Série acadêmica
Fichamento
do texto: “Os Direitos Fundamentais”. BONIFÁCIO, Artur Cortez Direito Constitucional Internacional.
São Paulo: Método, 2008. Cap. 2.
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
ASPECTOS
TEÓRICOS
Fundamentais
são os direitos, os quais, por essência ou natureza, são imprescindíveis à
afirmação do homem e de sua dignidade, reconhecidos como tais pelo Estado e
pela sociedade em qualquer circunstância de tempo e lugar, não se destinando a
se privilegiar setores sociais individualizados, dirigindo-se a todos os
homens.
Expressões
como direitos fundamentais, direitos do homem, direitos humanos, liberdades
públicas, direitos subjetivos públicos, direitos individuais, direitos
políticos e civis são utilizadas sem distinção de forma ambígua e imprecisa.
Além de outros conceitos aproximados da noção de direitos fundamentais como:
direitos da personalidade, interesses difusos, garantias institucionais e
outros.
Jorge
Miranda menciona três designações com radical comum, centrado no direito
natural: direitos do homem, direitos fundamentais ou liberdades públicas.
Os
direitos fundamentais, sob determinado ponto de vista, são deduzidos dos
direitos naturais, da concepção do que a natureza humana indica como
fundamental. As liberdades públicas têm, em essência, um direito natural, a
liberdade, nos limites regulamentares traçados pelo Estado.
Já
a expressão “direitos do homem” ganha visibilidade porque tem por referenciais
revoluções, lutas e conquistas, com afetação jurídica em favor do homem, da
defesa dos seus direitos de liberdade, igualdade e propriedade.
As
declarações de direitos inglesas, americanas e francesas, dos séculos XVII e XVIII,
são indicativas da elaboração de um conceito que tem como base teórica e
filosófica o jusnaturalismo e a concepção individual e liberal dos direitos do
homem.
Nesse
período, os direitos do homem, de caráter natural, eram encarados como uma
resistência ao Estado absolutista. Após a Segunda Grande Guerra, com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), tem-se uma visão de homem num
contexto maior, da humanidade.
Na
referida declaração de 1948, temos a utilização invariável de direitos do
homem, enfatizando o universalismo e a preocupação com questões relacionadas à
humanidade e a dignidade humana.
Em
contraposição aos direitos naturais, é utilizada, em países anglo-saxões, a
expressão “direitos civis”, em nome da defesa dos direitos individuais, o que
reduz a dimensão dos direitos fundamentais, esquecendo a importância dos
direitos sociais, institucionais, de interesses difusos e outros.
Os
direitos subjetivos públicos mostram uma qualidade de direitos que pertencem ao
indivíduo, garantidos pelo Estado, enquanto ordem jurídica objetiva. Assim a
ênfase que se dá a esse conceito é muito mais na organização do Estado e na
concessão de direitos ao indivíduo do que na atribuição de direito ao homem
como direito próprio.
Os
direitos da personalidade, estudados no âmbito do direito civil, dizem respeito
a direitos de extrema harmonização com os fundamentais, na medida em que se
referem a direitos intrínsecos do homem, desde o nascimento, ou seja, os
direitos à proteção de sua identidade moral, física, à imagem, à intimidade, à
vida, à integridade pessoal, à liberdade, os quais são constitucionalmente
assegurados.
Os
interesses difusos têm afinidade com os direitos fundamentais, sendo costume
identificá-los na amplitude do seu conceito. Um interesse difuso tutela
vontades de uma coletividade, e o resultado beneficia a todos, pois a vantagem
obtida quanto ao objeto é de todos, indivisivelmente.
As
garantias institucionais, segundo Carl Schmitt, distinguem-se dos direitos
fundamentais, na medida em que consistem na proteção constitucional a
instituições juridicamente reconhecidas ou a certos institutos ou fins, num
ambiente amparado pelo Estado.
Na
Constituição brasileira, os direitos e garantias fundamentais estão no Título
II, não havendo uma separação metodológica, o que cabe à doutrina desvendar
quais são os direitos e onde estão as garantias. Aqueles indicam a tutela de
posições jurídicas subjetivas; já as garantias referem-se a um estágio
posterior, que viabiliza os direitos declarados, assegurando a sua realização.
