Série acadêmica
Resenha dos textos: “Roteiros para o controle de constitucionalidade material em face dos direitos fundamentais”, p. 229-233, e “Exemplo de uma minuta de parecer técnico-jurídico constitucional”, p. 234-244. In: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
ROTEIROS PARA O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Com as devidas adaptações dos autores aos imperativos do
direito brasileiro, são apresentados alguns roteiros desenvolvidos
originariamente no âmbito da doutrina alemã com o fim de facilitar a
fundamentação clara e exaustiva dos passos do controle de constitucionalidade
de medidas ou omissões estatais.
Apesar da escassez com que esses roteiros são debatidos na
academia e nas práticas decisórias brasileiras, deve-se lembrar que o Dec. nº
4.176 de 28.03.2002 estabelece normas e diretrizes a serem observadas, no
tocante à conformidade constitucional, pelos projetos de atos normativos de
iniciativa da Presidência da República, inspiradas nos roteiros da doutrina
alemã.
O exame da última questão dos roteiros (com exceção do
último) segue uma ordem lógica, iniciando com requisitos formais até a análise
mais exigente do critério de proporcionalidade que limita a área de proteção do
direito, excluindo-se desta análise o exame da proporcionalidade em sentido
estrito. A seguir os roteiros.
“Exame de constitucionalidade
de lei que limita direitos negativos (de resistência) e políticos
1. O comportamento ou ‘status’ jurídico
contemplado pela lei situa-se na área de proteção de um direito fundamental?
2. A lei intervém na área de proteção de um
direito fundamental contemplado pela lei?
3. A intervenção verificada é justificada
constitucionalmente (intervenção permitida)?
3.1. Há validade formal da lei (competência,
respeito das regras do processo legislativo, vigência)?
3.2. A lei é geral?
3.3. A lei é clara e concreta?
3.4. A lei interventora encontra respaldo (é
coberta pelo) no tipo de reserva legal do direito fundamental ou pelo menos no
chamado direito constitucional de colisão?
3.5. A lei respeita o critério da
proporcionalidade?
3.5.1. O
propósito da intervenção perpetrada é constitucionalmente admitido (lícito)?
3.5.2. O
meio de intervenção escolhido é constitucionalmente admitido (lícito)?
3.5.3. O
meio de intervenção escolhido é adequado ao alcance do propósito almejado?
3.5.4. O
meio de intervenção escolhido é necessário para o alcance do propósito
almejado?” (p. 231).
“Exame de
constitucionalidade de medida administrativa ou judiciária que limita direitos
negativos (de resistência) e políticos
1. O comportamento ou ‘status’ jurídico
contemplado pela medida situa-se na área de proteção de um direito fundamental?
2. A medida intervém na área de proteção de
um direito fundamental contemplado pela medida?
3. A intervenção verificada é justificada
constitucionalmente (intervenção permitida)?
3.1. Há validade formal da lei (competência,
respeito das regras do processo legislativo, vigência)?
3.2. A medida aplica a lei (fundamento legal)
em conformidade com a Constituição?
3.3. A medida é clara e concreta?
3.4. A medida respeita o critério da
proporcionalidade?
3.4.1. O
propósito da intervenção é constitucionalmente admitido (lícito)?
3.4.2. O
meio de intervenção é constitucionalmente admitido (lícito)?
3.4.3. O
meio de intervenção é adequado ao alcance do propósito almejado?
3.4.4. O
meio de intervenção é necessário para o alcance do propósito almejado?” (p. 232).
Observa-se, nos dois roteiros supracitados, que ocorrerá
violação de um direito fundamental se for respondida “sim” nas duas primeiras
questões e “não” em pelo menos um dos itens da terceira (p. 232).
Segue o modelo concernente à igualdade.
“Exame de conformidade a
direitos fundamentais de igualdade (direito geral de igualdade do art. 5º,
‘caput’, da CF e direitos especiais de igualdade como do art. 5º, I, da CF)
1. Constata-se tratamento desigual
(tratamento dos iguais de forma desigual)?
1.1. As pessoas, grupos de pessoas ou situações
são comparáveis?
1.2. As pessoas, grupos de pessoas ou
situações são tratados desigualmente?
2. O tratamento desigual é
constitucionalmente justificado?
2.1. Há validade formal da lei?
2.2. A lei está em conformidade aos critérios
constitucionais que permitem uma diferenciação?
2.3. A lei é clara e concreta?
2.4. Foi respeitado o critério da
proporcionalidade?
2.4.1. O
propósito da lei é constitucionalmente admitido (lícito)?
2.4.2. O
meio utilizado pela lei é constitucionalmente admitido (lícito)?
2.4.3. O
meio utilizado pela lei é adequado ao alcance do propósito almejado?
2.4.4. O
meio utilizado pela lei é necessário para o alcance do propósito almejado” (p.
233).
Lembrando que se for respondida “sim” na primeira questão e
“não” em pelo menos um dos itens da segunda, ocorrerá inconstitucionalidade.
Segue o modelo no que tange à igualdade (p. 233).
Por último, segue o modelo referente à omissão estatal.
“Exame de
constitucionalidade de omissões relativas a direitos prestacionais e sociais
1. O Estado omitiu-se em tomar uma
determinada medida?
