Série acadêmica
Artigo originalmente publicado na
Revista FIDES – Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da
Sociedade –, um periódico científico semestral, voltado à publicação de trabalhos científicos – e de iniciação científica – na área jusfilosófica, organizado pelos estudantes e professores do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
destinado a fomentar a pesquisa no meio acadêmico
brasileiro. Sítio: http://www.revistafides.com.
SOUSA, Marcos T. A. de. O instituto
da tutela no ordenamento jurídico brasileiro: aspectos principiológicos e
gerais. FIDES, Natal, vol. 4, n. 2,
p. 263-280, jul./dez. 2013. ISSN 2177-1383.
O
INSTITUTO DA TUTELA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ASPECTOS
PRINCIPIOLÓGICOS E GERAIS
RESUMO
Aborda
os princípios, a responsabilidade civil e os aspectos gerais do instituto da
tutela, enfocando que o Estatuto da Criança e do Adolescente incorporou os
valores constitucionais, mas preferiu remeter a maior parte desta regulação ao
Código Civil. Verifica, no âmbito deste, a maior preocupação com os bens
patrimoniais em detrimento da proteção do tutelado. Constata que há de se
revisar o Código Civil, para enquadrá-lo aos preceitos da Constituição Federal
e ao relevo dispensado por esta às relações familiares, adaptá-lo aos avanços
do mencionado Estatuto e prever formas de inserir o Estado como responsável
mais incisivo na relação tutelar.
Palavras-chave:
Tutela. Criança e Adolescente. Princípios. Responsabilidade Civil.
1 INTRODUÇÃO
A evolução da sociedade
atual, no que concerne aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos
sociais, tem conferido ao instituto da tutela, principalmente após a
promulgação da Constituição Federal de 1988, relevante importância, vez que seu
fundamento é o dever de solidariedade atribuído ao Estado, à sociedade e aos
parentes em favor do tutelado – as crianças e os adolescentes. Primeiro, porque
ao Estado cabe a regulação dos respectivos deveres, direitos e garantias;
segundo, qualquer cidadão que atenda aos requisitos legais pode ser delegado
pelo judiciário para assumir esse dever; e, por último, são os parentes as pessoas
inicialmente solicitadas a prestar esse encargo, salvo dispensa legal.
Nesse sentido, a tutela
representa um serviço de interesse público prestado por particular em caráter
compulsório, imposto pela lei, tal qual a obrigação de prestar o serviço
militar, a convocação para ser mesário ou para ser jurado.
Todavia, para o Código
Civil atual, a tutela é tratada como um negócio jurídico unilateral, e será
demonstrado que este diploma está mais preocupado com a preservação dos bens
patrimoniais do tutelado e, por conseguinte, com o órfão rico, restando em
segundo plano a proteção integral do vulnerável. Tanto é assim que até admite o
casamento do tutor com o tutelado, esquecendo o laço afetivo que os une e uma
possível relação paternal ou maternal futura.
Já para o Estatuto da
Criança e do Adolescente, a tutela é considerada a segunda etapa da inserção da
criança em família substituta – que tem a guarda como a primeira e a adoção
como a última –, atribuindo ao tutor ônus de caráter educacional, assistencial
e protetivo, em consonância com o que prescreve a Constituição Federal.
Diante disso, o
presente artigo tem como objetivo discutir como a tutela é tratada no
ordenamento jurídico brasileiro, com ênfase específica nos princípios
aplicáveis, na responsabilidade civil dos agentes envolvidos, além dos aspectos
gerais que regem o instituto. Para tanto, foram realizadas pesquisas exploratórias
tendo por base textos doutrinários, a legislação em vigor consubstanciada no Código
Civil, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Processo Civil e
em conformidade com a Constituição Federal, além da jurisprudência dos
tribunais.
2
CONTEXTUALIZAÇÃO E PRINCÍPIOS
Os antecedentes
históricos da tutela remontam aos romanos. Neste período, o pai exercia o poder
sobre todos os filhos, independente da idade, e sobre os demais descendentes
considerados incapazes. Com o seu falecimento, todos se tornavam livres. Aos
menores impúberes e às mulheres, incluindo as púberes, era consentida a
designação de tutores, a fim de proteger sua pessoa e seu patrimônio. No
tocante às mulheres, a tutoria era exercida “em caráter permanente, para
proteger sua condição de debilidade do sexo” (VENOSA, 2003).
Ao longo do tempo, a
tutela foi sofrendo adaptações tendentes a proteger os menores incapazes. Ainda
influenciado pelo direito romano, o Código Civil de 1916 autorizava o avô
paterno ou o materno a nomear o tutor testamentário para os netos. Esta
possibilidade foi revogada pelo Código Civil de 2002, pois praticamente já se
encontrava em desuso, além de não manter o mesmo direito para a avó, o que
afrontava o princípio da igualdade preconizado pela Constituição Federal de
1988.
O ser humano, durante a
menoridade, necessita de quem o eduque, proteja, defenda e gerencie os seus
bens. O Estado, a quem compete originalmente promover tais desígnios junto às
crianças e aos adolescentes – criança até doze e adolescentes até os dezoito
anos de idade, no contexto do Estatuto da Criança e do Adolescente –, confia-os
aos pais, por meio do poder familiar. Na falta destes, por morte, ausência ou
por já não poderem exercer aquela função, o Estado a transfere a terceiro,
parente ou não, que será seu tutor. Desta maneira, Rodrigues (2008, p. 398)
considera a tutela um instituto de caráter nitidamente assistencial que visa a
substituir o poder familiar em face das pessoas cujos pais faleceram, se
ausentaram, tiveram o poder familiar suspenso ou dele foram destituídos. Aliás,
o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 28, considera a tutela a
segunda etapa da inserção da criança em família substituta – que tem a guarda
como a primeira e a adoção como a última –, atribuindo ao tutor ônus de caráter
educacional, assistencial e protetivo.
