domingo, 15 de setembro de 2019

ARTIGO - CONSIDERAÇÕES FÁTICO-JURÍDICAS ACERCA DA BIOINVASÃO DE AMBIENTES AQUÁTICOS DECORRENTE DO MAU GERENCIAMENTO DA ÁGUA DE LASTRO NAS EMBARCAÇÕES AQUAVIÁRIAS


Série acadêmica


CONSIDERAÇÕES FÁTICO-JURÍDICAS ACERCA DA BIOINVASÃO DE AMBIENTES AQUÁTICOS DECORRENTE DO MAU GERENCIAMENTO DA ÁGUA DE LASTRO NAS EMBARCAÇÕES AQUAVIÁRIAS


Artigo originalmente publicado no Livro Aspectos Modernos do Direito Marítimo e Portuário, idealizado pela professora da cadeira de Direito Marítimo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, destinado a fomentar e difundir a pesquisa científica no âmbito do Direito Marítimo.

SOUSA, M. T. A. de. Considerações fático-jurídicas acerca da bioinvasão de ambientes aquáticos decorrente do mau gerenciamento da água de lastro nas embarcações aquaviárias. In: CAMPOS, Ingrid Zanella Andrade; CARVALHO NETTO, Nicácio Anunciato de; LEITE, Renann de Carvalho Holanda; LIMA, Túlio Caio Chaves (Orgs.). Aspectos Modernos do Direito Marítimo e Portuário. Recife: Editora Nossa Livraria, cap. 18, p. 315- 346, 2015. ISBN 9788577922482.


RESUMO

Analisa aspectos fático-jurídicos da bioinvasão provocada pela água de lastro das embarcações. Observa que o gerenciamento da água de lastro minimiza o problema, mostrando a urgência do envolvimento dos Estados. Constata que as normas adequadas à poluição marinha incidem sobre o assunto, aplicando-se a responsabilidade civil objetiva e solidária.

Palavras chave: Direito do Mar. Direito do Ambiente. Água de lastro. Bioinvasão. Gerenciamento. Responsabilização civil.


1. INTRODUÇÃO

O problema da bioinvasão por meio das descargas descontroladas da água de lastro das embarcações tem se tornado uma das quatro grandes formas de poluição de ecossistemas aquáticos. Tal situação que, desde o início da navegação, ocorria de maneira invisível e aparentemente inofensiva tornou-se insustentável a partir da segunda metade do século XX.
O objetivo deste artigo é investigar o referido problema no intuito de contribuir para que a comunidade acadêmica e os poderes constituídos familiarizem-se com o assunto, a permitir uma melhor legislação, maior aprofundamento nos estudos, mais fiscalização e controle administrativos e, no âmbito do Judiciário, decisões que contemplem adequadamente a tutela deste direito difuso, o meio ambiente aquático.
Para tanto, lança-se mão do método dedutivo e da pesquisa bibliográfica qualitativa sobre a doutrina especializada, a interdisciplinar legislação aplicável e a escassa jurisprudência, à luz da Constituição Federal de 1988.
Para contemplar esta iniciativa, a pesquisa aborda os seguintes itens: água de lastro: contextualização; bioinvasão provocada pela água de lastro e seus danos ambientais; regime jurídico; gerenciamento e controle da água de lastro; e responsabilidade civil pelo mau gerenciamento da água de lastro.


2. ÁGUA DE LASTRO: CONTEXTUALIZAÇÃO

Nos primórdios da navegação, as embarcações eram restritas às canoas monóxilas[1] de madeira, por meio das quais os homens caçadores-coletores[2] alcançaram a Oceania partindo do Sudeste asiático há cerca de 40 mil anos a.C. Segundo Diamond (2009), a invenção de canoas com duplos flutuadores representou importante inovação tecnológica do Período Neolítico, o que pode ter iniciado a expansão austronésia pelos Oceanos Pacífico e Índico a partir da China merididional.
Esse aprimoramento das embarcações em vias fluviais e marítimas continuou por toda a Antiguidade e Idade Média, favorecendo o desenvolvimento do comércio nas civilizações orientais, greco-romana e nórdica. Neste aspecto, de acordo com Diamond (2009), a China possuía a maior frota náutica do planeta no início do século XV, de modo a explorar, até meados deste século, toda a costa oeste africana.
A partir da segunda metade do século XV, foi a vez da Europa ocidental, estimulada por investimentos do capitalismo mercantil, iniciar as suas navegações marítimas de grande porte. A Revolução Industrial intensificou o comércio marítimo, por meio da melhoria das embarcações[3] movidas por motores a vapor e, em seguida, a combustão interna.
Até esse período, o controle das embarcações era realizado pelo uso de lastro[4] sólido, em que madeiras, sacos de areia, rochas e até metais eram dispostos nas partes inferiores do navio[5], com o fim de manter a posição do seu centro de gravidade[6] convenientemente baixa, a permitir a estabilidade; o calado[7] adequado, a garantir boa navegabilidade; e a integridade estrutural do casco, a impedir torções, trincamentos e rupturas. De acordo com Fonseca (2005), esta forma sólida de lastro é do tipo permanente, a qual foi utilizada dos primórdios da navegação aos anos 1880.
A partir de então, devido à escassez dos materiais sólidos, a pouca operacionalidade nos portos e à melhoria da construção naval, passou-se a empregar o lastro temporário ou lastro líquido, constituído pela água salgada, salobra ou doce, admitida em tanques de lastro – na operação de lastreamento – ou descarregada no ambiente aquático – na operação de deslastreamento –, por meio de equipamento bombeador ou por gravidade. Utiliza-se também atualmente, com pouca frequência, o lastro sólido cimentado, sendo inviável, porém, a sua retirada em caso de mudança de arqueação[8] do navio.
As referidas operações com lastro líquido são realizadas durante as viagens ou nas áreas portuárias. No porto de origem, o deslastreamento do navio é feito para compensar o carregamento de mercadorias e, no porto de destino, o lastreamento é realizado para contrapor o descarregamento, de modo a manter o mesmo calado.
Nesse sentido, apresenta-se a definição de água de lastro estabelecida pela NORMAM 20[9]: “água com suas partículas suspensas levada a bordo de um navio nos seus tanques de lastro, para o controle do trim, banda[10], calado, estabilidade ou tensões [estruturais] do navio” (BRASIL, 2005, p. 9).
Na mesma linha, conforme adaptação feita por Carmo da definição do Comitê de Proteção ao Ambiente Marinho[11] (MEPC 52/2) da IMO[12], a água de lastro significa:

água com material em suspensão, carregada a bordo do navio para controlar trim (inclinação do navio na direção proa-popa, ou é a diferença entre o calado da proa e o calado de ré), adernamento (inclinação do navio no sentido transversal), calado (distância em metros, da superfície do mar à quilha do navio, junto ao costado), estabilidade ou tensões de um navio (esforços nas cavernas, longarinas[13] e chapas) (CARMO, 2008, p. 24).

