Série acadêmica
Fichamento do texto: “Os Valores e Princípios Constitucionais Fundantes da Constituição Brasileira”, p. 131-180. BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Método, 2008.
RAZÃO DE ORDEM
Afirma
o autor que, de uma fase de aplicação como fonte auxiliar do direito, os
princípios foram positivados em leis e, por último, na Constituição,
erigindo-se a uma posição de proeminência do sistema das fontes.
Os
princípios passaram ao grau de norma constitucional, conduzindo a interpretação
e aplicação das demais normas. De sua força normativa decorre o seu caráter
diretivo e a eficácia derrogatória das demais normas para além de sua função
informadora. Esse conjunto confere aos princípios um caráter de fonte das
fontes do Direito.
Os
princípios são disposições nas quais se insere a origem dos anunciados
normativos, sendo pontos de partida para a assimilação do sistema jurídico,
ostentando um maior grau de indeterminação, abstração e um baixo grau de
concretização.
Segundo
Celso de Melo, a violação de um princípio é mais grave do que violar uma norma
e que a desatenção aos seus postulados se constitui em ofensa a todo sistema.
Os
valores são positivos e qualitativos em relação a um referencial, estando num
plano puramente axiológico. Há valores explícitos e implícitos que podem se
transformar em princípios fundamentais do Direito, que também incorporam
valores. Já os princípios são mandamentos de otimização que dizem respeito ao
dever-ser, segundo os modais proibido, obrigatório e permitido.
Os
princípios gerais do Direito têm sido positivados na constituição passando a
ser princípios jurídico-constitucionais com efeito sobre outros mais restritos
e sobre as demais regras.
Aceita-se
a conceituação de que um princípio é um valor trazido para o plano do dever-ser
do Direito positivado.
O
legislador recolhe os valores memorados e, ciente de sua magnitude social, toma
a decisão política de positivá-los, transformando-os em princípios.
Valores
e princípios compõem, com as regras, a estrutura normativa de um sistema
jurídico-constitucional aberto, como o brasileiro.
As
regras enunciam comandos prescritivos de condutas. São disposições mais
concretas, determinadas, aplicadas quando satisfeitos todos os requisitos
legais e necessários a sua incidência e ajustados à conformação com o sistema
constitucional.
A
Carta Política brasileira desde o seu preâmbulo é uma carta de princípios, de
compromissos e programas, dentre os quais são destacados os princípios:
republicano, federativo, do Estado Democrático de Direito, do Estado Social, da
separação dos poderes, da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
O PRINCÍPIO REPUBLICANO
A
república é a forma política em que a soberania pertence à coletividade, só
podendo ser exercida em seu nome ou por delegação, por meio de processo
seletivo; ou a forma política em que não existe Chefe de Estado ou em que o
Chefe de Estado não é hereditário.
Na
forma republicana de governo o detentor de poder deve prestar conta aos
cidadãos que o elegeram temporariamente e que têm o direito de fiscalizar os
seus atos na qualidade de titular da soberania.
A
administração da “res publicae” é sinônima de transparência no tratamento da
coisa pública. As características republicanas são mais ligadas a uma formação
estatal recente e a uma população etnicamente heterogênea.
O
Princípio Republicano se conecta com outros princípios constitucionais
estruturantes ou específicos, como os princípios do Estado Democrático de
Direito, da dignidade da pessoa humana, da moralidade, da publicidade, da
legalidade, da impessoalidade e da eficiência, assim como com o princípio Federativo.
A
tríade do Princípio Republicano - participação, fiscalização e responsabilidade
- revela uma forma de governo e de exercício de Poder em que os governantes são
eleitos temporariamente, havendo possibilidade de reeleição em alguns países.
PRINCÍPIO FEDERATIVO
As
formas mais comuns de Estado são unitário e federal, segundo uma centralização
ou descentralização básica de competências políticas e/ou administrativas.
Podem ser divididos em dois grupos: Estados simples ou unitários e compostos ou
federados. Os Estados unitários podem ser centralizados, em que o poder
político e administrativo é único, ou regionais, onde ocorre uma
descentralização política mas sob delegação. Exemplos: França, Portugal,
Uruguai, Itália, etc.
Nos
Estados compostos ou federados ocorre uma aliança ou uma associação de Estados,
formando um novo Estado, cuja origem tem por base a união dos territórios. É a
forma de Estado do Brasil, Estados Unidos, Suíça, etc.
Toda
federação é uma aliança entre Estados para constituir um novo Estado, com uma
nova Constituição rígida em que os Estados se associam despindo-se de sua
soberania, em favor de um ente chamado União a quem cabe representá-los no
plano internacional e impor um sistema funcional, orgânico e integrativo, no
plano social, em que as questões jurídicas passam por um rigoroso controle de
constitucionalidade.
