Fichamento do texto "Federalismo Regional num País Periférico", BONAVIDES, Paulo. In: BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson
Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira (Coord.). Constituição e democracia: estudos
em homenagem ao Professor J.J. Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006.
Federalismo e unitarismo no
Brasil
A regionalização de uma federação por meio de outorga de autonomia
regional é muito mais difícil que regionalizar, com este “status”, um Estado
unitário.
Para combater as desigualdades regionais, houve, no Brasil, duas frentes
conjugadas, até agora sem êxito: uma no campo político e
jurídico-constitucional; outra no campo econômico e administrativo.
A descentralização foi promovida pelos políticos liberais do Império,
que não executaram as reformas constitucionais cabíveis quando assumiram o
poder, consentindo que políticas unitaristas opostas ao sentimento nacional e
ineficazes num território continental prevalecessem, acentuando o caráter
centralizador da organização do País. Resultado, políticas adversas à
Constituição formal no período republicano. O nome Estados Unidos do Brasil,
pouco acrescentava à natureza supostamente federativa do sistema, apesar da
correspondência, em termos formais, com as correntes reformistas liberais da
monarquia.
O instrumento político das intervenções federais permanecia inalterado
representando a presença da interferência da União sobre as ex-províncias do
Império, elevadas, de repente, à categoria constitucional de entes autônomos.
Instrumento este unitarista determinado pela tirania das camadas oligárquicas,
oriundas da monarquia.
O Estado regional ainda está por constituir-se. Criá-lo só é possível
numa ordem federativa, que proponha novo modelo de ordenamento autônomo, em que
a autonomia política se qualifique como poder de relevo constituinte.
A erradicação das desigualdades regionais no campo político e
constitucional
A Região Nordeste, que
enfrentou calamidades cíclicas provocadas pelo fenômeno das secas, apesar de
outrora bastante influente, sofreu um extremo declínio, após o insucesso de
medidas administrativas efêmeras.
A partir da realidade nordestina, foram
introduzidos dispositivos nas Constituições de 1934 e 1946 de evidente teor
regional com o fim de enfrentar os efeitos daquela tragédia em terreno
constitucional.
As Regiões se tornaram objetos de preocupações
de ordem institucional na esfera constitucional. Porém, em seus conteúdos normativos a “Questão Nordestina” foi ignorada pelo
constitucionalismo de fachada, outorgado pela ditadura militar.
A Constituição de 1988 fez reemegir a importância que assumem as Regiões
no contexto econômico, político, social e jurídico do País. Ela avança quando:
no art. 3º, III coloca o problema das Regiões e do bem estar social no patamar
de princípio constitucional, que, combinado com o art. 5º, § 2º, é considerado
um direito e garantia fundamental; e no art. 43, dispositivo longo dedicado
exclusivamente às Regiões.
A constitucionalização administrativa das Regiões deve ser considerada
como significativo passo para vencer o atraso e os obstáculos ainda existentes,
que impedem a Federação brasileira de incorporar as Regiões na estrutura do seu
sistema associativo.
Houve uma enorme inovação quando se introduziu formalmente o Município
na Federação, como reza o art. 1º, da CF. A abertura regionalista da
Constituição de 1988 dá alento à esperança de que em futuro não distante possam-se
remover os obstáculos que tem retardado uma política de desenvolvimento
regional, em conexão com o nacional, pois um é ligado ao outro.
As menções da Constituição atual à problemática regional prosseguem com
grande relevância nos dispositivos: art. 21, IX; art. 25, § 3º; art. 48, IV; art.
151, I; art. 159, I, c; art. 165, §§ 1º, 4º, 6º e 7º; art. 166, § 1º, II; art.
170, VII. Já no ADCT, os dispositivos: art. 34, § 10, I, II, III, § 11; art.
35; art. 40; e art. 42.
O espírito da regionalidade impregnou o constituinte de 1987-1988. Mas a
Constituição não deu a esse ser econômico, social e cultural, o reconhecimento
político a que ele faz jus em termos de autonomia. Esta situação aponta para um
fator de crise e de conflitos que já se percebeu e avultaram naquele espaço
regional pela dissolução, em 2001, de órgãos de desenvolvimento regionais, em
que pese a restituição de alguns mais recentemente.
A erradicação das desigualdades regionais por
obra do Poder Executivo e dos órgãos regionais de desenvolvimento
As medidas concretas que se tomaram no campo econômico e administrativo
com o fim de minorar os efeitos dos desequilíbrios regionais e lograr mais
solidez nas estruturas do sistema federativo não alcançaram resultados à altura
das expectativas reinantes em distintas épocas republicanas no tocante à
solução do referido problema, que ameaça a estabilidade do regime.