Com a construção do Canal de Suez e o Canal do Panamá no final do século XIX e início do século XX, houve mais um salto a intensificar a navegação e o comércio internacional, globalizando-se a partir da Segunda Guerra Mundial.
Hodiernamente, na lição de Zanella (2010), cerca de 80% das trocas de mercadorias são realizadas pelo transporte aquaviário, com transferência anual em torno de 10 bilhões de toneladas de água de lastro de um local para outro do planeta. No Brasil, o modal marinho responde por aproximadamente 95% das exportações, o que, de acordo com Collyer (2007, p.10), “chega-se ao número de 100 milhões de toneladas de água de lastro descarregadas na costa e portos brasileiros a cada ano.”
No entanto, essa movimentação acarretou aos ecossistemas aquáticos desequilíbrios por demais negativos, porquanto espécies exóticas e/ou patogênicas de vírus, bactérias, fungos, organismos animais – incluindo seus ovos, cistos e larvas – e organismos vegetais, que, antes, eram modestamente transferidos de seus habitats originais incrustados nos cascos dos navios, hoje, têm a água de lastro como o principal vetor de transporte. Conforme informa Collyer (2007), este vetor carreia mais de sete mil espécies a cada dia em torno do globo, ocasionando desequilíbrios irreparáveis aos ambientes aquáticos.


3. BIOINVASÃO PROVOCADA PELA ÁGUA DE LASTRO E SEUS DANOS AMBIENTAIS

O problema da bioinvasão por meio da água de lastro, de acordo com Oliveira, Machado e Okada (2010), somente teve seu estudo aprofundado a partir do lançamento da obra The ecology of invasions by animals and plants por Charles Elton em 1958. O assunto tornou-se um dos mais polêmicos na comunidade científica internacional, sobretudo devido à sutileza no momento de sua ocorrência, às dimensões que o comércio marítimo internacional tomou e aos custos envolvidos na sua prevenção. No Brasil, em que pese a importância do modal marítimo de transporte para as suas exportações e importações e o tamanho de sua costa, este tema ainda é pouco explorado pelo meio acadêmico.
A introdução de uma espécie não nativa em determinado habitat constitui risco ao meio ambiente, à saúde pública e à economia. Estes novos organismos, sustentam Silva et al. (2004), uma vez livres de seus predadores, parasitas e competidores naturais e em condições ambientais favoráveis, podem alcançar altas densidades populacionais e, quando estabelecidos, dificilmente serão eliminados.
Os referidos autores invocam os seguintes fatores como os mais importantes para o estabelecimento de espécies invasoras: “as características biológicas das espécies; as condições do meio ambiente em que estão sendo introduzidas; [...] o número de indivíduos introduzidos [...]; a competição com as espécies nativas; e a disponibilidade de alimento. (SILVA et al., 2004, p. 3).
Não é demais ressaltar que nem todos os organismos transportados na água de lastro sobrevivem à viagem e às condições do ecossistema de destino. De acordo com Leal Neto:

organismos que sobrevivem aos rigores de uma viagem no interior de um tanque de lastro podem ser considerados como espécies relativamente resistentes. [Além disso] a maioria das espécies introduzidas não estabelece uma população a longo prazo [...]. Isto acontece, presumivelmente, porque o ecossistema local e suas comunidades nativas exercem respectivamente suficiente stress físico e pressões defensivas (competição, predação etc.), e/ou porque estímulos críticos e condições para reprodução ou mecanismos que facilitam a fase de dispersão estão faltando (2007. p. 10, grifo do autor).

Inobstante tais limitações, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a bioinvasão marinha constitui uma das quatro maiores ameaças aos oceanos. As três primeiras são: “fontes terrestres de poluição marinha, exploração excessiva dos recursos biológicos do mar e alteração/destruição física do habitat marinho.” (apud ZANELLA, 2010, p. 19).
Costumam-se distinguir os organismos invasores entre exóticos e patogênicos, o que será elucidado a seguir.

3.1 ORGANISMOS EXÓTICOS

Os organismos exóticos, também conhecidos como invasores, alienígenas, estranhos ou estrangeiros, são os introduzidos em um ecossistema do qual não são nativos. Neste sentido, informa a Conferência das Partes (COP), órgão decisório da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)[14] de 1992, que espécie exótica invasora é a “espécie animal ou vegetal introduzida intencionalmente ou não fora de sua área natural de ocorrência e adaptada ao novo ambiente.” (apud BARBÉRIO, p. 343).
A introdução desses organismos no novo ambiente aquático por meio da água de lastro tem como efeito a perda da biodiversidade, a alteração das propriedades físicas do ambiente aquático, a mudança de paisagens, prejuízos econômicos, além da proliferação de espécies patogênicas com graves prejuízos à saúde humana.
Na sequência, abordam-se alguns dos principais casos de bioinvasão por espécies exóticas transportados via água de lastro de navios ou plataformas, que obtiveram êxito no mundo e no Brasil.
O mexilhão zebra, Dreissena polymorpha, é um molusco originário dos mares Negro e Cáspio. Foi detectado pela primeira vez nos Grandes Lagos entre os Estados Unidos e o Canadá. De acordo com Camacho (2007), este mexilhão infectou 40% dos rios navegáveis do norte dos Estados Unidos, causando prejuízos de milhões de dólares por ano com a remoção e controle das incrustações.
O ctenóforo, Mnemiopsius leidyi, é uma água viva originária do Atlântico Norte americano que, segundo Silva e Souza (2004 apud CAMACHO, 2007, p. 196), “teve o primeiro registro nos mares Negro e Azov em 1982; hoje em dia, a espécie está estabelecida e ocorre em grandes densidades. A população de ctenóforos nativa foi extinta do local e a pescaria de enchovas e espadas na região decresceu vertiginosamente”. Além disso, a espécie foi constatada no Mar Mediterrâneo no ano de 1992.
A alga Comb Jelly, nativa da costa oeste dos EUA, infestou o Mar Negro na década de 1970. É um predador de zooplâncton que, segundo Carmo (2008, p. 38), “acarreta um prejuízo de 500 milhões de dólares anuais, sem incluir os problemas econômicos e sociais que afetam todos aqueles que vivem tradicionalmente da pesca.”
As espécies vegetais de Espartina, Spartina alterniflora, provenientes da Inglaterra, invadiram a costa Oeste da América do Norte. Conforme constata Carmo (2008, p.38), “tais espécies alteram a elevação da paisagem e desalojam as plantas e animais nativos. Sendo assim, as aves marinhas migradoras perdem seus pontos críticos de alimentação, na sua rota ao longo do Pacífico.”
A estrela do mar, Asterias amurensis, oriunda do Japão, foi introduzida na Austrália. A alteração provocada tem ameaçado a indústria marisqueira, vez que a estrela do mar consome grandes quantidades de moluscos de grande importância econômica para a região.
O siri bidu, Charybdis hellerii, é um crustáceo nativo do oceano Indo-Pacífico, que colonizou a parte leste do Mar Mediterrâneo através do Canal de Suez, na década de 1920. Na década de 1980, a sua presença foi verificada em Cuba. No Brasil, o “C. hellerii encontra-se estabelecido, com populações reprodutivamente ativas em diversos pontos do litoral brasileiro dos quais destacam-se Rio Grande do Norte, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina” (CAMACHO, 2007, p. 197).
O mexilhão dourado, Limnoperna fortunei, molusco de água doce originário do sudeste asiático, segundo estudo de Pastorino et al. (1993 apud CASTRO, 2008), foi introduzido por meio de água de lastro, na Bacia do Prata, na Argentina, em 1991.
O L. fortunei teve seu primeiro registro no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul, em 1999, e sua área de distribuição inicialmente atingiu grandes extensões do lago Guaíba, em Porto Alegre (MANSUR, 2000 apud LEAL NETO, 2007). A infestação do mexilhão dourado alcançou os rios Paraná, Paraguai e Uruguai, a partir da Bacia do Prata, e foi detectada nas turbinas da usina hidroelétrica de Itaipu em abril de 2001. Considerando o bioinvasor aquático que mais prejuízo tem ocasionado ao País, Leal Neto, tem demonstrando grande preocupação com a sua dispersão, mormente se alcançar a Bacia do Amazonas, ao explicitar sua presença

