Série acadêmica
Fichamento do texto: “'Neoconstitucionalismo': entre a 'Ciência do Direito' e o 'Direito da Ciência'”, p. 1-19. ÁVILA, Humberto. Revista Eletrônica de Direito
do Estado (REDE). Salvador: Instituto de Direito Público, n. 17,
jan./mar., 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 06 de abril de 2010.
INTRODUÇÃO
Aponta algumas supostas mudanças ocorridas ou desejadas no movimento de
teorização e aplicação do Direito Constitucional chamado
“neoconstitucionalismo”: mais princípios do que regras; mais ponderação do que
subsunção; mais análise individual e concreta do que geral e abstrata; mais
Poder Judiciário e menos Poderes Legislativo e Executivo; maior aplicação da Constituição ao invés da lei.
A
mudança da espécie normativa acarretaria transformação do método de aplicação
que determinaria alteração da dimensão prevalente da justiça, que provocaria a
mudança da atuação dos poderes.
Afirma que o “neoconstitucionalismo” possui, em princípio, quatro fundamentos: o
normativo, o metodológico, o axiológico e o organizacional.
FUNDAMENTO NORMATIVO: DA
REGRA AO PRINCÍPIO
Informa que a estrutura normativa predominante da Constituição de 1988, quantitativamente,
como se pode constatar nos seus nove Títulos e no ADCT, é de Constituição
regulatória e não principiológica, como preconizam os defensores do
“neoconstitucionalismo” no Brasil.
Não
se pode afirmar que os princípios são quantitativa ou qualitativamente mais
importantes que as regras no ordenamento brasileiro. Apenas pode-se dizer que
existe um ordenamento composto de regras e princípios com funções e eficácias
diferentes e complementares.
Assim,
não encontra ratificação, na ordem constitucional brasileira, a declaração de
que o paradigma normativo mudou ou deveria mudar das regras para os princípios.
Destaca que o enunciado universal de que todas as constituições do pós-guerra são
principiológicas não condiz com a Constituição brasileira. O
“neoconstitucionalismo”, nesta hipótese, para o autor, está mais para uma
ideologia do que para uma teoria jurídica. Ao invés de “Ciência do Direito”,
tem-se o “Direito da Ciência”.
FUNDAMENTO METODOLÓGICO: DA
SUBSUNÇÃO À PONDERAÇÃO
A
ponderação deve ser aceita como critério geral de aplicação do ordenamento
jurídico? Afirma que não.
Primeiro,
porque conduz a um “antiescalonamento” da ordem jurídica, em que os vários
níveis de concretização normativa cedem lugar a um só nível. Assim, todos os
outros dispositivos passam a ser secundários diante dos princípios
constitucionais. O paradigma da ponderação, se universalmente aceita, leva a uma
constitucionalização da ordem jurídica.
Segundo,
porque, centrando a interpretação nos princípios constitucionais, culmina na
violação de três princípios constitucionais fundamentais: democrático, da
legalidade e da separação dos Poderes, ou seja, obedece à parte da
Constituição, negando-a em
outra. Além disso, perde significado a supremacia
constitucional, já que não é mais referência superior por não haver mais
elemento inferior.
Em
terceiro lugar, a ponderação leva a um subjetivismo e à eliminação ou redução
do caráter heterolimitador do Direito, pois, dada a abrangência dos princípios,
eles poderão sempre cumprir tal função, perdendo, assim, parte substancial da
normatividade do Direito.
A
ponderação, leciona por outro lado, deve ser orientada por critérios objetivos,
harmonizando a divisão de competência com os princípios fundamentais, num
sistema de separação dos Poderes, devendo observar as seguintes diretrizes.
Primeiro,
a verificação, pelo aplicador, da existência de uma regra constitucional
aplicável. Se existir, afasta-se a ponderação horizontal entre princípios, pois
houve uma ponderação prévia do poder constituinte.