O
modelo federativo brasileiro compreende uma forma centrífuga, partindo de um
Estado unitário para um Estado descentralizado. Já o modelo americano tem a
forma centrípeta em que os Estados preexistentes uniram-se formando um Estado
Federal.
Na
trajetória do Federalismo brasileiro alguns aspectos mantiveram-se até hoje:
sobreposição de poderes entre a União e os Estados Federados; a elaboração das
Constituições Estaduais espelhadas na Constituição Federal; autonomia ilimitada
dos Estados; distribuição de poderes, competências e receitas entre os entes
federativos; e participação dos Estados por meio da representação parlamentar.
A novidade está na integração definitiva dos municípios à Federação.
O
equilíbrio federativo assegura-se mediante a composição partidária do cenário
federal, em que cada unidade da Federação é representada por três senadores; já
a representação do povo se dá na câmara dos deputados, proporcionalmente à
população.
Ressalve-se
que o princípio federativo é, na realidade constitucional brasileiro, um valor
agregado mais à consciência política e jurídica da sociedade do que uma
formulação constitucional escrita.
O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS
PODERES
A
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no seu art. 16 dizia: “a
sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida
a separação dos poderes não tem Constituição”.
John
Locke, no século XVII, concebia a existência de quatro poderes: Legislativo,
Executivo, Federativo e Prerrogativo. Os dois primeiros tinham as funções de
criar leis e aplicá-las. O Poder Federativo cuidava das relações externas e o
último atuava nos casos de convocação de guerra ou outras medidas excepcionais.
Socialmente tinham-se o povo, os lordes e a realeza.
Montesquieu
formulava a existência de três poderes: Executivo (Federativo e Prerrogativo),
Legislativo e Judiciário. Em nível social, as classes eram compostas pelo povo,
clero e nobreza.
Com
a evolução da visão tradicional do princípio da separação, a unidade do poder
político especializa-se em funções, ao movimentar todos os órgãos do Estado à
execução das atividades necessárias aos seus fins, justificando a troca da
expressão “poder do estado” por “função do estado”.
Funções
e órgãos se completam, sendo realidades diferentes: aquelas afirmam o que o
Estado faz; estes, quem o faz. Funções administrativa, legislativa e judiciária
ou fixação de poderes executivo, legislativo e judiciário; os sistemas jurídicos
evoluíram com o mister de adaptar o Estado aos seus fins.
A
função administrativa se refere à atuação dos órgãos em cumprimento de seus
objetivos segundo uma hierarquia; na função legislativa, há uma produção
primária de normas gerais e abstratas, inovando a ordem jurídica direta e
imediatamente; a jurisdição consiste na emanação de atos de produção jurídica
subsidiários, na atividade de concretização e coação pelo Estado, no
cumprimento da lei, expedindo normas individuadas e exercendo o controle de constitucionalidade.
Ao
lado das funções típicas de uma função encontra-se o exercício de atividades
atípicas. Esta flexibilidade converge para a observância dos direitos
fundamentais e dos princípios constitucionais, como forma de garantir o Estado
Democrático de Direito e evitar a prevalência de um poder sobre os demais.
O PRINCÍPIO DO ESTADO SOCIAL
Este
princípio representa uma evolução na construção doutrinária do Estado. A teoria
política de Rousseau, cujas linhas básicas incluía a população no processo
político, propunha uma forma de Estado que assegurasse a participação de todos,
com justiça social e não apenas o respeito à liberdade. Avançava em direção à
democracia e à efetivação do princípio da igualdade material. Enxerga-se, pois,
as bases filosóficas do Estado Social.
Já
Karl Marx questionou as desigualdades sociais trazidas pelo modo de produção
capitalista e pela revolução industrial, fazendo o discurso da classe operária
em defesa da igualdade, mesmo que custasse a liberdade.
As
constituições pós-Revolução Francesa positivaram normas em defesa da vida, da
propriedade, da liberdade e da igualdade, transformando o súdito em sujeito e
titular de direitos constitucionais, não só de direitos naturais.
No
início do século XX, as constituições passaram a se preocupar com a garantia da
igualdade social, no que se viria a se chamar de Estado Social de Direito ou
“Welfare State”, o qual assume o dever de assegurar a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência, etc.
No
Brasil, esses direitos foram inseridos a partir da Constituição de 1934.
Segundo
o autor, o Estado Social é um modelo voltado para ações com limites
constitucionais. É um paradigma que força o poder público a viabilizar uma nova
face da liberdade, garantindo aos cidadãos o acesso mínimo aos bens da vida.
A
viabilidade do Estado Social é desafio para o exercício das funções do Estado,
na medida em que se submete os procedimentos a uma justiça constitucional por
serem os direitos sociais direitos subjetivos públicos.
A
Constituição brasileira atual prevê o mandado de injunção, estabelecendo a ação
de inconstitucionalidade por omissão com o fim de suprir as lacunas
legislativas deixadas por normas programáticas de eficácia limitada.
