O
livro de Jostein Gaarder concebe romance em que o major a serviço de um
regimento da ONU no Líbano, Albert Moller Knag, quer presentear sua filha, Hilde
Moller Knag, com um livro de filosofia no aniversário de seus quinze anos.
Como não encontra nenhum volume a oferecer uma linguagem jovial, resolve, ele mesmo,
escrevê-lo.
A
trama acontece em Oslo e vizinhanças, Noruega, quando o major começa a enviar
cartões-postais para sua filha Hilde, prometendo-lhe um presente de aniversário.
Só que, simultaneamente, cópias dos cartões eram enviadas para uma desconhecida
Sofia Amundsen, que completará quinze anos no mesmo dia de sua filha. Sofia,
sem nada entender, é convocada por um filósofo, Alberto Knox, a receber aulas
de filosofia. Sem alternativa, acaba aceitando o convite, ocorrendo a
princípio por correspondência. Antes do final do curso, os dois descobrem que
são apenas personagens do livro do major Albert Knag e lutam até o final da estória
para, usando seus conhecimentos filosóficos e o apoio de Hilde (que toma
conhecimento de tudo por meio da leitura do livro a partir de seu aniversário),
se desvencilhar do seu controle, o que acontece em parte.
Contextualizada
no romance, a filosofia é revisitada desde a Grécia Antiga aos dias atuais. Da
mitologia antiga, recorda-se que havia “um equilíbrio precário entre as forças
do bem e do mal”. Dando os primeiros passos na direção de uma forma científica
de pensar, os primeiros filósofos de que se tem notícia, de Tales de Mileto a
Anaxágoras, os chamados filósofos da natureza, concluem que “nada pode surgir
do nada”. Demócrito pensou numa rudimentar teoria atômica em que o átomo e o
vácuo compunham tudo na natureza.
O
primeiro dos três filósofos da antiguidade que mais influenciaram a civilização
ocidental foi Sócrates. Centrando
seus pensamentos no homem, utiliza-se da técnica de diálogo “maiêutica”, pela qual
ensinava seu interlocutor a buscar novos conhecimentos contrariando suas ideias
iniciais, num contínuo processo dialético de tese e antítese. Afirmava que “mais inteligente é aquele que sabe que não sabe.” Já Platão utiliza-se da Alegoria da
Caverna e da Analogia da Linha, além da maiêutica de Sócrates, para construir a
teoria das ideias. O Bem maior, que representa o verdadeiro conhecimento, no
mundo imutável do inteligível, correlaciona-se ao Sol no mundo mutável do
sensível. Somente o filósofo seria capaz de alcançar esse Bem maior e que, por
isso, era este quem deveria governar. Ele estabelece que a conduta moral humana
deve ser conduzida pela alma, que estaria no mundo do inteligível. Por outro
lado, Aristóteles considerava a
forma de uma coisa sua característica própria, a substância o material de que
se compõe e a ideia a experiência do homem vivida com aquela coisa; portanto,
para ele, as ideias não seriam inatas, como dizia Platão. Além disso,
Aristóteles tentou organizar e por ordem em todos os conceitos do homem. Em
relação à política, ele pensou em três formas como o Estado deveria ser
organizado: a monarquia, em que há um único chefe de estado, mas que pode se
tornar uma tirania; a aristocracia, um grupo maior de soberanos governa o
Estado, mas que pode degenerar para oligarquia; e a democracia, governo de todos,
mas que pode se transformar no domínio da plebe (receio da alta burguesia no Brasil atual?).
Após
o séc. IV a.C., com o início do Helenismo, o legado filosófico grego
“internacionalizou-se”, sendo que aos ensinamentos de Sócrates, Platão e
Aristóteles não houve inovação. Neste período, destacaram-se: os cínicos, ao defenderem que a verdadeira
felicidade não estava nas coisas casuais e efêmeras como o luxo, o poder
político e a saúde, podendo, por isso, ser alcançada por todos; os estoicos, idealizadores do direito
natural, que defendiam a ideia de que as legislações dos Estados eram imitações
imperfeitas de um direito que se fundava na própria natureza, bem como de que o
homem deveria aceitar o seu destino, seja ele qual for; e os epicúreos, que buscavam refúgio pessoal
e quase não se interessavam por política e pela sociedade, de forma que sua
filosofia libertadora se baseava nos remédios: “não precisamos temer os deuses.
Não precisamos nos preocupar com a morte. É fácil alcançar o bem. É fácil
suportar o que nos amedronta.” Além disso, o neoplatonismo de Plotino se destacou como doutrina de salvação que
chegou a concorrer com o cristianismo já vigente à época. O mundo é distendido
em dois polos: o Uno e as trevas absolutas. O Uno iluminava a alma, e a matéria
era considerada as trevas. Lembrando a alegoria da Caverna de Platão, dizia que
quanto mais próximo da caverna, mais perto de tudo que existe. No entanto,
entendia que tudo é um, pois tudo é Deus.
