sexta-feira, 15 de junho de 2012

RESENHA DO LIVRO: "ARMAS, GERMES E AÇO: OS DESTINOS DAS SOCIEDADES HUMANAS"

Resenha do livro: DIAMOND, Jared Mason. Armas, Germes e Aço: os destinos das sociedades humanas. Tradução de Sílvia de Souza Costa. 11. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.

Capa do livro
A proposta é responder o porquê das diferenças econômicas, sociais e culturais entre as sociedades ditas industrializadas e as demais, enfocando a história da humanidade desde o seu surgimento, há cerca de sete milhões de anos. Explica também como a Europa acabou conquistando e colonizando todos os continentes e não o contrário. Para tanto, avalia não ter havido razões raciais ou somente intelectuais e sim variáveis ambientais positivamente retroalimentadas, as quais investiga, lançando mão, implicitamente, da arqueologia, geografia, economia, oceanografia, história, biologia, antropologia, sociologia, astrofísica e até da linguística, tudo em uma linguagem compreensível a qualquer leitor, o que torna altamente recomendável a leitura da obra, cujo título original é "Guns, Germs and Steel: the fates of human societies".
A ideia do livro nasceu da insatisfação do autor, em viagem de pesquisa à Papua-Nova Guiné, Oceania, ao tentar responder a um nativo que o questionou por que os produtos do seu país quando lá chegam dizimam rapidamente a produção e uso dos similares locais.
Informa que o homem iniciou sua saga a partir da África Equatorial, chegou à Ásia por volta de um milhão de anos a.C., à Europa em 500 mil, à Austrália por volta de 40 mil, à Sibéria, 20 mil, alcançou a América em torno de 12 mil anos a.C. pelo Estreito de Bering, no final da última Era Glacial, e a Groenlândia em 2 mil a.C. Partindo do sudeste da China, povoou as ilhas do Pacífico, alcançou o Havaí no século VI d.C., a ilha de Madagascar, próxima à África, oceano Índico, por mais incrível que possa parecer, no século VI, e a Nova Zelândia no século XI d.C.
Sustenta que no período Neolítico, cerca de 8.500 a.C., iniciou-se a domesticação de plantas e animais no Oriente Médio, dada a fertilidade do Crescente Fértil e a abundância ali de gramíneas, típicas de pradarias, à época pós Era Glacial, onde havia possibilidade de cultivo da mesma cultura o ano inteiro pela movimentação das tribos nas diferentes altitudes do relevo. Excedente de alimentos, aumento populacional, sedentarismo, mais gente para pensar, inovações tecnológicas, exploração dos metais, fabricação de armas, excedente de produtos agrícolas e de animais, aumento das trocas (escambo), surgimento do comércio, invenção da roda e da escrita, formação de aldeias e cidades, organização política, tudo isso, a história convencional já nos traz. Mas o que ela não nos esclarece é que os processos iniciados e acelerados no Oriente Médio, dadas as condições propícias, se alastraram para o leste e para o oeste da Eurásia (Ásia e Europa, respectivamente) e para o norte da África, antes de as sociedades destes locais reunirem independentemente condições de iniciá-las. Sem grandes diferenças de latitudes e, portanto, com condições climáticas semelhantes ao longo do seu maior eixo, a Eurásia pôde distribuir e absorver rapidamente este pacote tecnológico, ao qual logo se adaptava, da Índia à Europa Ocidental. Vale salientar que a China também desenvolveu a domesticação de plantas e animais em torno de 7.500 anos a.C., bem como a escrita, 1.300 a.C., de modo autônomo, haja vista a dificuldade inicial representada pela cadeia do Himalaia; processos que depois foram intercambiados por rotas interiores, como a “rota da seda”. 
Afirma o autor que, além das vantagens já descritas, o continente eurasiano, por sua grande extensão interior, possuía e pôde preservar, durante as Eras Glaciais e perante a ação dos caçadores-coletores humanos, maior quantidade de plantas e animais domesticáveis de grande porte que os demais continentes. Cavalo, vaca, ovelha, cabra, búfalo-da-índia, porco, burro, camelo e dromedário foram as espécies animais, herbívoras ou onívoras antigas, domesticadas na Eurásia ou na África mediterrânea, enquanto somente a lhama e a alpaca foram domesticadas nos Andes. Neste aspecto, a África subsaariana nada contribuiu, uma vez que, ali, todos os grandes animais herbívoros ou onívoros não se mostraram domesticáveis tais como: elefante, zebra, girafa, hipopótamo, etc; alguns deles amansáveis, o que é diferente. Além disso, importante constatação refere-se aos eixos de maior extensão dos continentes, sendo leste-oeste para a Eurásia, com pouca variação climática, e norte-sul para as Américas e para a África, com enormes variações de latitude e, portanto, de clima. Outrossim, os céus semelhantes eurasianos, dados a direção de seu maior eixo e o sentido de rotação da Terra, contribuíram para um melhor desenvolvimento astrofísico desses povos. Ora, tais vantagens foram importantes para difundir em maior grau o que era desenvolvido pelos grupos humanos locais. Certo, então, é que todo o legado cumulativamente adquirido desde os grupos pré-históricos da Eurásia, as civilizações orientais, bem como a egípcia, a grega, a romana, a bizantina e a árabe, até as civilizações medievais e modernas, desaguou nos séculos XV e XVI renascentistas, ponto de partida para novas mudanças.
Também é certo que houve centros independentes de origem e produção de alimentos no Sahel, na região da Etiópia e no oeste africanos, no leste dos EUA, na Mesoamérica (México e norte da América Central), na Amazônia e nos Andes; porém, tais centros pouco se alastraram, haja vista as dificuldades de adaptação das culturas ao longo do eixo norte-sul destas regiões que, no caso da África, ainda contava com a intransponível barreira do deserto do Saara.
Assevera que as doenças adquiridas no contato com as várias espécies vegetais e animais domesticadas fizeram o homem eurasiano alcançar maior imunidade ao longo dos séculos, o que, ao lado das armas de metal, dos cavalos, das carroças e da estratégia - esta propiciada pela escrita -, tornou-se mais um diferencial para a formação de um verdadeiro arsenal de guerra, determinante na conquista dos demais continentes. Relata o autor a batalha de Cajamarca - cidade do Império Inca, a mais importante civilização fora da Eurásia - em 1532, entre 168 espanhóis, liderados por Francisco Pizarro, e cerca de 80.000 ameríndios, comandados pelo imperador Ataualpa. Parte deste contingente foi morta pela carga dos germes eurasiana transmitida pelo simples contato para cumprimento e informações entre o líder espanhol e os emissários do imperador inca, que se deu dias antes no litoral peruano. Após certo planejamento, em poucos minutos, Pizarro, com 62 homens a cavalo e 106 na infantaria, além de espadas e outras armas e armaduras de aço, dizimou o restante da tropa inca, que conduzia armas de pedra e bronze, tacapes de madeira, machados e armaduras de pano acolchoado, capturando seu imperador.
Mas por que a hegemonia europeia em relação à Ásia? O autor explica que no ano de 1.400 a China era mais desenvolvida tecnologicamente que a Europa, pois, além de todo o legado eurasiano mencionado, já possuía frotas náuticas com navios de até 440 pés, a ponto de explorar a costa leste do continente africano. Após este período, o enfraquecimento da dinastia Ming, fez o novo imperador, desativar todos os estaleiros chineses, um retrocesso para este país continental. Processo semelhante se deu mais recentemente, quando Mao Tsé-Tung impôs a destruição de livros e relíquias históricas, assim como de locais religiosos; mais um recuo para a cultura chinesa. Cada decisão atingia todo o país, unificado desde o século II a.C. Já a Europa, como se sabe, nunca foi unificada, o que propiciou, por meio de constantes competições entre os vários povos e etnias, além da presença do abrigado mar mediterrâneo e de sua costa insular, uma vagarosa e sempre crescente apropriação de legados, apesar do feudalismo. Tal processo acelerou-se com o Renascimento, Mercantilismo, desenvolvimento naval, Grandes Navegações, colonialismo, Reforma Protestante, Iluminismo, Revoluções Gloriosa e Francesa, Revolução Industrial, consolidando o enriquecimento e a hegemonia perante os demais continentes até o desabrochar americano, no século XX, que também não deixou de ser "europeu".
Entretanto, já se enxergam sinais de mudanças que denotam a volta da China como potência hegemônica, o que pode ocorrer ainda na primeira metade deste século, segundo previsão de renomados especialistas. Permaneceria, de qualquer sorte, a hegemonia cultural eurasiana.