O
Estado Social também se faz presente nas relações privadas, porquanto as
empresas e organizações devem ajustar seus objetivos às normas da lei maior e à
legislação ordinária com ela conformado.
O PRINCÍPIO DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Com
este princípio tenciona-se alcançar um modelo que ponha em evidência o homem e
a sua dignidade, sendo a um só tempo o Estado da Legalidade e o modelo de
Estado que oportuniza a participação do povo no processo e decisão políticos,
legitimando o exercício do poder. Aí impera o ambiente jurídico da legalidade
constitucional que deve conformar a sua concretização aos valores e princípios
constitucionais em atendimento à igualdade substancial.
No
Estado Democrático de Direito, ao buscar a efetivação da igualdade material, o
princípio volta-se para a justiça social, se inserindo regras inerentes à
solidariedade, assim como uma maior participação do cidadão, resultante da
democracia participativa, o que legitima as ações do Estado.
No
Brasil, tem-se um sistema democrático misto. A democracia representativa, com
eleições de representantes do povo e dos Estados por processos eleitorais. De
outro lado, meios de participação direta como o plebiscito, o referendo e a
iniciativa popular, decorrentes da democracia participativa.
Entretanto,
a força do poder econômico tem sido decisiva nos processos eleitorais,
desvirtuando-os em função de interesses escusos, o que compromete,
principalmente, a garantia dos direitos fundamentais.
Em
uma Constituição estruturada sobre esse princípio, os direitos fundamentais têm
função ordenadora de todo sistema jurídico, propiciando o debate acerca da
igualdade material e não apenas jurídica.
A
efetivação desse princípio exige do legislador, do administrador e do juiz um
compromisso com a concretização das normas constitucionais e ordinárias,
mediante um contexto que inclui, no Brasil: a supremacia e a força normativa da
Constituição; o princípio da soberania popular; o regime democrático,
representativo e participativo; a isonomia e proteção dos direitos
fundamentais; a legalidade e a divisão dos poderes; a proporcionalidade e o
devido processo legal; a justiça social e o fundamento da dignidade da pessoa
humana.
O PRINCÍPIO DA CIDADANIA
A
cidadania implica direitos e deveres ao indivíduo, fazendo-o co-participante
dos poderes constituídos; num sentido estrito, é a concessão de direitos
políticos ao eleitor num Estado Democrático de Direito.
Adjetivar
uma Constituição de “cidadã” é garantir à sociedade assistida a maior liberdade
de participação, aperfeiçoando a democracia, o que é alcançado com o
reconhecimento dos direitos fundamentais.
O
princípio da cidadania é tratado como valor interno e internacional, pois ao se
reconhecerem direitos ao cidadão em face dos Estados, além dos direitos de
diplomacia, há de se concluir pela necessidade de instalação de tribunais
internacionais, onde os indivíduos recorreram quando lesados em seus direitos
fundamentais e não reparados no âmbito interno.
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Segundo
Maria Garcia, a dignidade da pessoa humana compreende o ser humano na sua
integridade física e psíquica como autodeterminação consciente, garantida moral
e juridicamente. É o valor que conduz ao caráter universal dos direitos
fundamentais. É uma qualidade de ser do homem como tal.
Esse
princípio é o de maior grau de indeterminação e uma das fontes mais consultadas
da Constituição, por justificar o Estado Democrático de Direito em favor dos
direitos fundamentais, consolidando um modelo de democracia voltada à justiça
social.
A
dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundantes da Constituição
brasileira e representa o valor dos mais elevados da sua hierarquia, que conduz e orienta as ações dos
poderes públicos, legitimando-as. Realidade que situa esse princípio em todos
os Títulos da Lei maior, como se ela fosse “uma sinfonia de uma nota só”.
Constitui-se
também em norma orientadora das ações privadas, apartando, das relações
jurídicas de particulares, práticas discriminatórias ou que atentam contra a
igualdade.
Sendo
o grande princípio de direito internacional dos direitos humanos e um valor
constitucional interno, percebe-se a gravidade da sua violação nas relações
jurídicas privadas e públicas.
O PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL
Os
Estados, ao se encaminharem para uma solução conjunta no âmbito das políticas
comuns, disponibilizam o máximo de recursos técnicos, humanos e financeiros,
ajudando-se com objetivos humanitários.
Esse
princípio possibilita que um Estado alie-se a outros por meio de normas de
direito internacional, celebrando tratados, Resoluções e outros, devidamente
monitorados pela rede de proteção dos direitos humanos.
É
considerado mais uma norma a somar na direção do monismo com prioridade do
direito internacional, incluindo o Estado brasileiro na grande ordem jurídica
internacional, com todos os benefícios e deveres decorrentes.
O
autor propõe o uso das instâncias universais e regionais de proteção, a fim de
acolher as denúncias e queixas, o que motiva a alteração da decisão alheia à Constituição
e ao sistema como um todo.