A tutela possui
natureza jurídica de múnus público, o
qual representa um encargo ou ônus, conferido pela lei e pelo Judiciário
aos cidadãos em benefício do interesse público e da ordem social. Neste âmbito,
ensina Dias (2011, p. 609-610) que a tutela é múnus público concedido,
preferencialmente, a um parente ou até a um estranho, para zelar por uma pessoa
menor de idade e administrar seus bens, sendo o tutor o titular de um
poder-dever sobre a pessoa e os bens do pupilo.
Constata-se, então, que
a natureza jurídica da tutela é idêntica à do poder familiar, apesar de
constituir um poder mais limitado, haja vista os genitores possuírem um
compromisso maior com os filhos em decorrência do vínculo de filiação. Assim,
são consideradas mais amplas as prerrogativas do poder familiar em relação à
tutela. Em realidade, apesar da semelhança, Gonçalves (2011, p. 188) afiança
que esta consiste num sucedâneo daquele e que são incompatíveis, na medida em
que, se os pais recuperarem o seu poder ou sobrevier a adoção ou o
reconhecimento do filho, cessará a tutela.
A tutela, como
instituto de interesse público, visa a suprir as incapacidades de fato e de
direito das pessoas que não as possuem e a permitir “a representação ou
assistência do incapaz – criança ou adolescente –, a administração dos seus
bens e o auxílio que for necessário para a sua manutenção, criação e educação”
(WALD; FONSECA, 2009).
Muito embora o Código
Civil de 2002, no art. 1.523, IV e parágrafo único, admita o casamento do tutor
com o tutelado, esquecendo o laço que os une e uma possível relação paternal ou
maternal futura, a tutela deve reger-se por princípios norteadores que
privilegiem os direitos humanos fundamentais, sobretudo o direito à saúde, à
alimentação adequada, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, além de proteger
o menor de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, como ratifica o caput
do art. 227 da Constituição Federal.
Quanto ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, reservou à tutela uma topografia de destaque, pois
além de abordá-la ao longo do texto, o instituto está especificado no seu
Título II – Dos Direitos Fundamentais –, Capítulo III – Do Direito à
Convivência Familiar e Comunitária –, Seção III – Da Família Substituta –, Subseção
III – Da Tutela –, o que revela a importância oferecida ao tema.
2.1
Princípios envolvidos
Sem pretender esgotar o
tema, visitam-se os mais destacados princípios que enquadram o instituto da
tutela: o princípio da dignidade da pessoa da humana, da solidariedade
familiar, do melhor interesse, da proteção integral da criança e do
adolescente, da isonomia, da universalidade, da reserva do possível, da afetividade,
da unicidade da tutela e da boa-fé. Os oito primeiros têm relevo constitucional
explícito ou implícito e status de
direitos fundamentais.
O princípio da
dignidade da pessoa humana, disposto como um dos fundamentos da República
brasileira no art. 1º, III, da Constituição Federal, é considerado por Barroso
(2010, p.38) como a moral sob a forma de Direito, sendo calcado num mínimo – valor
intrínseco[1],
autonomia da vontade[2] e
valor comunitário[3]–
o qual o Estado há de tomar como parâmetro de ponderação, havendo colisão entre
direitos, em qualquer nível de interpretação ou aplicação, dado seu caráter
neutro e universal.
A dignidade é princípio
que conduz e orienta as ações e decisões dos poderes públicos, permeando todos
os Títulos da Constituição Federal. Nesta visão, “as normas que formam a
organização jurídica contemporânea da família – incluindo a tutela – sempre se
espelham na ótica da dignidade da pessoa humana, pois não existe ser humano sem
dignidade” (MENEZES, 2010). Ademais, este princípio revela-se um dos principais
a fundamentar o Estatuto da Criança e do Adolescente no que concerne à
valorização das crianças e dos adolescentes dentro das relações familiares,
havendo referência expressa nos arts. 3º, 15 e 18 deste diploma.
O princípio da
solidariedade familiar caracteriza-se pela aplicação do disposto no art. 3º, I,
da Constituição Federal, a propósito de construir uma sociedade livre, justa e
solidária, com reflexo no círculo familiar, vez que o Estado não consegue
suprir todas as necessidades de quem precisa – especialmente das crianças e dos
adolescentes –, valendo-se dos parentes e dos responsáveis. Neste diapasão, a
solidariedade não deve ser apenas patrimonial, mas também afetiva e psicológica.
Além do dispositivo citado, este princípio encontra amparo, relativamente ao
tema em tela, nos arts. 226, § 8º, e 227 do mesmo diploma normativo.
O princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente está previsto no art. 227, caput, da Constituição Federal, assim
como nos arts. 4º, caput, e 5º do
Estatuto da Criança e do Adolescente. O desafio preconizado neste princípio é
converter a população infanto-juvenil em sujeito de direitos, para que ela não seja
tratada como objeto passivo, mas como titular autêntica e primordial de
direitos e garantias.