A
expressão “direitos individuais” já não atende a todas as dimensões dos direitos fundamentais, pois não abrange
segmentos dos direitos fundamentais dirigidos às instituições ou aos entes
coletivos e às pessoas jurídicas.
Com
o Estado liberal, houve uma evolução na positivação das conquistas individuais,
políticas e históricas dos direitos humanos nas Constituições Estatais,
exigindo-se do Estado uma abstenção em respeitam às liberdades públicas.
Com
o Estado social, consolidou-se a inclusão dos direitos sociais, a princípio nas
Constituições Mexicana (1917), Russa (1918) e Alemã (1919), reclamando-se do
Estado uma atuação em favor dos direitos fundamentais.
Na
perspectiva de constitucionalização, acompanham-se os estágios vividos pelo
Estado: no estado de direito, direitos individuais; no estado social, direitos
sociais; no estado de direito democrático, ambos e outros decorrentes da
igualdade, liberdade e solidariedade.
Pode-se
afirmar que os direitos fundamentais são abrangidos pela Constituição,
tipificados ou não, segundo uma textura constitucional aberta.
Os
direitos fundamentais são, portanto, os direitos naturais ou universais do
homem, individual ou coletivo, constitucionalizados, é dizer, dispostos na
Constituição formal e material.
O
DUPLO SENTIDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Duas
categorias de normas se sobressaem, com reflexos na ordem constitucional de
qualquer Estado: direitos fundamentais em sentido formal, positivados na
Constituição, e direitos fundamentais em sentido material, acrescidos pela
cláusula aberta, com vinculação substancial ao regime e princípios da Carta
Magna e aos tratados internacionais de direitos humanos.
A
fórmula codificada de seleção e enumeração dos direitos fundamentais, em
sentido formal, tem sido seguida por inúmeras Constituições, o que se constitui
um aspecto significativo do Constitucionalismo.
No
Brasil, a Constituição de 1988 traz o Título II, referente aos direitos
fundamentais, logo em seu início, demonstrando inequivocamente a opção estatal
pela garantia desses direitos.
Além
disso, na Constituição brasileira, os direitos fundamentais se apresentam na
forma mais rígida, ao integrarem uma parte imune à ação do poder reformador
(art. 60, § 4º, IV, CRFB). Eles se constituem num núcleo normativo de garantia
de identidade do Estado, limitador do poder de reforma, assim como da
continuidade e estabilidade constitucionais.
O
sentido formal alcança também a regra de que esses direitos têm aplicabilidade
imediata e seu conteúdo normativo orienta e limita a ação dos Poderes Públicos.
Os
direitos fundamentais, considerados em sentido material, congregam todos os
direitos fundamentais atrelados pelos radicais justificadores de sua
materialidade e por aqueles que a Constituição tomou como tais.
Na
Constituição brasileira, a partir da tutela dos bens vida, liberdade,
igualdade, segurança e propriedade, são revelados vários direitos subjetivos,
ramificando e reconduzindo à tutela da cidadania e dignidade humana.
O
sentido material dos direitos fundamentais implica em reconhecer as suas
categorias: direitos declarados, liberdades, garantias, direitos sociais,
direitos institucionais, direitos de participação política, ou no revelar de
posições jurídicas tuteladas em favor de seus titulares.
As
normas de direito fundamental, em sentido formal, formam um subconjunto das
normas desses direitos, em sentido material, no sentido de que estas contêm
aquelas.
Há,
na maioria das Constituições, direitos fundamentais implícitos, tacitamente
incluídos, cuja garimpagem resulta da interpretação integrada das proposições
constitucionais. Tais direitos, bem como a criação de outros, se relacionam com
a atividade judiciante e com o poder de decisão dos juízes.
Existe
um entrelaçamento de normas de direitos fundamentais não escritas na
Constituição, fora do catálogo, mas a ela atreladas por afinidade material,
considerando a sua textura aberta.
Leis
ordinárias, tratados internacionais ou mesmo normas de caráter administrativo
podem contemplar direitos fundamentais, ainda que não sejam formalmente, porém
desde que afetadas pelo radical da dignidade da pessoa humana.