Em
segundo lugar, se não houver uma regra constitucional aplicável e existirem
regras legais sem violação dos preceitos constitucionais, o aplicador não pode
desprezá-las. Ele deve interpretá-las escolhendo, dentre os sentidos possíveis,
o que melhor se adapte aos ideais constitucionais; interpretar as regras legais
gerais e abstratas, adaptando-as ao caso individual e concreto, afastando a previsão
geral frente a um caso extraordinário com base na razoabilidade; interpretar as
hipóteses das regras legais, confrontando-as com os objetivos que lhes são
subjacentes, seja ampliando ou restringindo, ao se mostrarem muito restritas
ou muito amplas, respectivamente, em relação a sua finalidade.
Terceiro, não havendo regra constitucional
aplicável, nem regra legal editada, ou havendo regra legal incompatível com o
princípio, cabe ao aplicador fazer a ponderação dos princípios constitucionais
colidentes para editar norma individual a regular o conflito de interesses,
devendo:
a) indicar
os princípios objeto de ponderação;
b) efetuar
a ponderação;
c) fundamentá-la,
justificando:
i) a
razão da utilização de determinados princípios em detrimento de outros;
ii)
os critérios usados;
iii)
o método que serviu de base para o grau de promoção de um princípio sobre o
outro;
iv)
a comparabilidade dos princípios confrontados e o método usado para
fundamentá-lo;
v)
fatos relevantes do caso e critérios de avaliação jurídica para a ponderação.
Constata, portanto, que a ponderação, observados os requisitos descritos, é uma boa técnica de
aplicação do Direito. Não sendo correto afirmar, entretanto, que
se passou da subsunção à ponderação, nem que se deve passar ou é bom que se
passe de uma para outra.
FUNDAMENTO AXIOLÓGICO: DA
JUSTIÇA GERAL À JUSTIÇA PARTICULAR
Deve
a dimensão da justiça particular ser aceita previamente sobre a justiça geral?
Em
casos extraordinários, cabe ao aplicador deixar de prescrever a regra geral ao
caso concreto, com base na razoabilidade, no sentido de equidade, sempre que o
distanciamento da regra não prejudicar a aplicação do sistema de regras.
Não sustenta a prevalência da justiça particular sobre a justiça
geral. As regras são importantes numa sociedade complexa e plural, que
estabiliza conflitos morais e reduzem a incerteza e a arbitrariedade originadas
da sua inexistência ou desconsideração, pois implicaria a existência de
conflitos de coordenação, conhecimento, custo e controle de poder.
A
consideração dos elementos valorizados pela regra legal, apesar das nuances do
caso concreto, não é algo negativo, antes assume uma importância fundamental no
Estado de Direito.
Portanto,
não é certo afirmar que se mudou da justiça geral para a justiça individual,
nem que se deve mudar ou é bom que se mude de uma para outra.
FUNDAMENTO ORGANIZACIONAL:
DO PODER LEGISLATIVO OU EXECUTIVO AO PODER JUDICIÁRIO
Deve
o poder judiciário assumir a prevalência na determinação da solução entre
conflitos morais?
Não.
Ele não deve assumir, em qualquer situação, a prevalência da situação entre
conflitos morais num Estado de Direito. Em uma sociedade complexa, o Poder
Legislativo é o que debate e respeita a pluralidade de concepções e o modo de
sua realização.
Onde
existem várias soluções justas para os conflitos de interesses, vários caminhos
para a realização de um objetivo, o poder legislativo melhor traduz a
participação e a consideração da opinião de todos.
Salienta que em
um sistema que privilegia a democracia e reserva ao poder legislativo a
competência para legislar e estabelece que nada poderá ser exigido senão em
virtude de lei, e que o poder emana do povo, que o exercerá direta ou
indiretamente por meio de seus representantes eleitos, não é adequado que se passou do Poder Legislativo ao Poder Judiciário, nem que se
deve passar ou é bom que se passe de um para o outro.
CONCLUSÕES
Constata a urgência de se rever a aplicação desse movimento que se convencionou
chamar “neoconstitucionalismo” no Brasil. Defendê-lo, direta ou indiretamente,
é cair numa contradição, é defender a primazia da Constituição, violando-a.
Enfim, arremata que o “neoconstitucionalismo” aplicado no Brasil está mais para
não-constitucionalismo, um movimento ou uma ideologia que proclama a supervalorização
da Constituição enquanto silenciosamente promove a sua desvalorização.
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