O princípio da proteção
integral da criança e do adolescente encontra-se implícito no art. 227 da
Constituição Federal e permeia todo o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Entretanto, não obstante ser posterior a este diploma, o Código Civil não
dispensou o mesmo tratamento ao princípio, praticamente repetindo o que já
aduzia o Código Civil de 1916, conforme enfatiza Dias (2011, p. 611):
O instituto da
tutela, de forma injustificada, olvidou-se da doutrina da proteção integral,
introduzida no sistema jurídico pela Constituição [...]. A maior atenção às
pessoas até os 18 anos de idade ensejou uma sensível mudança de paradigma,
tornando-se o grande marco para o reconhecimento dos direitos humanos das
crianças, adolescentes e jovens. [...].Mas, ao tratar da tutela, a nada disso
atentou o Código Civil, limitando-se, praticamente, a copiar a legislação
anterior, não se adequando sequer à nova terminologia.
O princípio da isonomia
impede tratamento jurídico desigual para situações iguais e representa a
viabilização da igualdade material no mundo real, haja vista a insuficiência
prática da igualdade formal prevista no art. 5º, caput, da Constituição Federal. Assim, vislumbra-se no seu art. 227
autorização do constituinte a que o Estado promova discriminações objetivas
relativas à criança e ao adolescente, sendo o instituto da tutela uma delas.
O princípio da
universalidade, implícito no art. 227 da Constituição Federal para o âmbito
infanto-juvenil, consagra os direitos da criança e do adolescente como
fundamentais, de forma que a proteção a tais sujeitos converta-se em realidade
e que estes direitos possam ser garantidos em sua plenitude a todos que deles
necessitarem.
Já o princípio da
reserva do possível é uma construção do Tribunal Constitucional Federal alemão,
ao entender que os direitos a prestações positivas “estão sujeitos à reserva do
possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar
da sociedade” (KRELL, 2002 citado por SIQUEIRA, 2010). Tal princípio tem sido
aplicado hoje pelo Judiciário brasileiro, com esteio no § 1º, art. 5º da
Constituição Federal, apenas quando cabível, aos casos envolvendo o direito à
saúde, ao acatar a justificativa do Estado de que as necessidades dos
indivíduos são infinitas enquanto são finitos os recursos orçamentários para
provê-las. O seguinte julgado explicita este e outros princípios aqui
analisados, envolvendo o fornecimento de fraldas descartáveis a menor com
paralisia cerebral.
APELAÇÃO. ECA.
FRALDAS DESCARTÁVEIS. DIREITO A SAÚDE. [...]. Menor que comprovadamente sofre
de PARALISIA CEREBRAL, CID G 80.3. Fraldas descartáveis. Com atenção ao
peculiar de cada caso concreto, firmou-se o entendimento desta Corte que o
fornecimento de fraldas descartáveis está incluído no dever constitucional dos
entes estatais de atender integralmente o direito à saúde de crianças e
adolescentes. Princípios da Isonomia, da Universalidade e da Reserva do
possível. Em razão da proteção integral constitucionalmente assegurada à
criança e ao adolescente, a condenação dos entes estatais ao atendimento do
direito fundamental à saúde não representa ofensa a princípios, dentre eles,
princípio da isonomia, da universalidade e da reserva do possível e nem
caracteriza ofensa a restrições orçamentárias. Bloqueio de valores. O bloqueio
de verbas públicas para o fim de garantir que o Estado cumpra direito
fundamental do cidadão encontra respaldo na Constituição da República e no
Estatuto da Criança e do Adolescente. Custas judiciais. Descabe condenação em
custas processuais nas ações da competência do juízo da infância e da
juventude, nos termos do art. 141, §2º do ECA. Deram parcial provimento.[4]
O afeto, tão presente
nas relações familiares, que incluem a tutela, na lição de Tartuce (2012, p. 28),
significa interação ou ligação entre pessoas, da qual resulta carga positiva,
evidenciada no amor, ou negativa, manifestada pelo ódio. Não alheia à
consolidação fática do afeto nas relações familiares, a jurisprudência cada vez
mais vem admitindo a afetividade como princípio jurídico, decorrente,
sobretudo, da dignidade humana, da solidariedade familiar e da convivência
familiar garantida à criança e ao adolescente, independente da origem biológica
(arts. 227 e 226, § 8º, da Constituição Federal). O STJ, revisando posição
anterior, demonstrou a evolução do tema, causando impacto ao reconhecer o
princípio da afetividade em decisão relativa ao abandono afetivo do filho pelo
pai, conforme expõe Tartuce (2012, p. 29):
Surgiu mais
recente decisão do próprio STJ em revisão à ementa anterior, ou seja, admitindo
a reparação civil pelo abandono afetivo (STJ, REsp 1.159.242/SP, Rel. Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012). Em sua
relatoria, a Min. Nancy Andrighi ressaltou que o dano moral estaria presente
diante de uma obrigação inescapável
dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos. Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, a
magistrada deduziu pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono
afetivo, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos:
‘amar é faculdade, cuidar é dever’.
(Grifos do autor)
O princípio da
unicidade da tutela está baseado no art. 1.733 do Código Civil, ao dispor que,
no caso de irmãos órfãos, dar-se-á apenas um tutor, ensejando-se facilitar a
administração do patrimônio e manter juntos os irmãos, em razão dos laços de
afetividade que os unem. No entanto, há mitigação a este princípio nos arts.
1.742 e 1.743 do mesmo diploma normativo, quando inserem, respectivamente, as
figuras do protutor[5]
e do cotutor[6].
