Série acadêmica
Fichamento
do texto: “A Responsabilidade
civil no Parágrafo único do Art. 927 do código civil e alguns apontamentos do
direito comparado”. BERALDO, Leonardo de Faria. Novos Estudos Jurídicos, v. 9, n. 2, p. 317-340, maio/ago, 2004.
INTRODUÇÃO
O autor se propõe a
fazer uma análise no tocante ao parágrafo único do art. 927, que versa sobre a
responsabilidade civil ou, segundo alguns doutrinadores, uma cláusula aberta de responsabilidade objetiva,
refletindo os princípios da eticidade e
da socialidade.
Para melhor
compreensão, o dispositivo foi dividido em partes, compondo os seguintes
elementos: a) responsabilidade “independentemente de culpa”; b) “nos casos
especificados em lei”; c) “atividade normalmente desenvolvida pelo autor do
dano”; d) “por sua natureza”; e) geradora de “riscos para direito de outrem”.
INDEPENDENTEMENTE DE CULPA
Pela expressão
independentemente de culpa, não resta dúvida de que se está falando de
responsabilidade objetiva, fazendo-se necessária a demonstração, pela vítima,
apenas do nexo de causalidade entre a conduta ilícita do autor do fato lesivo e
o dano por ela sofrido.
Trata-se, assim, de
uma cláusula geral de responsabilidade objetiva. O autor não se posiciona a
favor de uma cláusula geral igual a esta no âmbito da responsabilidade civil,
uma vez que ela deixa a critério do juiz indicar os casos de aplicação da
responsabilidade objetiva.
NOS CASOS ESPECIFICADOS EM LEI
Haverá obrigação de
reparar o dano, nos casos especificados em lei, parecendo claro que o legislador
não quis revogar a legislação especial, tais como o Código de Defesa do
Consumidor; a Lei nº 6.367de 1976, que trata do acidente do trabalho; a Lei nº
6.938 de 1981, os danos ambientais; a Lei nº 6.453 de 1977, os danos nucleares.
Também se pode
lembrar que os danos praticados pelas pessoas jurídicas de direito público e as
de direito privado prestadoras de serviço público (art. 37, § 6º, da CF), são
casos de responsabilidade objetiva.
Os empresários e as
sociedades empresárias respondem objetivamente pelos danos causados pelos
produtos postos em circulação, conforme o art. 931 do Código Civil. As pessoas
elencadas no art. 932, nos termos do art. 933, têm responsabilidade objetiva em
face de terceiros. Da mesma forma, respondem o dono ou o detentor do animal que
causar danos a terceiros, segundo o art. 936.
Quanto ao transportador
a sua responsabilidade civil é objetiva, conforme o art. 734 do CCB e do
Decreto nº 2.681 de 1912, que trata das ferrovias. Já o transporte aéreo é
tratado no Código Brasileiro de Aeronáutica.
ATIVIDADE NORMALMENTE DESENVOLVIDA PELO
AUTOR DO DANO
A palavra “atividade” deve ser considerada como
sendo os serviços praticados
por determinada pessoa, seja ela natural ou jurídica, e precisa ser normalmente desenvolvida pelo
autor do dano, o que significa que ela não pode ser meramente esporádica ou
momentânea e deve estar vinculada ao objeto social por ela desenvolvido.
Exemplificando, quem
explora com habitualidade uma máquina de escavação e terraplanagem está permanentemente
gerando situação de risco para operários e terceiros que convivam com sua atividade.
Pode responder objetivamente a sociedade que explora veículos automotores como
instrumento habitual de sua atividade econômica. Já quem usa eventualmente um
veículo de passeio não exerce “atividade normalmente desenvolvida”.
POR SUA NATUREZA
Por questão de
concordância, pode-se extrair a primeira assertiva, ou seja, a de que a
natureza é da atividade normalmente desenvolvida.
Em segundo lugar, a natureza
é do risco da atividade normalmente desenvolvida, devendo esta implicar em
risco para os direitos de outrem.
Porém, não é toda e
qualquer atividade que o legislador quis englobar no parágrafo único, do art.
927, mas aquelas cujo risco é inerente e intrínseco. É imprescindível que, na
natureza da atividade, é dizer, na sua essência, exista uma lesividade ou
ofensividade potencial fora dos padrões normais. Representando, assim, a natureza
do risco da atividade.
RISCO PARA OS DIREITOS DE OUTREM
O risco é da execução
da atividade, e não de qualquer ação ou omissão. E atividade é o serviço
profissional desenvolvido por alguém.
Citando Alvino Lima, o
autor explica que a teoria do risco não se justifica sem proveito ao agente
causador do dano, pois, se o proveito é a razão da justificativa do risco a que
arca o agente, na sua ausência não há fundamento a teoria. Desta forma, dirigir
veículos motorizados é mera ação que pode vir a trazer riscos a terceiros, mas
não uma atividade, exceto nos casos de sociedades empresárias cujo objeto é o
transporte de pessoas ou de coisas.