[...] em várias outras usinas como Porto Primavera em 2002; São Simão no rio Paranaíba em 2003; e Jupiá e Ilha Solteira em 2004. O registro mais a montante no rio Uruguai ocorreu na represa de Salto Grande em setembro de 2001. A chegada do mexilhão dourado no Pantanal se deu em 2003 num ambiente ligado ao rio Paraguai, nas proximidades de Corumbá, e no ano de 2005 foram coletados exemplares em Cáceres que constitui o limite mais ao norte dessa espécie no Pantanal (Mansur & Darrigran, 2006). A presença do mexilhão dourado nessa latitude é preocupante pela proximidade com a bacia Amazônica (LEAL NETO, 2007, p. 15).

O mexilhão dourado causa problemas de entupimentos nos sistemas de refrigeração de indústrias e de embarcações e nos sistemas coletores para abastecimento de água à população. Além disso, obstrui tubulações de captação de água para atividades agrícolas e de piscicultura.
Ademais, os mexilhões dourados são filtradores que, de acordo com Bastos (2006, p. 18), “absorvem tudo que há de bom na água e eliminam, de volta, o que ela apresenta de ruim, diminuindo a quantidade de comida para outros indivíduos e aumentando a concentração de substâncias maléficas na água.”
O julgado a seguir versa sobre impacto ambiental originado da tentativa de controle do mexilhão dourado em hidrelétrica, apesar de improvido por não comprovação do nexo causal.

INDENIZAÇÃO - PESCADORES - MEXILHÃO DOURADO - NÃO HAVENDO PROVA DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O LANÇAMENTO DO PRODUTO PARA CONTROLE DO MEXILHÃO DOURADO PELA RÉ E A DIMINUIÇÃO DE PEIXES PARA CAPTURA, BEM COMO NÃO SE DEMONSTRANDO PREJUÍZO A AÇÃO É IMPROCEDENTE. RECURSO IMPROVIDO. [...].
Sustentam os apelantes, em resumo, que os documentos juntados aos autos e a perícia comprovaram que a morte dos peixes vem acontecendo por envenenamento causado por culpa exclusiva da apelada. Alegam que o produto químico encontrado nas vísceras dos peixes é aquele utilizado para o controle do mexilhão dourado, que impede a geração normal de energia elétrica, não tendo a apelada tomado cautela para evitar a mortandade dos peixes. Aduzem que a apelada não está cumprindo os acordos para minimizar os impactos causados pela construção da usina. [...].
Assim, caracterizada a hipótese de responsabilidade objetiva do Estado, impõe-se ao lesado demonstrar a ocorrência do fato administrativo, do dano e do nexo causal.
Contudo, não há nos autos demonstração cabal no sentido de ser a ré a causadora da diminuição dos peixes no Rio Paraná.[...].[15]

Já o Coral-sol, espécie do gênero Tubastraea, tem como origem natural os oceanos Pacífico e Índico. Foi reportado pela primeira vez no Brasil em 2001, no Rio de Janeiro, e detectado em plataforma de petróleo em 2004, na Bacia de Campos. Desde então, tem sido encontrado nos estados do Sul e Sudeste. No Nordeste, as espécies T. coccinea e T. tagusensis foram reportadas em 2012, na Baia de Todos os Santos (SAMPAIO et al, 2012). Não há consenso a respeito da forma de sua introdução no País, se por meio de incrustação nos cascos dos navios, nas estruturas de plataformas de petróleo, construídas em portos estrangeiros e transportadas para o Brasil, ou por meio da água de lastro utilizada nas embarcações.

3.2 ORGANISMOS PATOGÊNICOS

As espécies patogênicas são as causadoras de risco à saúde pública. Neste aspecto, as próprias espécies exóticas também podem ser consideradas patogênicas.
Um estudo realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a partir de 99 amostras coletadas em nove portos brasileiros, trouxe resultados que confirmaram o risco suspeito de que a água de lastro também é um veiculador de organismos patogênicos causadores de males à saúde pública, posto que:

[...] foram detectados todos os indicadores microbiológicos pesquisados, tendo os resultados comprovado a presença de bactérias marinhas cultiváveis em 71% das amostras de água de lastro analisadas, variando de 1000 a 5,4 milhões de bactérias por litro da amostra. Também foi evidenciado transporte de vibrios (31%), coliformes fecais (13%), Escherichia coli (5%), esterococos fecais (22%), Clostridium perfringens (15%), colifagos (29%), Vibrio colerae O1 (7%) e de V. colerae não-O1 (23%) em amostras de água de lastro e (21%) em amostras de plâncton. 12 cepas em 7 amostras foram identificadas como V. C. O1-EL TOR, sendo 2 toxigênicas (BRASIL, 2003, p. 4, grifos do autor).

Outro resultado intrigante desse estudo é o de que “62% das embarcações cujos comandantes declararam ter efetuado a substituição da água de lastro em área oceânica, conforme orientação da IMO, provavelmente não o fizeram ou fizeram de forma parcial, por possuírem água de lastro com salinidade inferior a 35” (BRASIL, 2003, p. 4).
O Vibrio colerae é considerada uma bactéria encontrada em ambientes marinho, estuarino e de água doce. De acordo com Serafin e Henkes (2013), o V. colerae pode ocorrer também associado ao intestino de animais invertebrados, o que facilita sua disseminação via água de lastro. O estudo da ANVISA, agora citado por Galli (2011, p. 15), ainda deixa claras “evidências científicas de que os primeiros casos de cólera surgiram nas regiões costeiras dos portos, o que sugere que os surtos e epidemias poderiam ter sido provocados pela água de lastro de navios provenientes de áreas endêmicas.”
O referido estudo informa que, devido a este patogênico, houve no Brasil mais de 1,2 milhões de casos de cólera, com 12 mil mortes, na década de 1990. Esta informação denota a prioridade e a urgência com que a bioinvasão via água de lastro deve ser tratada pelos entes públicos e privados envolvidos.