Como enfoca Diniz (2010, p. 1238), o poder do tutor é uno e indivisível, sendo
um encargo pessoal. Porém, isso não obsta a cessão da tutela, uma concessão
parcial do encargo que se denomina tutela parcial ou cotutoria.
Quanto ao princípio da
boa-fé, ele é considerado uma regra de conduta em que as partes devem agir com
eticidade, consoante os parâmetros de confiança, honestidade, lealdade e
veracidade de ação e informação. Foi ancorado, no âmbito da tutela, pelo art.
1.741 do Código Civil, ao exigir do tutor o cumprimento dos seus deveres com
zelo e boa-fé, o que é extensível ao protutor e ao profissional técnico
cotutor, referidos acima. A boa-fé pode tornar-se objetiva no caso do art.
1.751 do Código Civil, em lição concebida pelo doutrinador Tartuce (2011, p.
1172):
Antes de assumir
a tutela, e diante do dever de informar anexo à boa-fé objetiva, o tutor
declarará tudo o que o menor lhe deva, sob pena de não lhe poder cobrar,
enquanto exerça a tutoria, salvo provando que não conhecia o débito quando a
assumiu [...]. Se o tutor não cumprir esse seu dever em momento oportuno, acaba
perdendo um direito de cobrança.
Portanto, haverá a
caracterização da boa-fé objetiva do tutor, independentemente de dolo ou culpa,
salvo se conseguir provar que desconhecia a dívida ao tempo em que se avocou ao
encargo.
3
ESPÉCIES DE TUTELA
A tutela se constitui
um negócio jurídico unilateral e deve a nomeação do tutor obedecer a uma forma
especial, sem a qual pode restar nula, por imposição dos arts. 107 e 166, IV,
do Código Civil. De acordo com a fonte da qual se origina a instituição da
tutela, ela pode ser classificada nas espécies a seguir enfocadas: documental,
testamentária, legítima e dativa.
3.1
Tutela documental
O direito de nomear o
tutor pertence aos pais em conjunto, desde que estejam aptos a fazê-lo (art.
1.729 do Código Civil). Além disso, há nulidade absoluta se a nomeação foi
feita por genitor que não detinha o poder familiar ao tempo da morte (art.
1.730 do Código Civil). O parágrafo único do art. 1.729 prescreve: “A nomeação
deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico”.
Neste diapasão, Dias
(2011, p. 612) defende a espécie documental que se materializa quando a
nomeação do tutor, por um ou ambos os pais, for levada a efeito por meio de
escritura pública ou particular, codicilo ou carta, desde que não haja dúvida a
respeito do signatário. Pode-se entender que tal espécie não deixa de ser
testamentária, pois, como se verificará a seguir, só produzirá efeito após a
morte do nomeante.
3.2
Tutela testamentária
Em conformidade com o
que aduz o parágrafo único do art. 1.729 do Código Civil, o testamento é outra
forma de nomeação do tutor para a instituição da tutela por qualquer um dos
pais. Como o art. 1.863 do mesmo diploma normativo veda o testamento em
conjunto, cada um deve nomear o tutor em instrumentos diferentes.
Ademais, é válida a
nomeação em testamento nulo ou anulável quando não vulnerada a vontade do
nomeante. Deve-se lembrar que, mesmo com a nomeação, a tutela dependerá sempre
da aprovação do magistrado. Por outro lado, podem os pais expressamente excluir
alguém para o exercício da tutela, tornando-o incapaz para o encargo. Deve o
tutor nomeado por testamento ou por documento autêntico, após trinta dias da
abertura da sucessão, entrar com pedido em juízo para o controle do ato (art.
37 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
3.3
Tutela legítima
Esta espécie de tutela
se dá quando a nomeação não foi feita pelos pais, situação em que são
convocados os parentes consanguíneos, segundo uma ordem de preferência
estabelecida pelo art. 1.731 do Código Civil. Em qualquer dos casos, o juiz
escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela, sempre em benefício do
tutelado, o que acontece pelos delineamentos dos princípios do melhor interesse,
da proteção integral da criança e do adolescente e da afetividade, ainda que o
tutor escolhido não esteja no rol legal.
Nessa direção, orienta
o STJ, no REsp 710.204/AL, ao declarar que a ordem de nomeação prevista no
referido dispositivo é flexível e pode ser modificada segundo o interesse do
tutelado, em claro alinhamento com os princípios supra mencionados. Além disso,
informa que, na falta de nomeação pelos pais, os tios podem ser nomeados
tutores, se for para maior benefício do menor. Veja-se a ementa:
CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. ORDEM DE NOMEAÇÃO DE TUTOR. ART. 409,
DO CC/1916. ART. 1.731 DO CC/2002. TUTELA EM BENEFÍCIO DO MENOR.
- A ordem de
nomeação de tutor, prevista no art. 409, do Código Civil/1916 (art. 1.731 do
Código Civil/2002), não inflexível, podendo ser alterada no interesse do menor.
- Na falta de
tutor nomeado pelos pais, podem os tios ser nomeados tutores do menor, se forem
os mais aptos a exercer a tutela em benefício desse. Recurso especial não
conhecido.[7]
3.4
Tutela dativa
A tutela dativa deriva
de sentença judicial quando da falta, exclusão, remoção ou escusa do tutor
legítimo ou testamentário, bem como da ausência de parentes em condições de
exercer a tutela, cabendo ao juiz nomear tutor idôneo e residente no domicílio
do menor (art. 1.732 do Código Civil). Trata-se, portanto, de uma espécie de
tutela subsidiária, por meio da qual as crianças e os adolescentes cujos pais
forem desconhecidos, falecidos, ou quando suspensos ou destituídos do poder
familiar, terão tutores nomeados pelo juiz ou poderão ser incluídos em programa
de colocação familiar (art. 1.734 do Código Civil c/c art. 28 do Estatuto da
Criança e do Adolescente).