4 comentários:

  1. Ticiano, na minha visão o conhecimento dessa obra é fundamental desde que o utilizemos com discernimento e intuito de elevação moral, não apenas na alimentação de qualquer sentimento de vaidade, orgulho ou raiva pelo fato de acreditar pertencer à classe dos conquistadores ou conquistados, nem a admiração pelo modo como a maioria das conquistas se deram para daí atribuirmos-lhe algum mérito.
    Apesar da possibilidade de prospectar o futuro numa amplitude limitada com as informações que a ciência hoje disponível nos fornece sobre o passado, devemos lembrar que a ciência está fundamentada nos sistemas e leis formuladas pelo ser humano dentro daquilo que lhe é perceptível aos sentidos, não raros são os acontecimentos que fogem a esse entendimento e não devemos ficar limitados a ele, elevando sempre o nível dos questionamentos sempre com foco no nosso adiantamento moral e no amor ao próximo.

    Nicholas Cunha

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    1. Acredito ser esta obra importante para quem milita em qualquer área do conhecimento, exatamente como ponto de partida para toda a análise que possa ser feita sobre o passado, o presente e o futuro da humanidade, extirpando de vez as teorias que consideram o desenvolvimento do homem como resultante de superioridade étnica ou racial. Ressalto que, conforme relata o autor do livro, a religião foi usada como legitimadora de todas as conquistas, como aconteceu em Cajamarca - na batalha havia um bispo que a ordenou, após a rejeição da Bíblia pelo Chefe inca. Assim, será que havia amor na tentativa de catequizar os ameríndios? Ou a intenção era doutrinar conforme seus valores morais e culturais, com intuito de colonizar e se apropriar de todas as riquezas, o que de fato acabou ocorrendo?

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  2. Carlos Eduardo do Nascimento Cesar26 de junho de 2012 às 05:02

    O maior ganho na discussão de obras como esta, dá-se no estímulo ao questionamento ao invés da simples aceitação - e da mera reprodução - de conceitos pré-fabricados. Acredito que se discutíssemos tais idéias à época da escola, por exemplo, teríamos hoje, talvez, uma sociedade mais crítica e mais consciente do fato de que somos todos, colonizadores ou colonizados, igualmente capazes.

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  3. Esta obra, acredito eu ser de suma importância para qualquer ser humano de qualquer etnia, servindo até mesmo como elevador de moral para um indivíduo desacreditado em si mesmo por achar que sua etnia é inferior. Esses questionamentos realizados e respondidos neste livro, até então, sem respostas para mim, me tornaram hoje uma pessoa melhor.

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