4. REGIME JURÍDICO

O fenômeno normativo acompanha a humanidade desde a antiguidade, porquanto, onde há sociedade, há direito; não sendo diferente no Direito Marítimo, que teve sua origem notadamente consuetudinária, inobstante o movimento de codificação, sobretudo a partir do positivismo no século XIX. Tal movimento alcançou o Direito Ambiental, reconhecido que foi como direito fundamental difuso de terceira dimensão, e, por conseguinte, o Ambiental Marítimo, na segunda metade do século XX, bem no âmbito do pós-positivismo jurídico.
Quanto às naturezas jurídicas do Direito Marítimo e do Direito Ambiental Marítimo, elas são consideradas mista e pública, conforme ensinamento da professora Campos:

O Direito Marítimo por ser de natureza jurídica mista e ter fontes nacionais e internacionais, públicas e privadas, finda por asseverar a desenvoltura de diversas relações, e se enlaça com outros ramos do direito, marcado, portanto pela interdisciplinaridade. Ou seja, toda a atividade marítima abrange e desenvolve relações comerciais e internacionais, envolvendo contratos marítimos, direitos trabalhistas, relações de consumo, sobreposição de normas nacionais e internacionais, direito internacional, normas ambientais e outras. No Direito Marítimo [...], percebe-se nitidamente o viés público, com destaque à seara ambiental, através da identificação do Direito Ambiental Marítimo (2013, p. 63).

No que concerne ao Direito Ambiental Marítimo, em específico, ao tema em estudo, a primeira preocupação institucional sobre os despejos da água de lastro foi demonstrada indiretamente pela Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios (MARPOL 73/78)[16], ao estabelecer disposições acerca da prevenção da poluição do mar por óleo e outras substâncias nocivas. Dentre estas, considera-se a água de lastro que contenha organismos exóticos e/ou patogênicos, mormente quando se interpretam tais disposições sistematicamente de acordo com o contexto da regra 3, anexo II, da Convenção.
A partir dessa Convenção, os Estados Costeiros, segundo Kesselring (2007, p. 21), “poderão caracterizar a descarga irregular da água de lastro nas suas legislações domésticas como sendo um tipo de poluição marinha causada por navios.”
A Convenção Internacional das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, (UNCLOS)[17], Convenção de Montego Bay, prescreve, no art. 196, a obrigação do Estado Costeiro em prevenir, reduzir e controlar a poluição marinha resultante da utilização de tecnologias ou a introdução de espécies estranhas ou novas em uma parte particular do ambiente marinho que possam provocar alterações importantes e prejudiciais. Também preconiza, no art. 194, que o Estado Costeiro deve tomar as medidas cabíveis para preservar o meio ambiente marítimo, de forma a prevenir transferências de novas espécies para ecossistemas diferentes, não causar prejuízos por poluição a outros Estados e obrigar os navios a cumprirem tais determinações.
O descarte de água de lastro começou a ser tratado de forma direta, mas ainda tímida, em 1991 pela MEPC, quando, por meio da MEPC.50(31), adotou como diretriz internacional o gerenciamento da água de lastro pelos navios no intuito de prevenir a introdução de organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos, ainda em caráter voluntário.
A Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 e a Agenda 21 nortearam a IMO, com fundamento no princípio 15 (princípio da precaução, adiante analisado), para a elaboração da Resolução A.774(18), em 1993, como diretriz que orientava os comandantes dos navios a executarem a troca da água de lastro em alto-mar.
Já a Convenção sobre a Diversidade Biológica de 1992 (CDB) estimula em seu bojo que as partes devam elaborar e manter vigente legislação apropriada, de maneira a impedir, controlar ou erradicar espécies alienígenas que ameacem os ecossistemas, habitats ou espécies nativas, ratificando “a responsabilidade dos Estados pela conservação de sua biodiversidade e pela utilização sustentável de seus recursos biológicos” (AZEVEDO; LAURATTI; MOREIRA, 2005 apud CAMACHO, 2007, p. 201).
Em 1997, a MEPC aprimorou a diretriz anterior, ao adotar a Resolução A.868(20), na intenção de mitigar ao máximo o problema da bioinvasão pela água de lastro com a colaboração dos Estados-membros e da indústria naval. O documento oferece procedimentos para os navios e para os Estados do Porto. Para os navios, recomenda: realização da troca da agua de lastro em águas profundas, recolocando água considerada limpa de mar aberto; liberação mínima de água de lastro; descarga de água de lastro em instalações de recebimento e tratamento adequadas; inclusão de tratamentos novos e em desenvolvimento.
Para os Estados do Porto, nas palavras de Kesselring, pode-se citar:

a necessidade de disponibilização de instalações para recebimento e tratamento da água de lastro, medidas de precaução como a recomendação dos Estados do Porto de informar aos agentes locais e/ou aos navios, as áreas e as situações em que o recebimento e a descarga de água de lastro devem ser restritos. Outra importante determinação está relacionada ao incentivo dos Estados do Porto a adotarem leis nacionais, sendo que quaisquer restrições impostas à descarga de água de lastro devem ser informadas (2007, p. 16).

O grande marco para aperfeiçoar o gerenciamento da água de lastro ocorreu, porém, com a adoção, em 2004, da Convenção Internacional para o Controle e Gestão de Água de Lastro e Sedimentos dos Navios (Convenção sobre Água de Lastro)[18]. Esta Convenção entrará em vigor doze meses após ratificação por pelo menos trinta Estados, representando trinta e cinco por cento da arqueação bruta da frota mercante mundial. Atualmente, trinta e oito países assinaram a Convenção, o que representa 30,38% da referida arqueação[19].
Para celebrarem a Convenção, as partes levaram em consideração, dentre outros motivos, o preconizado no art. 196 da UNCLOS, concernente à prevenção da poluição marinha, e a relevância dada pela IMO, por meio das recomendações das Resoluções A.774(18) e A.868(20), à descarga descontrolada de água de lastro e sedimentos por navios.
A Convenção tem o objetivo de prevenir, dirimir e eliminar a introdução de organismos nocivos e agentes patogênicos pelo controle e gestão da água de lastro[20] e dos sedimentos nela contidos, o que resta clara a regência do princípio da prevenção[21].
Cada Parte terá o compromisso de inspecionar, vistoriar e certificar os navios que transportam água de lastro, analisando amostras desta água, sem atrasar, porém, a programação comercial indevidamente, segundo o seu art. 9º, 1, c. Aqui, se critica a concessão de tal disposição, pois dificulta o alcance dos objetivos, uma vez que o interesse econômico sempre ensejou formas de predominar ao longo da história.
Mediante procedimentos técnicos atuais ou advindos de pesquisas científicas, os Estados e as embarcações deverão implementar o gerenciamento da água de lastro por meio de um plano específico e individualizado. No que tange às trocas, elas deverão ocorrer a pelo menos 200 milhas náuticas, quando possível, ou impreterivelmente a 50 milhas da costa e com no mínimo 200 metros de profundidade (Regra B-4, 1, .1 e .2, da referida Convenção). O bombeamento de três vezes o volume de cada tanque de água de lastro deverá ser considerado suficiente para que haja eficiência mínima de 95 por cento de troca volumétrica da água de lastro, de acordo com a regra D-1, 1 e 2.
Deve-se frisar que tais medidas minimizam o risco de bioinvasão, pois os organismos de ambientes costeiros e fluviais não sobrevivem em alto-mar, onde a salinidade é maior, e vice-versa[22]. Conforme ensina Zanella:

Em função do grande volume de água que é despejado nos estuários pelos rios que deságuam no mar, a salinidade próxima à linha de costa é menor que em alto-mar. Os embriões das espécies que vivem além das 200 milhas não sobrevivem quando são introduzidas em águas com a salinidade mais baixa, como nas baias portuárias (2010, p.78).

Enfatiza-se ainda que o MEPC, por meio de Resoluções, já disponibilizou quatorze diretrizes preparativas à implementação da Convenção, de forma que os navios possuam, até 2016, sistema de tratamento de água de lastro antes de despejá-la em águas oceânicas.
Em âmbito nacional, são apresentados os principais instrumentos legais a tratar da proteção ambiental, os quais, interpretados sistemática e teleologicamente e conforme o art. 225 da CF, são aplicáveis à bioinvasão via água de lastro das embarcações.
A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), Lei Federal nº 6.938 de 1981, foi instituída como reflexo da Conferência de Estocolmo de 1972. Alcança a bioinvasão por água de lastro, ao definir poluição como a degradação ambiental proveniente de atividades que afetem a biota desfavoravelmente e lancem matérias ou energia em divergência com os padrões ambientais, conforme o art. 3º, III, c e e.
A Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (LESTA), Lei Federal nº 9.537 de 1997, prescreve em seu art. 3º que cabe à Autoridade Marítima (AM) o propósito de prevenir a poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio. Assim, outorgou à AM, por meio do art. 4º, VII,[23] a competência para elaboração das Normas da Autoridade Marítima (NORMAM) com o propósito de gerir a água de lastro.
Já a Lei do Óleo, Lei Federal nº 9.966 de 2000, estabelece regras acerca da prevenção, controle e fiscalização da poluição causada por óleo ou substâncias nocivas ou perigosas nas AJB. Os organismos exóticos e/ou patogênicos que contaminam a água de lastro estão enquadrados dentre tais substâncias. Conforme aduz seu art. 5º, todo porto organizado, instalação portuária e plataforma deverão dispor de meios adequados para receber e tratar os diversos tipos de resíduos e para combater à poluição.
A NORMAM 08[24] de 2000 internaliza na legislação nacional as diretrizes emanadas da Resolução A.868(20) da IMO. O Anexo 2-N, introduz o Formulário para Informações Relativas à Água utilizada como lastro, essencial à obtenção de dados para o desenvolvimento de pesquisas e programas de monitoramento relativos à poluição via água de lastro.
A NORMAM 20 é atualmente o principal instrumento legal atinente ao gerenciamento da água de lastro, possuindo fundamento no art. 4º, VII da LESTA, na CDB de 1992 e na Convenção sobre Água de Lastro de 2004. Neste sentido, leciona Camacho:

A marinha do Brasil (MB), em atenção às atribuições infraconstitucionais outorgadas por Leis específicas e, não obstante, em função de sua representação do Brasil junto à IMO, publicou a Norma da Autoridade Marítima (NORMAM-20), em julho de 2005, a fim de propiciar o efetivo gerenciamento da Água de Lastro nos Portos brasileiros, não somente para impedir o avanço do mexilhão dourado, mas também para prevenir as diversas modalidades de espécies exóticas invasoras, transportadas por lastro (2007, p. 203).

O motivo de o legislador delegar ao Poder Executivo a regulamentação deste tema deve-se ao fato de sua especialidade e a rapidez com que tem de se adaptar às novas tecnologias, ressaltando-se a competência do Congresso Nacional de sustar os atos que excedam os limites da delegação legislativa, de acordo com o art. 49, V, da CF.
As principais prescrições da NORMAM 20, a serem cumpridas por todas as embarcações equipadas com tanques ou porões de água de lastro que entrarem ou navegarem em AJB, são a seguir relacionadas:
a) é obrigatória a troca da água de lastro por todos os navios envolvidos em navegação comercial entre bacias hidrográficas distintas e sempre que a navegação for entre portos marítimos e fluviais;
b) as embarcações deverão realizar a troca da água de lastro a pelo menos 200 milhas náuticas da costa e em águas com pelo menos 200 metros de profundidade, quando possível, ou impreterivelmente a 50 milhas da costa e com no mínimo 200 metros de profundidade;
c) a AM aceita a troca da água de lastro pelos métodos sequencial, de fluxo contínuo e de diluição brasileiro, os quais serão tratados adiante. Nestes dois últimos métodos, o bombeio de três vezes o volume de cada tanque de lastro deverá ser considerado suficiente para que haja eficiência mínima de 95 por cento do volume da água de lastro;
d) as plataformas semissubmersíveis e flutuantes de perfuração ou de produção estão sujeitas à troca da Água de Lastro, quando de sua chegada ao Brasil, oriundas de porto estrangeiro ou de águas internacionais; e
e) o Formulário para Informações Relativas à Água Utilizada como Lastro e o Plano de Gerenciamento da Água de Lastro são documentos obrigatórios que serão objeto de inspeção pelos Agentes da Autoridade Marítima.
A Resolução da ANVISA RDC 72 de 2009, atualizando as exigências da RDC 217 de 2001, já revogada, no que se refere à água de lastro, requer que as embarcações, procedentes ou não do exterior, preencham o Formulário para Informações sobre a Água de Lastro. Prevê ainda em seu art. 63 a coleta de amostras de água de lastro, a fim de averiguar a presença de agentes nocivos ou patogênicos, bem como indicadores físicos e componentes químicos, a critério da autoridade sanitária.
Observa-se, assim, a interdisciplinaridade e a abrangência com que o tema em tela é tratado em sede de gerenciamento, controle e fiscalização, ao se deparar com regulamentações da AM, dos órgãos de vigilância sanitária, do meio ambiente e até dos transportes aquaviários.