Em todas as espécies de
tutela analisadas, havendo irmãos órfãos, dar-se-á apenas um tutor comum,
consoante preceitua o princípio da unicidade da tutela. Porém, caso seja
nomeado mais de um tutor por disposição testamentária ou documental e sem
indicação de precedência dos irmãos, deve-se entender que a tutela foi confiada
ao primeiro que constar no descritivo. Os demais lhe sucederão pela ordem de
nomeação em caso de morte, incapacidade, impedimento ou escusa do tutor.
4 IMPEDIMENTO E ESCUSA DO TUTOR
Por impedimento legal,
algumas pessoas não podem ser tutoras, seja por incapacidade ou por
ilegitimidade para exercer essa função (art. 1.735 do Código Civil). Outras
pessoas podem exercê-la, mas têm a faculdade de se escusar (art. 1.736 do
Código Civil). Estas regras, incluindo a do art. 1.737 analisada abaixo, são
taxativas, pois “tanto para as proibições quanto para as escusas o direito
estabelece as respectivas hipóteses, em enumeração taxativa, não se admitindo
interpretação extensiva” (LÔBO, 2011).
No primeiro
dispositivo, o inciso inicial engloba as pessoas absolutamente incapazes – os
menores impúberes, os que não tenham discernimento para praticar atos da vida
civil e os que não possam exprimir a sua vontade – e os relativamente incapazes
– os menores púberes, os viciados em drogas, os excepcionais e os que tenham
discernimento reduzido –. O segundo inciso apresenta uma proibição que não se
coaduna com o preceito do art. 1.751 do Código Civil discutido alhures, ao
impor que o tutor declare, antes de assumir a tutela, o que o menor lhe deva.
Já o sexto inciso, refere-se aos magistrados, escrivães, promotores de justiça
ou aos delegados de polícia.
No segundo dispositivo,
art. 1.736, as hipóteses de escusa enumeradas “podem ou não ocorrer, havendo um
direito potestativo das pessoas elencadas” (TARTUCE, 2011). O primeiro inciso,
que se refere às mulheres casadas, admite uma exceção que fere o princípio
constitucional da igualdade de gêneros expedido nos arts. 5º, I, e 226, § 5º,
da Constituição Federal. Nesta mesma linha, declara o Enunciado 136 da I
Jornada de Direito Civil: “Proposição sobre o art. 1.736, inc. I: [...] revogar
o dispositivo 24. Justificativa: não há qualquer justificativa de ordem legal –
e constitucional –a legitimar que mulheres casadas, apenas por essa condição,
possam se escusar da tutela” [8].
Quanto ao segundo
inciso, referente aos maiores de sessenta anos, há que se discutir se tal
exceção já não é discriminatória, eis que esta idade foi prevista no Código
Civil de 1916, época em que a média de vida não alcançava quarenta anos.
Atualmente, a longevidade média dos brasileiros atinge mais de setenta e quatro
anos de idade[9].
Outro inciso
controvertido é o sétimo, concernente aos militares em serviço, porquanto o que
deveria ser previsto era a possibilidade de escusa a quem, em função da
profissão, tiver pouca disponibilidade de tempo, quais os trabalhadores offshore[10],
os que trabalham fora do seu domicílio, os que laboram em regime de turno
ininterrupto de revezamento ou apenas no turno noturno, os próprios militares
entre outros.
Ademais, o tutor dativo
não pode ser obrigado a aceitar tal encargo se houver no lugar de domicílio
parente idôneo, consanguíneo ou afim, que possa exercê-lo (art. 1.737 do Código
Civil). Deve-se acrescentar que a menção feita pelo dispositivo aos parentes
afins é inadequada, “uma vez que não têm direito de pleitear alimentos, nem
estão arrolados na ordem de vocação hereditária” (LÔBO, 2011).
5 EXERCÍCIO DA TUTELA
Ao receber os bens da
criança ou do adolescente, o tutor cuida de administrá-los, passando a
representar o tutelado menor de dezesseis anos de idade, ou assisti-lo após os
dezesseis e até os dezoitos anos em todos os atos da vida civil (art. 1.747, I,
do Código Civil, c/c art. 142 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
Alguns pontos de
diferenciação entre o poder familiar e a tutela devem ser verificados, levando-se
em conta que aquele só pode ser exercido pelos pais. O primeiro deles é o dever
de afetividade que não pode ser exigido do tutor, sobretudo quando não for
parente.
Em que pese à exigência
do princípio da boa-fé, a falta desse dever de afeto pode espraiar-se a todos
os atos praticados pelo tutor, o que justifica a inspeção judiciária aludida no
art. 1.741 do Código Civil, a fiscalização dos atos do tutor delegada ao
protutor, art. 1.742, e a autorização direta do juiz para os atos elencados no
art. 1.748, ou, na falta desta, a sua aprovação posterior.
Outra distinção se
apresenta pelo fato de o poder familiar não ser passível de delegação, mas o
tutor pode se socorrer do juiz em caso de necessidade de correção do menor.
Mais uma das diferenças entre a tutela e o poder familiar se manifesta no
tocante à condição de usufrutuário, permitida neste último instituto (art.