O
art. 5º, § 2°, da CRFB, reza que a enumeração do catálogo dos direitos
fundamentais não exclui a existência de outros decorrentes do regime e dos
princípios adotados, assim como dos tratados internacionais que o Brasil seja
parte.
Há
preceitos incluídos no catálogo que não consolidem um direito fundamental?
O
autor considera que as normas dispostas no catálogo serão tratadas com a visão
de afinidade material, por meio da qual as normas configuradoras dos direitos
fundamentais atraem-se para a raiz comum.
A
compatibilidade material será mais facilmente detectável se conhecermos as
dimensões dos direitos fundamentais. Na primeira dimensão, temos os direitos
subjetivos individuais, civis e políticos, colocando em posições antagônicas o
indivíduo e o Estado, sendo a geração do Estado Liberal, culminada pelos
desdobramentos da Revolução Francesa.
Na
segunda dimensão, o núcleo material volta-se à igualdade, que se consuma pelos
direito econômicos, sociais e culturais. Representada pelas Constituições do
Estado Social, com ações positivas em favor da sociedade, iniciadas pelas
Constituições Mexicana (1917), Soviética (1918) e de Weimar (1919).
A
terceira geração é direcionada à humanidade, como o direito à paz, à
fraternidade, ao meio ambiente, à comunicação, de proteção do patrimônio comum
da humanidade e ao desenvolvimento.
Os
direitos de quarta dimensão são produtos do mundo globalizado, como o direito à
democracia, à informação e ao pluralismo.
Para
reconhecimento de um fundamento material de direitos fundamentais, tem-se a
convicção de que o texto constitucional e a sua aplicação real tenderão a
ampliar o rol dos desses direitos, conforme as dimensões que se forem acrescendo.
CARACTERÍSTICAS
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os
direitos fundamentais são aqueles caracterizados pela essencialidade à pessoa
humana, individualmente ou em comunidade, em que a sua ausência despe o homem
de dignidade.
Esses
direitos são inatos, intransferíveis, irrenunciáveis, inegociáveis, pois são
muito caros ao homem e representam bens jurídicos de extrema relevância à
pessoa humana.
A
Constituição brasileira, no âmbito dos direitos fundamentais, tem por
princípios a universalidade (art. 5º, caput), a igualdade (arts. 5º, caput, e
3º, IV), a proteção judicial (art. 5º, XXXV), a imodificabilidade (art. 60, §
4º, IV), a aplicação imediata (art. 5º, § 1º), a textura aberta (art. 5º, § 2º)
e a vinculação de todos os poderes aos seus comandos.
As
razões e a natureza dos direitos fundamentais recomendam caracterizá-los em
históricos, irrenunciáveis, inalienáveis, e imprescritíveis. Às vertentes dos
direitos humanos, acrescenta-se a universalidade, a indivisibilidade, a inviolabilidade,
a interdependência, a complementaridade e a efetividade.
A
historicidade advém das lutas revolucionárias históricas, e da sua positivação,
no curso de sua trajetória evolutiva.
Os
direitos fundamentais são irrenunciáveis porque aderem à essência da dignidade
do homem, não se podendo renunciar ao direito de viver, à liberdade, aos
direitos da personalidade.
A
inalienabilidade diz respeito ao fato de não se poder dispor dos direitos
fundamentais, assim como se passa na órbita do direito privado, é dizer, não se
materializam pelo valor patrimonial, econômico e financeiro. Frutos da
dignidade humana, eles não se transferem.
São
imprescritíveis, sendo exigíveis a qualquer tempo, por serem personalíssimos.
Os
direitos fundamentais são invioláveis, impondo diretrizes e regramentos que
devem ser obedecidos por todas as autoridades públicas, pelas instituições
privadas e sociedade em geral.
A
efetividade dos direitos fundamentais encontra-se no plano de sua realização
prática, apesar da efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais, já
que dependem de recursos e substanciam uma igualdade material.
Na
interdependência, os direitos são interdependentes com a relação entre um
direito declarado e a garantia que o assegura.