4.1. PRINCÍPIOS ENVOLVIDOS

Os princípios jurídicos constituem normas balizadoras que ensejam uma interpretação uníssona e equilibrada ao sistema jurídico considerado. Desta forma, devem-se analisar os princípios norteadores relacionados à bioinvasão provocada pela água de lastro.
O princípio do poluidor-pagador possui relevo constitucional, vez que há previsão implícita no art. 225, §§ 2º e 3º, da CF. Também está previsto no art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938 de 1981, no art. 21 da Lei do Óleo e no Princípio 16 da Declaração do Rio de 1992. Este princípio está consubstanciado na obrigação de o poluidor custear as medidas de prevenção e controle da poluição, bem como a restauração dos danos causados, cabendo indenização independentemente de se comprovar culpa ou dolo. Claro está que o princípio traz em seu bojo a responsabilidade civil objetiva do poluidor, tratada adiante.
O princípio da prevenção encontra abrigo no art. 225, §1º, IV, da CF, no art. 4º, VII, da LESTA e busca evitar o risco de uma atividade sabidamente danosa e seus efeitos nocivos ao meio ambiente. Aplica-se aos impactos ambientais já conhecidos e que tenham uma história de informações sobre eles, ou seja, atua no sentido de inibir ou prevenir o risco de dano em potencial de atividades sabidamente perigosas. Constitui um dos fundamentos de validade da Convenção sobre Água de lastro e da NORMAM 20, que preveem o gerenciamento da água de lastro antes da chegada do navio ao seu destino.
O princípio da precaução está previsto de forma implícita no caput do art. 225, da CF, no art. 1º da Lei nº 11.105 de 2005 e no Princípio 15 da Declaração do Rio. É este princípio que incide quando não se tem certeza científica acerca dos danos que podem ser causados, aplicando-se o primado do in dubio pro natura. Assim, “na dúvida sobre a nocividade ou não de uma ação, elege-se o posicionamento de que há potencial perigo ao meio ambiente” (BARBÉRIO, 2007, p. 346).
O princípio da cooperação internacional, preconizado no art. 4º, IX, da CF e no art. 5º da CDB, está ligado à interdependência existente entre os ecossistemas, os quais não estão adstritos aos limites territoriais fixados pelas fronteiras artificiais criadas pelos Estados, restando evidenciada a relação de dependência entre estes. A ausência desta relação fica mais clara quando se verifica o caso do Paraguai, que não tem saída para o mar e foi severamente afetado pela infestação do mexilhão dourado em suas bacias fluviais pela falta de fiscalização argentina no seu porto, localizado na Bacia do Prata.
O princípio do desenvolvimento sustentável busca a harmonia entre o desenvolvimento econômico-social e o meio ambiente, visando à qualidade de vida atual e das futuras gerações, possuindo relevância constitucional dada pelo art. 225, caput, da CF. Também está previsto no Princípio 3 da Declaração do Rio.
Já o principio da informação está vinculado aos princípios constitucionais da publicidade e da moralidade, consistindo na obrigação de os órgãos públicos divulgarem todos os dados existentes sobre a bioinvasão via água de lastro das embarcações. Impende ressaltar ainda que:

Nos termos da legislação constitucional e infraconstitucional brasileira, a informação ambiental comporta duas faces. De um lado, o direito de todos terem acesso às informações em matéria de meio ambiente (art. 5°, incs. XIV, XXXIII e XXXIV, da CF; [...] art. 8°, da Lei n° 7.347, de 24/07/1985). De outro lado, o dever de o poder público informar periodicamente a população sobre o estado do meio ambiente e sobre as ocorrências ambientais importantes (art. 4°, inc. V, e 9°, incs. X e XI, da Lei n° 6.938, de 31/08/1981 e art. 6°, da Lei n° 7.347/1985), antecipando-se, assim, em certa medida, à curiosidade do cidadão (BARROS, 2004, p. 39).

O princípio da boa-fé, para o assunto água de lastro, rege a honestidade, a lealdade e a veracidade com que as informações, de responsabilidade dos comandantes das embarcações, dos armadores e dos proprietários, devem ser prestadas ou disponibilizadas para os agentes e órgãos públicos, tendo em vista a preservação do meio ambiente aquático.


5. GERENCIAMENTO E CONTROLE DA ÁGUA DE LASTRO

O gerenciamento da água de lastro, segundo ensina Zanella (2010, p. 112), “consiste na prática de trocar, ou tratar, a água para que não ocorra a introdução de algum organismo exótico no meio ambiente marinho.”
Destarte, com o fim de prevenir ou reduzir ao mínimo a invasão de organismos exóticos e agentes patogênicos nas AJB, a NORMAM 20, antecipando-se à vigência da Convenção sobre Água de Lastro, prescreve, no seu item 2.2, que todo navio nacional ou estrangeiro deve possuir um Plano de Gerenciamento de Água de Lastro em sua documentação de bordo. Este Plano deve ser específico para cada navio e ser aprovado por Sociedade Classificadora credenciada pela Diretoria de Portos e Costas (DPC) ou pela Administração do País da Bandeira do navio.
No que tange aos métodos de troca, destacam-se o sequencial, o de fluxo contínuo, o de transbordamento e o de diluição brasileiro. O primeiro consiste em esgotar, de forma completa, todo o lastro do tanque e em seguida substituí-lo por água oceânica. Isto é feito utilizando tubulações e bombas do sistema de lastro que deslastreiam de um, ou dois tanques simétricos, e despejam no mar até esvaziá-los; em seguida, são lastreados por gravidade, vez que se encontram abaixo do nível do mar. Tal operação realiza-se, geralmente da sala de controle, sequencialmente em cada tanque ou grupo simétrico, por meio de manobras que envolvem abertura e fechamento de válvulas e acionamento das citadas bombas. A renovação é total, mas o método é demorado e perigoso para a segurança da embarcação, porquanto, havendo inclinação ou mudança no calado, apresenta risco a sua estrutura e estabilidade.
O método de fluxo contínuo, conforme Bastos (2006, p. 38), “consiste na troca de lastro sem esgotamento completo dos tanques. O carregamento e descarregamento do lastro são simultâneos, sendo a água retirada através das elipses[25] ou suspiros[26], dependendo do tipo de navio.” Nesta operação, o lastreamento é efetuado por gravidade pelo sistema de lastro do navio e o deslastreamento é realizado por bombas avulsas que succionam o mesmo volume de lastro através de mangueiras ou tubos provisórios colocados pelos suspiros ou pelas elipses dos tanques. É um método de fácil administração, não afeta a estrutura nem a estabilidade do navio, todavia, a tripulação corre o risco de ser contaminada pela água que é despejada no mar, mas passando pelo convés.
No método de transbordamento, a água limpa é bombeada, por meio do sistema de lastro da embarcação, pela parte inferior do tanque até transbordar no convés pelo suspiro. Como o método anterior, não afeta a inclinação e o calado da embarcação, não interferindo na estrutura e estabilidade da embarcação. Entretanto, além de não ser eficaz na eliminação dos organismos de fundo, existe risco de contaminação da tripulação e passageiros, bem como possibilidade de pressão excessiva do tanque, caso haja obstrução no suspiro.
O método de diluição brasileiro foi criado por engenheiros da Petrobras, proposto pelo Brasil e aceito pela IMO como alternativa aos métodos anteriores. Consiste no “carregamento da água de lastro [...] através do topo do tanque e, simultaneamente, a descarga dessa água [...] através do fundo do tanque, à mesma vazão, de tal forma que o nível de água no tanque de lastro seja controlado para ser mantido constante” (LAND et al., 2002, p. 312-313). Há necessidade de instalação do sistema de lastreamento pelo topo dos tanques, mas o navio mantém seu calado e nivelamento normais durante toda a viagem, sem afetar sua estrutura, estabilidade tampouco atingir a tripulação. Os referidos autores ressaltam que a eficiência deste método pode alcançar 96% de renovação da água do tanque durante o bombeamento de três vezes o seu volume (LAND et al., 2002).
Além dos métodos de troca, as formas de gerenciamento da água de lastro usadas ou testadas em pesquisas atualmente são os tratamentos: físicos – térmico, elétrico, magnético, acústico, de filtração, com ausência de luz, com aplicação de raios ultravioleta; químicos – de desoxigenação, de controle de salinidade, com aplicação de desinfetantes ou de aditivos como íons de cobre e prata; e biológicos – com aplicação de biocidas e com ausência de nutrientes. Ressalte-se, que cada método deve ser aprovado pelo MEPC da IMO.
O sistema de gerenciamento da água de lastro deve levar em conta a segurança do navio e de seus equipamentos; a saúde e segurança dos tripulantes e passageiros; e não causar maiores impactos ao meio ambiente do que sua ausência. No entanto, ainda não foi desenvolvida uma forma de gerenciamento com eficácia plena, vez que demanda grandes investimentos em adequação de navios e em novas pesquisas tecnológicas.


6. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO MAU GERENCIAMENTO DA ÁGUA DE LASTRO

Conforme se denotou ao longo deste estudo, a descarga irregular da água de lastro no meio ambiente aquático é considerada uma forma de poluição marinha. Portanto, as normas que regulam este tipo de poluição, incluindo as relativas às infrações previstas, incidem, mutato mutandis, sobre a bioinvasão provocada pela água de lastro. Comentam-se em seguida aspectos da responsabilidade civil, não obstante as responsabilidades penal e administrativa, regidas pela Lei nº 9.605 de 1998 em seus Capítulos V e VI, não exploradas aqui.
A responsabilidade civil ambiental encontra-se fundamentada no art. 14, §1º da Lei nº 6.938 de 1981 e, de maneira mais específica, no art. 21 da Lei nº 9.966 de 2000. Impende ressaltar a sua natureza objetiva, o que dispensa a comprovação de culpa ou dolo, bastando a prova da ação ou omissão do agente, do nexo de causalidade e do dano. Esta inflexão objetiva da responsabilidade civil é consequência de um dos princípios básicos da proteção do meio ambiente em nível internacional e nacional, o princípio do poluidor-pagador, antes visitado. Nesta linha, colaciona-se o julgado que pode ser aplicado ao assunto em tela.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANOS AMBIENTAIS - DERRAMAMENTO DE ÓLEO NO MAR - PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - REVELIA - VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1- Dentre os princípios do direito ambiental consagrados na Constituição Federal/88, encontra-se o do poluidor-pagador. 2- O direito ambiental, considerando a importância dos bens tutelados, adota a responsabilidade civil objetiva em relação aos danos ambientais, como se denota da Lei 6938/81, art. 14, § 1º. 3- Encontram-se demonstrados nos autos a conduta, o dano e o nexo causal. 4- Não há como acolher as alegações do réu, de existência de circunstâncias excludentes da responsabilidade civil, pois o mesmo é revel [...]. 6- É fato que o derramamento em tela causou poluição, degradando ainda mais o ambiente, devendo, pois ser objeto de indenização. 7- Relativamente ao valor da reparação, tem-se que agiu com acerto a r. sentença apelada, pautando-se em critérios de proporcionalidade e razoabilidade.[27]

Pode-se entender que a teoria de responsabilidade civil objetiva adotada pela Autoridade Marítima na elaboração da NORMAM 20, nos seus itens 2.3.3, alínea d, e 3.2, foi a do risco-proveito[28], uma vez que admite excludentes de responsabilidade para o comandante do navio, no caso da não realização da troca da água de lastro devido a esforços excessivos do navio, falha em equipamentos essenciais – casos fortuitos – ou condições meteorológicas adversas – de força maior.
Além disso, tal responsabilidade é também solidária, pois

uma das maiores dificuldades que se pode ter em ações relativas ao meio ambiente é exatamente determinar de quem partiu efetivamente a emissão que provocou o dano ambiental [...]. Não seria razoável que, por não se poder estabelecer com precisão a qual delas cabe a responsabilização isolada, se permitisse que o meio ambiente restasse indene (ATHIAS, 1993 apud MILARÉ, 2009, p. 965).

Conforme preceitua Kesselring (2007, p. 31), a solidariedade significa que “o autor de ação judicial pode ajuizar demanda contra um só poluidor, contra todos ou contra alguns. Os escolhido(s) deverá(ão) responder pelos danos causados e apenas posteriormente cobrar dos demais a parte que lhes cabe.” Neste caso, estar-se diante do direito de regresso, havendo de se considerar a responsabilidade subjetiva, para permitir discutir a parcela cabível a cada um. A responsabilidade solidária encontra abrigo no art. 942 do Código Civil (CC) de 2002, e o § 3º do art. 225 da CF corrobora este entendimento.


7. CONCLUSÃO

Do quanto acima foi exposto, depreende-se que o problema da bioinvasão provocado pelo uso da água de lastro nas embarcações se tornou insustentável após a segunda metade do século XX com a intensificação do comércio internacional, o qual tem como principal meio de transporte o modal marítimo. No Brasil, este modal responde por 95% das exportações.
Dessa forma, é imprescindível que haja uma vigorosa legislação no âmbito internacional e no plano interno de cada País, tendo em vista que, se todos não agirem preventivamente, os esforços terão resultados mínimos. Daí a urgência do envolvimento dos Estados no enfrentamento do assunto, incluindo até mesmo os Países desprovidos de costa, como o Paraguai, bastante prejudicado pela invasão do mexilhão dourado.
Além disso, entende-se que estudos no âmbito jurídico são de grande importância nesta área, na medida em que adverte a sociedade e os poderes públicos do problema, ao fomentar subsídios e fundamentos para o aprimoramento da legislação, a intensificação do controle e fiscalização, bem como a resolução de casos concretos pelo Judiciário.
Constata-se que, enquanto novas pesquisas não forem desenvolvidas, as trocas da água de lastro dos tanques dos navios ou das plataformas em navegação em alto-mar ainda são os métodos de gerenciamento mais viáveis para mitigar o problema, desde que seja alcançada uma renovação de 95% do seu conteúdo.
Ademais, as normas aplicáveis à poluição do meio ambiente aquático incidem, mutatis mutandis, sobre a bioinvasão provocada pela água de lastro. Destarte, também se aplicam a esta seara a responsabilidade civil objetiva e solidária, em acolhimento à teoria do risco-proveito, dada a admissão de algumas excludentes de responsabilização.