2. A Constituição reconhece ao reclamante o
direito de exigir do Estado que a medida seja tomada?” (p. 233).
Neste caso, ocorrerá inconstitucionalidade se for
respondida “sim” às duas perguntas, não importando a ordem de sua formulação (p.
233).
EXEMPLO DE UMA MINUTA DE
PARECER TÉCNICO-JURÍDICO CONSTITUCIONAL
Caso:
“A polêmica camiseta”
Foi apresentado um caso em que um estudante de uma
universidade pública, J., foi ao seu primeiro dia de aula, uma aula de
bioquímica celular, com uma camiseta trazendo os dizeres:
“Meu patrão, que bebe uísque, é considerado um cidadão
exemplar.
Por que eu, que fumo maconha, sou chamado de marginal?
LEGALIZE
JÁ!” (p. 234).
Na parte das costas a camiseta trazia: “Não fumo, não bebo,
não cheiro. Morri!” (p. 234).
O aluno foi retirado da sala por exigência do professor, P.
O discente também sofreu uma suspensão de cinco dias aplicada pela diretoria da
faculdade. Esta medida foi baseada no Regulamento Interno da Universidade
(RIUn), art. 147, que prescreve suspensão de cinco a quinze dias para alunos
que estimularem o desrespeito às leis e ao Estado democrático de direito.
O advogado de J., antes de entrar em juízo, precisa de um
parecer técnico-jurídico-constitucional analisando se houve violação de um
direito fundamental de J.
Esboço de uma
solução-modelo do Caso: “A polêmica camiseta”
Foi oferecida uma introdução exprimindo as premissas
maiores a serem testadas abaixo, quais sejam, a possível violação do direito
fundamental de J., liberdade de expressão do pensamento, previsto no art. 5º,
IV, da CF; a pressuposta intervenção estatal supracitada não justificada na
área de proteção deste direito.
Área
de proteção do art. 5º, IV, da CF
Atendendo ao primeiro passo do exame de
constitucionalidade, correspondente ao roteiro “Exame de constitucionalidade
de medida administrativa ou judiciária que limita direitos negativos (de
resistência) e políticos” apresentado acima, foi analisado se o
comportamento de J. situa-se na área de proteção do direito fundamental do art.
5º, IV, da CF. Após avaliação dos aspectos abstratos e concretos da atitude do
aluno consoante o dispositivo constitucional em epígrafe, foi concluído positivamente.
Da
intervenção estatal do direito fundamental de J.
Foi realizado o segundo passo, constante no segundo item do
referido roteiro, quando se verificou que a aplicação da pena de suspensão,
como ato administrativo executado que foi por órgão da Administração Pública
indireta, afetou a área de proteção do direito fundamental de J. oriundo do
art. 5º, IV, da CF.
Justificação
constitucional da intervenção estatal no direito fundamental de J.
Passou-se, então, ao terceiro passo do exame de
constitucionalidade, correspondente ao terceiro item do roteiro supracitado.
Analisou-se primeiramente que a intervenção estatal, é dizer, a medida aplicada
fundada no art. 147 do RIUn, está autorizada pelo limite constitucional do
direito constitucional colidente, que é a proteção do Estado democrático de
direito (art. 1º, caput, da CF), atendendo, assim, aos subitens 3.1, 3.2
e 3.3 do roteiro.
Avaliou-se, em seguida, o subitem 3.4, referente à
proporcionalidade tanto da conformação infraconstitucional do art. 147 do RIUn
quanto da medida administrativa de suspensão. No primeiro caso, o critério foi
atendido, porquanto o dispositivo foi considerado lícito em seu propósito, por
proteger o Estado democrático de direito, lícito em si, pois está enquadrado
formalmente no ordenamento jurídico em face da Constituição, adequado, porque
fomenta o alcance do propósito com a pena de suspensão, e necessário, por só
haver este meio de intervenção nessa situação. Assim, foram atendidos, os
subitens 3.4.1, 3.4.2, 3.4.3 e 3.4.4 do roteiro mencionado.
Já no segundo caso, apurou-se que o propósito perseguido
pela Administração, referente ao subitem 3.4.1 do roteiro já citado, é ilícito,
pois: houve equívoco na interpretação do comportamento de J., não realizada em
consonância com o direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento de
J., prescrito no art. 5º, IV, da CF, o que reprimiu a opinião a favor da
legalização da maconha; e, sendo vedado à Administração Pública fazer campanha
em prol de uma opinião, a diretoria da faculdade tomou partido de modo indevido
em debate público, sob pretexto de fazer respeitar a legalidade.
Portanto, restou supérfluo o exame dos demais pressupostos
do critério de proporcionalidade, e a aplicação da medida de suspensão com base
no art. 147 do RIUn significou uma intervenção não justificada na liberdade de
pensamento de J.
Conclusão
geral
O parecer recomendou, em sua conclusão, que uma eventual
medida judicial de J. no sentido de tutelar seu direito fundamental à liberdade
de expressão de pensamento, previsto no art. 5º, IV, da CF deve ser julgado
procedente, dado que restou comprovada a violação ao referido direito de J.
pela aplicação da medida administrativa prescrita no art. 147 do Regulamento
Interno da Universidade.
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