A problemática regional só se tornou uma preocupação pública permanente,
pelo menos na Região Nordeste, quando o Governo Federal criou, ao fim da
primeira década do século passado, a Inspetoria de Obras Contra as Secas
(IOCS), que, a partir de 1919, passou a se chamar Inspetoria Federal de Obras
contra as Secas (IFOCS).
A década de 50 foi, após a criação do Banco do Nordeste, o grande marco
histórico, em relação aos problemas nordestinos, os quais costumavam ser
tratados pela via assistencialista, emergencial, paliativa e episódica de uma
política de governo inconsistente, pois, transcorrido o ciclo das secas, logo
caiam no esquecimento.
O problema regional, como visualizado principalmente pelo ângulo
econômico, deixava de ser só um problema na Região e da Região para ser também
um problema no País e do País, assumindo um caráter nacional, já que não
ocupava a consciência governante enquanto questão de uma Região, mas de todas
as Regiões. Desse modo, era vista por perspectiva nova as desigualdades regionais
e sociais, em que residia a rede nervosa de toda a problemática.
Neste contexto, foi criada a SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste), em 1959, que se destinava a descer às raízes reais do problema,
como era o objetivo de seu criador, Celso Furtado. Entretanto, os Presidentes
da ditadura militar dele se desviaram, com graves danos para o País e às
Regiões.
A SUDENE foi o ponto de partida para a reestruturação do sistema
federativo. Almeja-se êxito na criação de instâncias regionais de poder
autônomo, passando-se do planejamento econômico regional ao planejamento
político nacional sobre bases regionais.
Poder-se-á, assim, inaugurar no País um novo federalismo, provavelmente
mais sólido e mais conforme à natureza da realidade nacional, com a introdução
do federalismo das Regiões, sem supressão dos demais entes autônomos da
República Federativa, os Estados-membros e os Municípios (art.1º, caput, da CF).
Na mesma linha de pensamento, para servir à política de desenvolvimento
regional, criaram-se outras superintendências: primeiro, a SUDAM
(Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) em 1966; a seguir, a SUDECO
(Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro- Oeste) e a SEDESUL
(Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul), ambas de 1967.
Desviadas de suas finalidades radicadas no desenvolvimento e no serviço
da redução das desigualdades regionais e sociais, se converteram, por obra da
ditadura, em instrumentos estéreis e impotentes para alcançar os objetivos
superiores a que estavam destinadas, acabaram sendo extintas, em 2001, por
Medidas Provisórias do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.
De autarquias federais, a SUDENE e a SUDAM passaram a duas Agências
inexpressivas e efêmeras: a Agência do Desenvolvimento da Amazônia (ADA) e a
Agência do Desenvolvimento do Nordeste (ADENE).
Em 2003, o primeiro governo constitucional de centro-esquerda do Brasil,
encabeçado por Luís Inácio Lula da Silva, deu o passo concreto para restaurar
os órgãos regionais de desenvolvimento suprimidos na gestão antecedente,
assinando e encaminhando ao Congresso Nacional projeto de lei complementar que
recria a SUDENE.
No quadro da crise federativa do Brasil, se não houver a integração
nacional por via regional, mais uma vez o país ficará condenado a ser um Estado
e não uma nação. Aquilo que é uma guerra fiscal de Estados, ou entre Estados,
ou entre Estados e a União, poderá com o tempo se transformar numa guerra
civil, ou numa eventual alternativa de ditadura feroz, com risco de dissolução
do pacto federativo, de quebra da unidade nacional e de destruição do Estado de
Direito.
A vontade historicamente unitarista do Poder Central e a frouxidão
decaída das autonomias dos Estados-membros se chocam com a vontade regional,
que, por não se organizar nem se institucionalizar, faz efervescentes os
descontentamentos e as frustrações latentes, provocadoras da crise em curso.
Conclusão: o paradoxo da regionalização política no Estado Federal
É mais dificultoso concretizar num país federativo a descentralização
regional, em grau político superior, do que num país unitário, onde a tradição,
a teoria, os elementos históricos inculcam, de ordinário, a centralização e não
a autonomia.
Vinga o paradoxo: o Estado unitário tem favorecido mais as Regiões, em
matéria autodeterminativa, do que o Estado federal. Conforme exposto, em sede
constitucional, as Regiões foram mais reconhecidas e aquinhoadas e adquiriram
mais poder autônomo no Estado unitário que nas repúblicas federativas.
A globalização a que estamos inseridos é desregionalizante,
desestatizante, desnacionalizante e desconstitucionalizante; desfaz a imagem e
o perfil do Estado soberano historicamente; do Estado da tradição clássica, que
evoluiu para o moderno Estado constitucional, o Estado de Direito, o Estado das
liberdades públicas e da separação dos poderes, aquele que, desesperadamente,
na contramão da globalização, busca ser também em nossos dias o Estado dos
direitos fundamentais de todas as dimensões.