REFERÊNCIAS

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Para citar este artigo: SOUSA, M. T. A. Considerações fático-jurídicas acerca da bioinvasão de ambientes aquáticos decorrente do mau gerenciamento da água de lastro nas embarcações aquaviárias. MTiciano Sousa, Natal, set/2019. Disponível em: < >. Acesso em: XX xxx. XXXX.



[1] A canoa monóxila consiste em “um tronco de árvore ‘escavado’, e as extremidades moldadas por um enxó”, possuindo pouca estabilidade, vez que apresenta fundo arredondado tal qual o tronco originário (DIAMOND, 2009, p. 342).
[2] Caçadores-coletores é o termo utilizado por Diamond (2009) para designar o homem em estado de natureza, em que sua sobrevivência depende de atividades de caça, pesca e coleta de alimentos de origem vegetal.
[3] Embarcação, latu senso, segundo definição apresentada pelo art. 2º, V, da Lei Federal nº 9.537 de 1997 é “qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas.”
[4] Lastro constitui “qualquer material usado para dar peso e/ou manter a estabilidade de um objeto” (ZANELLA, 2010, p. 18).
[5] No Decreto nº 15.788 de 1922, já revogado, encontra-se esta interessante definição para navio no art. 3º: “Considera-se navio toda construcção náutica destinada à navegação de longo curso, de grande ou pequena cabotagem, apropriada ao transporte marítimo ou fluvial.” Considera-se uma das espécie do gênero embarcação.
[6] O centro de gravidade (G) da embarcação é o ponto onde está localizado seu centro de massa, no qual incide a força formada pelo seu peso (CARMO, 2008).
[7] O calado é entendido como “a distância vertical [tomada em qualquer ponto] entre a superfície da água e a parte mais baixa [quilha] do navio naquele ponto” (CARMO, 2008, p. 27).
[8] Arquear uma embarcação importa em determinar a sua capacidade. A arqueação bruta é o parâmetro que representa todos os volumes internos; a arqueação líquida representa a capacidade útil, ou seja, os espaços comerciáveis destinados à carga e aos passageiros do navio (MARTINS, 2013).
[9] NORMAM 20 é uma norma editada pela Autoridade Marítima, autorizada pelo art. 4º, VII, da Lei Federal nº 9.537 de 1997, que lhe outorga o estabelecimento dos requisitos referentes à “prevenção da poluição por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.”
[10] O trim é o parâmetro que indica a inclinação da embarcação para vante - frente ou proa –, ou para ré – traseira ou popa. Já a banda é o parâmetro que indica a inclinação da embarcação para um dos lados: boreste ou bombordo. Sendo boreste o lado direito e bombordo o esquerdo, em relação a um observador olhando para a proa (CARMO, 2008).
[11] O MEPC foi criado em 1973 como um órgão subsidiário da Assembleia da IMO, cresceu para o status de comitê constituinte pleno em 1985 e tem poderes para examinar qualquer assunto acerca da prevenção e controle da poluição por navios. Em particular, preocupa-se com a adoção e alteração de convenções e outros regulamentos e medidas para garantir a sua aplicação. (ONU, 2013, tradução do autor).
[12] A IMO é a sigla em inglês da Organização Marítima Internacional, organismo das Nações Unidas dedicado exclusivamente aos assuntos marítimos.
[13] As cavernas dizem respeito aos reforços estruturais no sentido transversal da embarcação; já as longarinas ou sicordas remetem aos reforços estruturais no seu sentido longitudinal.
[14] A CDB entrou em vigor no Brasil, pela promulgação do Dec. 2.519 de 1998.
[15] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO – Ap. Cível nº 994.09.270360-4. Câm. de Meio Ambiente. Rel. Lineu Peinado. j. 29.04.2010. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4491819>. Acesso em: 06 nov. 2013.
[16] A MARPOL 73/78, concluída em 1973 e alterada pelo Protocolo de 1978, foi promulgada no Brasil pelo Dec. nº 2.508 de 04/03/1998.
[17] A UNCLOS foi promulgada pelo Dec. nº 1.530 de 22/06/1995.
[18]  O Brasil assinou a Convenção em janeiro de 2005, que foi ratificada pelo Legislativo em março de 2010, mas ainda pendente de promulgação pelo Executivo, o que deve ocorrer a partir da vigência em nível internacional.
[19] Para verificar o sumário do status das Convenções, acessar a página da IMO disponível em: <http://www.imo.org/About/Conventions/StatusOfConventions/Pages/Default.aspx>. Acesso em: 06 nov. 2013.
[20] Gestão da água de lastro, segundo o art. 1º, 3, da Convenção sobre Água de Lastro, “significa processos mecânicos, físicos, químicos e biológicos, sejam individualmente ou em combinação, para remover, tornar inofensiva ou evitar a captação ou descarga de Organismos Aquáticos Nocivos e Agentes Patogênicos encontrados na Água de Lastro e Sedimentos nela contidos.”
[21] O princípio da prevenção será analisado adiante.
[22] De acordo com estudo de Menucci et al. (2003), foram feitas as seguintes aproximações de valores de salinidade para a tipologia das massas de água existentes no litoral sul brasileiro: oligohalina: salinidade de 0,5 a 10,0; água meso/euhalina: 10,1 a 30,0; água costeira: 30,1 a 34,0; água de plataforma: 34,1 a 36,4; água oceânica: salinidade maior que 36,5 mil partes por milhão de Cloreto de Sódio (ppm de NaCl).
[23] Confere-se no art. 4° da LESTA que: “São atribuições da autoridade marítima: [...] VII - estabelecer os requisitos referentes às condições de segurança e habitabilidade e para a prevenção da poluição por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio; [...].”
[24] A NORMAM 08 é o conjunto de Normas da Autoridade Marítima para o Tráfego e Permanência de Embarcações nas AJB; a AM recebeu autorização para editá-la por meio da LESTA, art. 4°, I, b.
[25] As elipses consistem em tampas em formato de elipse, aparafusadas em aberturas de tanques ou compartimentos fechados.
[26] O suspiro é um tubo vertical que liga um tanque ao convés da embarcação, com o fim de arejar este tanque. Possui válvula de fechamento rápido e de fácil acesso, no seu topo.
[27] TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO – Ap. Cível nº 1999.03.99.016662-9/SP. Sexta Turma. Rel. Des. Federal Lazarano Neto. j. 21/01/2010. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=1999.03.99.016662>. Acesso em: 06 nov. 2013
[28] A teoria do risco-proveito admite fatores capazes de excluir ou diminuir a responsabilidade como é o caso fortuito e a força maior, o fato criado pela própria vítima e a intervenção de terceiros.

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