1.689, I, do Código Civil).
Os artigos 1.740[11] e
1.747 do Código Civil relacionam as atribuições que ao tutor compete praticar
independente de autorização do Judiciário, embora sujeitas a acompanhamento
judicial, tanto no que se refere à inspeção do juiz quanto à fiscalização
confiada ao protutor.
Mais restritivo, o art.
1.748 do mencionado diploma elenca outros atos a serem praticados pelo tutor,
porém com a necessidade de outorga judicial. Ressalta-se que a falta desta gera
a ineficácia do ato até a confirmação posterior do juiz, não optando o
legislador pela sua invalidade.
Sem prejuízo das
situações mencionadas, há atos que o tutor não pode praticar ainda que haja
autorização judicial, sob pena de sua nulidade absoluta, segundo disciplina o
art. 1.749 do Código Civil. São atos que dizem respeito a interesses
conflitantes ou que resultem em empobrecimento do pupilo. Em tais casos, cabe
reconhecimento de ofício da nulidade e a ação correspondente é imprescritível,
como determina o art. 169 do mesmo diploma.
Os bens imóveis do
tutelado podem ser vendidos quando houver para ele manifesta vantagem, desde
que tenham prévia avaliação e aprovação judiciais por meio de alvará (art.
1.750 do Código Civil), de maneira que “em havendo a venda sem essa vantagem e
aprovação do juiz, o negócio jurídico é nulo de pleno direito, pois é caso de nulidade
virtual, eis que a lei acaba proibindo o ato de forma inversa, sem, contudo,
cominar sanção, conforme o art. 166, VII, segunda parte, do Código Civil” (Tartuce, 2011).
Com exceção da tutela
das crianças e adolescentes em situação de maior vulnerabilidade, referida no
art. 1.734 do Código Civil, o tutor faz jus, nos demais casos, a remuneração
pelos seus encargos, devendo ser proporcional à importância dos bens
administrados. Além disso, ao protutor cabe uma gratificação módica pela
fiscalização realizada.
Cumpre acrescentar que
a prestação de contas é um dever decorrente da tutela, que subsiste mesmo que
os pais da criança ou do adolescente tenham-na dispensado, pois o que se visa
com o exercício do múnus público é, justamente, a proteção do tutelado.
5.1
Responsabilidade civil das partes
O tutor responde pelos
prejuízos causados ao pupilo pela sua administração. Esta responsabilidade,
entretanto, é subjetiva, tendo em vista a dependência de prova de que o ato
praticado, ou a sua omissão, ocorreu por negligência, imprudência, imperícia,
ou dolo (art. 1.752, primeira parte, do Código Civil).
Deve-se ressaltar que,
pelo ato do tutelado, a responsabilidade do tutor é objetiva indireta,
sobretudo se alcançar terceiros, conforme os arts. 932, II, e 933 do referido
diploma. Como se pode observar, a Lei Civil trata o tutor com extremo rigor,
mormente na parte patrimonial, a qual prioriza demasiadamente, tornando a
tutela, além de um múnus, um fardo que aumenta com a complexidade dos haveres
do pupilo. Neste sentido, observa Pereira, citado por Venosa (2003, p. 421):
A
responsabilidade do tutor não se limita, obviamente, ao resultado contábil de
sua prestação de contas. Se da sua gestão resultar prejuízo ao tutelado,
incumbe-lhe o dever de ressarci-lo, segundo as regras que presidem a composição
do princípio da responsabilidade civil: procedimento culposo do tutor, dolo
causado, relação de causalidade entre um e outro.
O protutor e as pessoas
que tenham concorrido para o prejuízo responderão solidariamente pelos danos
causados pelo tutor (art. 1.752, § 2º, c/c arts. 942 e 932, II, do Código
Civil). Isso quer dizer que qualquer um deles pode responder pela totalidade da
dívida. Essa hipótese de solidariedade legal alcança, além do protutor, o juiz,
o cotutor ou qualquer pessoa que haja concorrido culposa ou dolosamente –
responsabilidades subjetiva e solidária, portanto – para o prejuízo ao
tutelado.
A importância que o
legislador dá à intervenção do juiz, por meio do art. 1.744 c/c o art. 1.745,
parágrafo único do Código Civil, é tanta que lhe atribui responsabilidade direta
e pessoal quando, negligenciando na escolha do tutor, causar prejuízo ao menor.
Salienta-se que esta responsabilização não é do Estado, não obstante atue em
nome deste, já que responderá com seus bens particulares.
Por outra banda, ensina
Lôbo (2011, p. 419) que a lei também atribui responsabilidade subsidiária ao
juiz quando não exigir caução suficiente ou não motivar sua dispensa se os bens
do menor forem de considerável valor, e ainda quando não remover o tutor que se
tornou suspeito. Nestes casos, a responsabilização é subjetiva, todavia
exige-se somente a culpa do juiz, e não o dolo, pela regra geral do art. 133 do
Código de Processo Civil. Aqui, os bens do juiz só respondem se os do tutor não
saldarem o prejuízo causado ao menor.
Destarte, constata-se,
de acordo com a análise até aqui realizada, que o Estatuto Civil oferece uma
proteção demasiada aos bens patrimoniais do tutelado, o que denota uma
priorização do órfão rico, a ponto de os demais itens protetivos que compõem o
instituto da tutela tornarem-se secundários, enquanto o contrário recomendam os
princípios discutidos.