O
autor explica que a entrada do Cristianismo no mundo greco-romano significou o
dramático encontro de dois círculos culturais: o indo-europeu, politeísta, e o
semita, monoteísta. No primeiro, havia uma “visão cíclica da história”, da
mesma forma que as estações do ano, não havendo um começo nem um fim. No
segundo círculo, havia a “visão linear da história”, em que Deus criou o mundo
e assim começou a história, que terminará no dia do Juízo Final. Deste modo, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, de origem semita, bem como o Hinduísmo
e o Budismo, de origem indo-europeia, sofreram influências religiosas e
filosóficas das civilizações que os antecederam.
Enfoca
que, durante o mergulho nas profundezas da Idade Média, a cultura greco-romana foi de certa
forma preservada, quando se dividiu em três difusões representadas pela cultura
católico-romana, influenciada pelo neoplatonismo, pela cultura romano-oriental,
por meio do legado de Platão, e pela cultura árabe no sul, com grande
influência de Aristóteles. Estas três propagações culturais reencontraram-se no
norte da Itália, no final da Idade Média. É de
se ressaltar também a influência que Platão e o neoplatonismo exerceram sobre o
filósofo católico Santo Agostinho,
na Alta Idade Média. Para salvar a concepção platônica das ideias eternas, ele
atribuiu a Deus estas ideias, de maneira que antes de Deus ter criado o mundo,
as ideias já estavam dentro de Sua cabeça. Outro importante filósofo católico
foi São Tomás de Aquino, já na Baixa
Idade Média. Este, influenciado pelos conhecimentos trazidos pelos árabes, que
antes invadiram a Espanha, acabou por adotar a filosofia aristotélica em tudo
que não contrariava a teologia da Igreja Católica.
Do
encontro das três difusões oriundas da antiguidade, no final do séc. XIV,
surgiu o Renascimento no norte da Itália, proliferando-se por toda a Europa nos
séc. XV e XVI. Opunha-se à natureza pecadora do homem da Idade Média, ao propor
a volta do humanismo, mas agora marcado pelo individualismo, em que o homem
renascentista se ocupa de todos os aspectos da vida, da arte e da ciência. Por
meio do método empírico, baseado na observação, houve grande impulsão no
conhecimento científico, sobretudo com Copérnico, Kepler, Galileu e Isaac
Newton. É neste contexto que erguem-se os reformadores da Igreja Católica, como
Martinho de Lutero e Erasmo de Roterdã, ao defenderem que o homem não
necessitaria da intermediação da Igreja ou dos sacerdotes para obter o perdão
de Deus. Em oposição a esta ideia, surge o movimento contrarreformista, trazendo em seu bojo o Barroco
com seus mistérios, incertezas e irracionalidades.
Para
apaziguar tais incertezas, emerge o Racionalismo de René Descartes, que se
tornou o responsável pela reunião do pensamento contemporâneo num único sistema
filosófico, fundado na razão. Dentre os vários pensadores, destaca-se, além de
Descartes, Spinoza, segundo o qual, "Deus não é um manipulador de fantoches".
O otimismo cultural era tanto a ponto de se acreditar que a irracionalidade não
mais desempenhasse uma força tão vital em relação ao Homem. Tais ideias
culminam com o Iluminismo de Kant, movimento precursor da Revolução Francesa.
Entretanto, para
a compreensão total do mundo, somente a racionalidade humana não seria suficiente,
havendo de ser complementada pela imaginação, a sensação, os sentimentos, a intuição, etc., afirmavam os idealistas do Romantismo de Rosseau, Schelling, Hegel e
Marx; com referência até a Darwin e Freud, estes já influenciados pelas ideias Naturalistas.
Entre
os filósofos românticos, Hegel tem maior destaque, contribuindo com a concepção
de que existem verdades acima da razão humana e de que a filosofia, ou todo
pensamento, por conseguinte, não poderia ser desvinculada do seu contexto
histórico, numa visão dialética da realidade. Desenvolveu a teoria da tese,
antítese e síntese, mostrando a teoria do dinamismo da razão humana.
O
autor de "O mundo de Sofia" continua a percorrer as questões filosóficas, passando pelo Existencialismo de Jean-Paul Sartre, pela Ecofilosofia, antecipando-se aos
problemas ambientais atuais, e até pela ideia do Big Bang, para relacioná-la com
a concepção linear da história no cristianismo, dada a expansão indefinida do
universo, em contraposição à visão cíclica da história na filosofia indo-europeia.
Dessa forma, em que pese o fraco final do livro para desfazer a relação entre o suspense tramado na estória e a história filosófica, foi
promovida uma explanação geral da filosofia, a partir das perguntas
simples “quem é você?” e “de onde vem o mundo?”, na pretensão de trazer as
pessoas ao cerne das questões que envolvem a nossa existência, por meio de um romance de leitura lúdica
e intrigante, altamente recomendável a todos e todas.