do Estado moderno
e, ao mesmo tempo, fiscalizar o cumprimento da lei, Rudolf von Gneist defendeu
a necessidade de tribunais administrativos competentes e independentes.
Todavia, se o direito não limita tal poder, corre-se o risco de chegar a uma
forma de despotismo jurídico.
O “RULE OF LAW”
A experiência inglesa afirmou a autonomia do direito junto ou acima do
Governo ou o subordinou ao direito, ou seja, uniu o direito ao Governo, o que
foi possível pela independência dos juízes em relação ao poder político e pelo common Law. Já na parte continental da
Europa, houve a união do Estado ao direito,
Rejeita, segundo A. V. Dicey, o direito e os tribunais administrativos
do tipo francês, implicando a igualdade dos cidadãos com o Governo perante os
tribunais ordinários.
GOVERNO LIMITADO NA ANTIGUIDADE E NA IDADE MÉDIA
O legado de Platão e Aristóteles não deixa dúvida da supremacia da lei
perante o Governo ou o Estado.
Na Idade Média, são claras as referências ao Governo limitado, como
também ao primado da função do judiciário, vinculados ao poder do rei de base
sacral. O rei era a fonte da justiça, o soberano juiz, em quem os direitos dos
súditos podiam encontrar sua tutela natural e garantia necessária.
A natureza do direito inglês não é oriunda dos princípios éticos
medievais. Henry Bracton escreve no século XIII: “não há rei onde governa a
vontade e não a lei”. A lei na Idade Média não era escrita, mas declarada, não
feita, mas evocada; o que guarda similaridade com o direito dos países do common Law.
O autor afirma que a limitação do constitucionalismo ao princípio da
separação dos poderes revela-se inadequada, pela dinâmica política real das
instituições parlamentares, e errada, ao se buscar novos princípios
constitucionais capazes de impedir o arbítrio da maioria governativa.
O princípio do governo limitado na soberania das leis, mais que o do
Governo misto na separação dos poderes, foi o que Charles McIlwain considerou
para afirmar: “Todo Governo constitucional é, por definição, um Governo
limitado”.
O GOVERNO LIMITADO DOS MODERNOS
O direito que era a justiça, quase um fato natural e espontâneo, agora é
uma criação consciente, imposta pela maioria, por meio de uma assembléia
representativa.
O princípio do Governo limitado faz-se atuante mediante três
características principais:
1 - Constituição escrita, que regula o
funcionamento dos órgãos do Estado e consagram os direitos dos cidadãos.
2 - rigidez e inelasticidade da Constituição,
porquanto é necessária uma maioria qualificada para ser modificada.
3 - o poder judiciário, que torna eficaz a
supremacia da Constituição, ao dirimir os conflitos entre os órgãos e ao zelar
pela conformidade das leis com as normas fundamentais.
A função judiciária adquire um peso muito maior no equilíbrio
constitucional em um sistema político representativo, com Governo limitado, do
que em um sistema baseado na separação dos poderes.
CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA
POLÍTICA
Os democratas ensejaram maior atenção à origem do poder soberano, os
constitucionalistas aos limites e os modos de exercício desse poder.
O autor afirma que o constitucionalismo torna efetivo o governo da
minoria, na medida em que há normas as quais nenhuma maioria pode suprimir,
como é o caso dos direitos do homem. É uma limitação funcional à própria
manutenção da democracia, porque, limitando o poder da maioria, os freios a
defendem da tirania de quem, eleito, agiria em nome próprio.
O constitucionalismo, hoje, é o modo como se aplica e realiza o sistema
democrático representativo. Este sistema se traduz em um complexo processo de
vontade que, limitado pela Constituição, parte dos cidadãos, passa pelos
partidos e pelas assembléias e culmina na ação do Governo. São os sistemas
políticos Constitucional-pluralistas.
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