6 CESSAÇÃO DA TUTELA
A forma regular da
extinção da tutela é o advento do termo final do prazo bianual em que o tutor
era obrigado a servir, salvo se ele quiser continuar na função e o juiz
entender que é o melhor para o infante (art. 1.765 do Código Civil). Pode o
tutor continuar com o encargo, desde que o magistrado entenda seja o melhor
para o tutelado, tendo como referência os princípios do melhor interesse e da
proteção integral da criança ou do adolescente. Neste aspecto, o art. 1.198 do
Código de Processo Civil estabelece a manifestação tácita do tutor, quando este
deixar transcorrer dez dias do término do prazo de dois anos sem requerer a sua
exoneração, exceto dispensado juiz.
Antes do término do
prazo, a tutela será extinta, independentemente da intervenção do juiz, nas
seguintes situações: quando o tutelado for emancipado ou atingir a maioridade;
se conseguir cair sob o poder familiar, no caso de adoção ou de reconhecimento
da paternidade ou da maternidade (art. 1.763 do Código Civil); o óbito do
tutelado ou sua ausência, quando se presume falecido. Guardando relação com a
exposição do inciso I deste dispositivo, colaciona-se o autoexplicativo
julgado:
Apelação Cível. Negócios jurídicos bancários. Ação declaratória de
inexistência de débito. Instituto da tutela. Cessação das obrigações do tutor. A partir do
dia em que a tutelada completou a maioridade, automaticamente cessou as
obrigações do tutor, consoante preceitua o artigo 1763, I, do Código Civil. In casu, comprovado que foi Maria
Aparecida quem solicitou os empréstimos e que, à época da contratação, já havia
completado a maioridade, seu antigo tutor não responde pelas dívidas
contraídas. Apelo desprovido.[12]
Convém acrescentar que
as hipóteses difundidas neste artigo não são exaustivas, porquanto a cessação
da tutela é possível em outras situações, a exemplo do óbito do tutelado ou a
sua ausência quando se presume falecido.
Dependem de decisão
judicial a exoneração ou remoção do tutor, nas hipóteses que o levam a
incapacidade de exercer a tutela, conhecidas posteriormente ao início do
exercício ou do desvio da conduta que leve o menor ao prejuízo por negligência
ou prevaricação. Subordina-se também à decisão do juiz as hipóteses de escusa
legítima cujos motivos sobrevieram após aceita a tutela (art. 1.764, II do
Código Civil).
Quanto à remoção evidenciada
no dispositivo do art. 1.764, III, do Código Civil, é de bom alvitre, segundo
Madaleno (2008, p. 853), considerar que “por
igual é a causa de cessação da tutoria por remoção judicial do tutor quando
acusado de conduta dolosa ou culposa na administração dos bens e da pessoa do
tutelado.” Acresça-se que incumbe ao Ministério Público ou a quem tenha
interesse legítimo requerer a exoneração ou remoção do tutor como assinala a
redação do art. 1.194 do Código de Processo Civil.
A seguinte decisão do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul enfatiza o explanado e relaciona-a ao
Estatuto da Criança e do Adolescente:
Agravo de Instrumento. Ação de Remoção de Tutor c/c Colocação em
Família Substituta.
À semelhança da
destituição do poder familiar, a destituição da tutela deve ser enfrentada como
medida excepcional e, principalmente, drástica. Para que prospere o pleito de
destituição deve restar rigorosamente comprovada a ausência de condições, por
parte do tutor, para o exercício do múnus, nos termos do art. 24 do ECA, que se
aplica tanto ao poder familiar quanto à tutela, por força do comando contido no
art. 38 do estatuto. In casu, restou evidenciado que a apelante não
possui condições de exercer a tutela, que, hodiernamente, assume prerrogativas
e deveres semelhantes aos atinentes ao poder familiar. Recurso Desprovido.[13]
Com efeito, esse
julgado fortalece a análise acima, ao interpretar a destituição da tutela, à
semelhança da remoção do poder familiar, como medida excepcional, de sorte que
deve restar cuidadosamente comprovada a inexistência de condições do tutor para
exercer a tutoria conforme o art. 24 c/c o art. 38 do supramencionado diploma.
Salienta-se que uma das
maneiras, não incomum no Brasil, que torna o tutor incapaz e, por conseguinte,
o sujeita à exoneração do exercício da tutela é o cometimento de crime doloso
contra o pupilo, punido com pena de reclusão, como preconiza o art. 92, II, do
Código Penal.
7 CONCLUSÕES
Do quanto foi exposto
acima, depreende-se que os valores emanados da Constituição Federal de 1988 não
foram totalmente incorporados à legislação infraconstitucional, no que tange ao
instituto da tutela. O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990,
provavelmente pela proximidade temporal de sua sanção em relação à promulgação
da Constituição Federal, conseguiu traduzir esses preceitos, porém, remeteu a
maior parte da regulamentação do tema em tela ao Código Civil de 1916, vigente
à época, o qual ainda guardava resquícios do direito romano.
Esperava-se,
entretanto, que o Código Civil de 2002 oferecesse um tratamento, relativo à
tutela, à altura do que foi ofertado a outros temas do direito de família e do
que foi oferecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente aos demais assuntos
atinentes às crianças e aos adolescentes. Porém, como se verificou, isso não
ocorreu a contento.