Já
a complementaridade exige uma análise global, porquanto a natureza humana deve
ser vislumbrada em sua totalidade, significando que o intérprete da norma de
direito fundamental deve ter em mira o atendimento de todas as suas dimensões.
OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ORDEM INTERNA E NA ORDEM INTERNACIONAL
Os
direitos fundamentais se projetam identicamente nos dois âmbitos citados, pois
eles são também direitos humanos positivados.
Os
fundamentos materiais dos direitos fundamentais são os mesmos em qualquer
parte, porque são partes do processo político e histórico dos direitos humanos
e do constitucionalismo.
Questões
ecológicas, econômicas, políticas e de humanidade, que eram até bem pouco tempo
visualizadas isoladamente, começam a aproximar o direito constitucional do
direito internacional público pelo viés dos direitos humanos.
Internacionalizar
a Constituição ou constitucionalizar o direito internacional parte naturalmente
da política externa universal dos Estados em favor dos direitos humanos
fundamentais. No plano internacional, esses direitos são de uma matriz
superior, porque voltados à consecução de uma vida digna a cada homem do
planeta.
A
universalidade e indivisibilidade saíram como grandes traços da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e marcaram o reconhecimento de que,
para ser titular de direitos, basta ser humano.
Um
fenômeno cultural de natureza universal e com substancialização material na
política de proteção dos direitos fundamentais vai se sobrepondo às ações
internas, num processo de absorção cujos resultados já são visíveis, sendo a
criação do Tribunal Penal Internacional apenas um deles.
No
Brasil, a constitucionalização vem seguindo esses passos, com um significativo
avanço na atual Constituição. O constituinte brasileiro, acompanhando a
tendência global, percebeu o momento e não se fechou à dialética instigante do
tema.
UNIVERSALIDADE
Os
direitos fundamentais são dirigidos à espécie humana, à sociedade universal, ao
homem e à sua dignidade, não excluindo ninguém. É por isso que as
Constituições, ao tratar do tema, em nome da universalidade, garantem a sua
aplicação a nacionais e a estrangeiros.
A
proposta universal dos direitos fundamentais, que se imbrica com a dos direitos
humanos, tem resistências de ordem cultural dignas do relativismo cultural, no
qual a religião ou os costumes étnicos e políticos se sobrepõem aos ideais de
igualdade e liberdade.
Com
a universalidade vem a indivisibilidade. Já a amplitude material dos direitos
fundamentais, não admite que, ao se intentar a conquista de uma sorte de
direitos, se imagine a desistência dos demais.
NATUREZA
JURÍDICA
No
âmbito de uma teoria geral dos direitos fundamentais, encontram-se diversas
categorias de direitos em razão da posição jurídica do indivíduo em relação ao
Estado.
Três
observações precisam ser colocadas: os direitos fundamentais constituem, em sua
maior parte, um catálogo, podendo ser tomados subjetiva e objetivamente, e, em
função disso, compõem dois grandes grupos: os direitos negativos ou de defesa e
os direitos positivos ou de prestação.
O
primeiro aspecto, a Constituição brasileira obedece a uma tendência universal
de movimento constitucionalista e positivação de uma declaração de direitos
fundamentais em catálogos.
Em
outro prisma, os direitos fundamentais obedecem a uma dupla dimensão, subjetiva
e objetiva. Na dimensão subjetiva, são direitos que o seu titular pode exigir
do Estado ou de um particular, consistindo em interesses, vontades e faculdades
do indivíduo, constitucionalmente previstas.
Já
a dimensão objetiva consiste nos direitos assegurados pelo Estado em favor da
comunidade, na consecução dos seus valores e fins.
Com
a terceira perspectiva, os direitos fundamentais podem ser divididos em dois
grupos: os direitos de defesa ou negativos e os de prestação ou positivos.
A
natureza jurídica implica a constitucionalização de direitos com as qualidades
referidas, reivindicando uma fragmentação material baseada em direitos naturais
e humanos, reconduzidos ao princípio maior de proteção da dignidade da pessoa
humana. Destarte, são direitos subjetivos de liberdade, de igualdade, de
fraternidade, de defesa da paz social, de interesses difusos, de democracia
universal, enfim, a integração humana na ordem internacional.