Há discussão acerca
de ser o taxista responsável subjetiva ou objetivamente, conforme possa ser ele
enquadrado como profissional liberal ou não, tendo em vista o art. 14, § 4º, do
CDC. O autor tem a opinião de que, para ser profissional liberal, o agente tem
de ter curso superior, considerando a responsabilidade do taxista objetiva, uma
vez que, além disso, exerce, com habitualidade, atividade intrinsecamente
perigosa.
Atividades de risco
são aquelas que criam para terceiros um estado de perigo, quer dizer, a
possibilidade, ou a probabilidade maior do que a normal derivada das outras
atividades, de ocorrer um dano.
Destarte, a atividade
de risco é aquela que possui, no Direito brasileiro, correlação direta com
produtos inflamáveis, explosivos, tóxicos, com trabalho em minas ou no subsolo,
produtos nucleares ou radioativos, armas de fogo, explosivos, manuseio de energia
elétrica acima daquela utilizada nas casas das pessoas, ou pela velocidade incomum
da tarefa desempenhada.
O risco ao qual o Código
Civil faz menção é aquele sinônimo de perigo, sendo este fora do comum.
EXCLUDENTES DE ILICITUDE
No parágrafo único do
artigo em análise, pode-se afirmar que existem algumas excludentes de
ilicitude, quais sejam, o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da
vítima. Nesta última, não existiu conduta antijurídica, e sim, uma autolesão.
Já o caso fortuito e a força maior incidem sobre o nexo de causalidade entre o
dano e a conduta do agente, mas, por ser o fato inevitável ou imprevisível, não
pode ele responder civilmente pelos danos causados em terceiros, uma vez que
não deu causa ao resultado danoso.
O autor não concorda
com a posição de parte da doutrina, ao incluir mais uma excludente de ilicitude,
em que a pessoa não será obrigada a reparar o dano se comprovar a adoção de
todas as medidas idôneas para evita-lo. Neste caso estaria se admitindo a
análise da culpa, o que não é cabível no dispositivo em comento, já que trata
da responsabilidade independente de culpa, ou objetiva. Tal excludente não foi
prevista na legislação, optando o legislador apenas pelas excludentes
tradicionais citadas.
Na Itália e em
Portugal, esta ressalva é prevista, porém o autor entende como caso de culpa
presumida, solução intermediária entre a responsabilidade objetiva e subjetiva.
QUESTÃO PROCESSUAL
Preocupa-se o autor
em esclarecer situação em que, se a culpa só é cabível na responsabilidade
subjetiva, sendo a ação proposta com fundamento na responsabilidade objetiva,
sem a prova da culpa, o juiz deve decidir se a responsabilidade é subjetiva ou
objetiva já no despacho saneador, determinando as provas a serem produzidas, uma
vez que os efeitos da coisa julgada material inviabiliza a proposição de nova
ação. Da referida decisão, cabe agravo.
CRÍTICAS [DO AUTOR] RELATIVAS À INOVAÇÃO,
E ALGUNS EXEMPLOS PRÁTICOS
Apesar da pouca
utilização, o autor vê com bons olhos a novidade do dispositivo, consagrando os
princípios da socialidade e da eticidade do Código Civil.
Alguns exemplos
sujeitos à subsunção ao dispositivo são citados: explosão de um posto de gasolina
afetando um terceiro que passa na avenida; lesão a pessoas em eventos
organizados por empresas especializadas, incluindo os eventos cuja entrada é
franca.
Os avanços e acertos
advindos do risco da atividade, discordando de Baptista Villela, não devem ser
premiados pelo Estado, apesar de fomentar a tecnologia e o progresso, uma vez
que a premiação será o próprio sucesso de vendas, a aceitação do produto e o
engrandecimento da marca.
CONCLUSÃO
A responsabilidade
civil no CC continua sendo subjetiva, em princípio. A responsabilidade objetiva
ainda é exceção à regra, embora seja mais frequente no nosso ordenamento, em
homenagem à socialização dos riscos.
Com exceção aos casos
expressos em Lei, somente haverá a responsabilidade objetiva do parágrafo único,
do art. 927, do CC, se os seguintes requisitos estiverem presentes, ou seja,
que a) se trate de atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, e
que, b) por sua natureza, c) apresente riscos para os direitos de outrem. Far-se-á
necessário comprovar, também, o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a atividade.
Recomenda-se,
cada vez mais, o uso de contratos de seguro facultativo, a fim de se evitar
qualquer tipo de imprevisto ou contratempo que possa acarretar sérios abalos na
estrutura financeira do empresário ou da sociedade empresária.
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