Dessa maneira, o Código
Civil não deu à tutela o devido relevo que foi dispensado às relações de
família, escusando-se a atentar que este instituto, ao determinar a convivência
entre o tutor e o pupilo, tende a gerar tanta afetividade que estes conviventes
poderão tornar-se pai e filho. Assim, o supramencionado diploma, além de não se
adequar às novas terminologias – ao se referir ao menor absoluta e
relativamente incapaz, quando deveria tratá-lo por criança e adolescente –,
preferiu priorizar os bens patrimoniais e, portanto, o órfão rico, descurando
do tratamento isonômico, da afetividade, do melhor interesse e da proteção
integral do vulnerável.
No que concerne à
responsabilidade civil, inobstante quase sempre ser subjetiva e isentar o
Estado, há um tratamento razoavelmente adequado dispensado pela legislação, o
que facilita, de certa forma, a defesa do vulnerável e do terceiro prejudicado
na relação de tutela e a subsunção do caso concreto pelo intérprete do direito,
embora não raro este se acorra aos princípios constitucionais e do Estatuto da
Criança e do Adolescente atinentes ao instituto, em um esforço hermenêutico de
interpretação e integração.
Destarte, espera-se do
legislador brasileiro uma revisão do instituto da tutela no âmbito do Código
Civil, de maneira a enquadrá-lo, integralmente, aos preceitos constitucionais,
a adaptá-lo aos avanços do Estatuto da Criança e do Adolescente e a prever
formas de inserir o Estado como um responsável mais incisivo na relação de
tutoria.
REFERÊNCIAS
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no direito constitucional contemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos
e critérios de aplicação. [s.l.], 2010. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2010/12/Dignidade_texto-base_11dez2010.pdf>.
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THE INSTITUTE OF GUARDIANSHIP IN BRAZILIAN LAW:
PRINCIPLES AND GENERAL ASPECTS
ABSTRACT
Discusses the principles, the civil responsibility and
the general aspects of the institute of guardianship, focusing on the Statute
of the Child and Adolescent incorporated constitutional values, but preferred
to refer most of this regulation to the Civil Code. Checks, within this, the
biggest concern with capital assets over the protection of the ward. Notes that
there is to revise the Civil Law, to fit it to the precepts of the Constitution
and the relief dispensed by this family relations, adapting it to the
advancements of the said Statute and provide ways to enter the State as
responsible sharper in relation protect.
Keywords:
Guardianship.
Child and Teenager. Principles. Civil Responsibility.
[1]Cumpre destacar que o valor
intrínseco da pessoa humana, no plano
filosófico, é o elemento ontológico da dignidade, traço distintivo da condição
humana, do qual decorre que todas as pessoas são um fim em si mesmas. Do valor
intrínseco decorrem direitos fundamentais como o direito à vida, à igualdade e
à integridade física e psíquica.
[2]A autonomia da vontade, no plano da moral, é o elemento ético
da dignidade humana, associado à capacidade de autodeterminação do indivíduo,
ao seu direito de fazer escolhas existenciais básicas. A autonomia tem uma
dimensão privada, subjacente aos direitos e liberdades individuais, e uma
dimensão pública, sobre a qual se apoiam os direitos políticos. Condição do
exercício adequado da autonomia pública e privada é o mínimo existencial, isto
é, a satisfação das necessidades vitais básicas.
[3]O valor comunitário é considerado
o elemento social da dignidade humana, identificando a relação entre o
indivíduo e o grupo, está ligado a valores compartilhados pela comunidade,
assim como às responsabilidades e deveres de cada um. Para minimizar os riscos
do moralismo e da tirania da maioria, a imposição de valores comunitários
deverá levar em conta (a) a existência ou não de um direito fundamental em
jogo, (b) a existência de consenso social forte em relação à questão e (c) a
existência de risco efetivo para direitos de terceiros.
[4]TJRS. AC 70041663170. Oitava Câmara Cível. Rel. Rui Portanova. j. 28/04/2011.
DJe. 09/05/2011.
[5]Protutor é aquele que, nomeado
pelo juiz, fiscaliza os atos do tutor, conforme preconiza o art. 1.742 do CC.
[6]Cotutor é o especialista técnico,
pessoa física ou jurídica, que, delegado pelo tutor e sob aprovação do juiz,
exerce parcialmente a tutela, segundo o art. 1.743 do CC.
[7]STJ. RESP 710.204/AL. Terceira Turma. Rel. Min.
Nancy Andrighi. j. 16/08/2006. DJU.
04/09/2006.
[8]BRASIL. I Jornada de Direito Civil, de 12/09/2002. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/jornada/article/viewFile/2612/2690>.
Acesso em: 20 maio 2013.
[9]Para informações complementares,
conferir: BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Em 2011, esperança de vida ao nascer era de
74,08 anos. Rio de Janeiro: [s.n], 29 nov. 2012. Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&busca=1&dnoticia=2271>. Acesso em: 19 maio 2013.
[10]Trabalhador offshore é aquele que exerce a sua profissão em uma unidade
marítima fixa ou móvel.
[11] Confere-se no Código
Civil, art. 1.740, que: “Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor: I -
dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus
haveres e condição; II - reclamar do juiz que providencie, como houver por bem,
quando o menor haja mister correção; III - adimplir os demais deveres que
normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este já contar doze
anos de idade.”
[12]TJRS. AC
70031352966. Décima
Segunda Câmara Cível. Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack. .j. 22/09/2011. DJe.
26/09/2011.
[13]TJRS. AI 70010800563. Oitava Câmara Cível. Rel. Des.
Catarina Rita Krieger Martins. j. 30/07/2005. DJe. 15/07/2005.
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