quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

ENSAIO - ESTADOS SOBERANOS NO CONTEXTO DA SUBIDA DO NÍVEL DO MAR: REQUISITO TERRITORIAL E RESPONSABILIDADE À LUZ DE PIERRE BOURDIEU

Série acadêmica

ESTADOS SOBERANOS NO CONTEXTO DA SUBIDA DO NÍVEL DO MAR: REQUISITO TERRITORIAL E RESPONSABILIDADE À LUZ DE PIERRE BOURDIEU[1]


Para citar este ensaio: SOUSA, M. T. A.; SOUSA, M, J. M. Estados soberanos no contexto da subida do nível do mar: requisito territorial e responsabilidade à luz de Pierre Bourdieu. MTiciano Sousa. Natal, 03 jan. 2024. Disponível em: https://mticianosousa.blogspot.com/2024/01/estados-soberanos-no-contexto-da-subida.html. Acesso em: DD/MM/AAAA.


RESUMO

O território é o requisito principal do Estado soberano, enquanto sujeito de direitos e obrigações, no Direito Internacional Público e no Direito do Mar. Pretende-se analisar se este paradigma resistiria à ameaça de desaparecimento de países insulares e costeiros provocada pela subida do nível do mar. E como o Estado lesado seria capaz de postular a responsabilidade por fatos internacionalmente ilícitos que redundaram nesta elevação. Para tanto, utiliza-se a pesquisa bibliográfica exploratória relativa à doutrina especializada e ao regime jurídico internacional, sob o crivo de Pierre Bourdieu. Constata-se a necessidade de criar Entidades Sociais com legitimidade e titularidade para suscitar a responsabilidade internacional de Estados terceiros.

PALAVRAS-CHAVE: Estado soberano; Território; Subida do nível do mar; Entidade social; Responsabilidade internacional.

 

SOVEREIGN STATES IN THE CONTEXT OF SEA LEVEL RISE: TERRITORIAL REQUIREMENT AND RESPONSIBILITY IN THE LIGHT OF PIERRE BOURDIEU 

ABSTRACT

Territory is the main requirement of the sovereign State, as subject of rights and obligations, in Public International Law and the Law of the Sea. It aims to analyze whether this paradigm would resist the threat of the disappearance of island and coastal countries caused by rising sea level. And how the injured State would be able to claim responsibility for internationally illicit acts that resulted in this elevation. To this, exploratory bibliographical research is used regarding specialized doctrine and the international legal regime, in the light of Pierre Bourdieu. There is a need to create Social Entities with legitimacy and ownership to raise international responsibility from States.

KEYWORDS: Sovereign State; Territory; Sea level rise; Social Entity; International responsibility.

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Contextualização fática da subida do nível do mar; 3. Paradigma do território como pilar dos Estados soberanos; 4. Responsabilidade internacional pela perda parcial ou total do território de um Estado; 5. Considerações finais.

 

1. INTRODUÇÃO 

Todo o regime jurídico internacional, é dizer, o Direto Internacional Público, Direito Internacional do Mar, Direito Internacional do Ambiente e outros deste âmbito, está consubstanciado no paradigma do território como um pilar principal do Estado-nação soberano, para habilitá-lo como sujeito de direitos, de obrigações, de legitimidade e de autodeterminação.

No entanto, o que poderia acontecer juridicamente, se o Estado-nação assistisse à submersão física do seu próprio território em decorrência da subida do nível do mar? E quem seriam os responsáveis por tal situação? Este é um contexto deveras extravagante e excepcional, qual seja, a ameaça do desaparecimento territorial parcial ou total de países insulares e/ou costeiros de baixa altitude provocado pela subida do nível do mar, que, por sua vez, é decorrente do aquecimento global, o qual tem como causas principais as atividades humanas, fenômenos em cadeia cujas regulamentações são objetos de estudo do Direito Internacional Público, Direito Internacional do Mar e Direito Internacional do Ambiente.

Um dos objetivos do presente ensaio é analisar se o paradigma da teoria amplamente aceita de que o Estado-nação soberano, calcado no requisito territorial, em que governo e população desenvolvem os seus patrimônios culturais, sociais e econômicos, resiste às circunstâncias atuais de ameaça de desaparecimento de territórios. E, neste contexto, como o Estado afetado e seu análogo sem território seriam titulares da capacidade de postular, em face de Estados terceiros, a responsabilidade por fatos internacionalmente ilícitos que provocaram a elevação do nível do mar, assunto tratado como outro objetivo. Ressaltando-se, desde já, que tais objetivos serão confrontados, no que couber, com o texto “Para uma Sociologia da Ciência” de Pierre Bourdieu[2] e com o critério de falsificação de Popper.

Para tanto, esse trabalho baseou-se em pesquisa bibliográfica exploratória qualitativa relativa à doutrina especializada, ao regime jurídico internacional, aos costumes – incluindo os Projetos de Artigos acerca da responsabilidade internacional e da prevenção de danos transfronteiriços, ambos da Comissão de Direito Internacional (CDI) e a escassa jurisprudência –, à luz do sistema jurídico internacional e do referido texto de Pierre Bourdieu.

 

2. CONTEXTUALIZAÇÃO FÁTICA DA SUBIDA DO NÍVEL DO MAR 

Há estudos científicos no âmbito do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – órgão criado em 1988 por iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM) para estudar e acompanhar as mudanças climáticas[3] –, dando conta de que, até 2100, mantendo o cenário atual das emissões de gases de efeito estufa (GEE), o mar se eleve até 101 cm em relação ao que era no início do século XX[4], fazendo com que desapareçam total ou parcialmente Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID) e diminuam os territórios de países costeiros[5].

A situação da alteração climática é resultante, sobretudo, das atividades econômicas industriais – pela liberação dos GEE nos países industrializados em maior escala desde a revolução industrial – e agropecuárias – pelas derrubadas e queimadas das florestas a fim de expandirem as fronteiras agrícolas nos países em desenvolvimento.

Nesse sentido, pode-se constatar que há correlação entre a inflexão das curvas de mudança do clima com a revolução industrial a partir de 1830[6], ocorrendo acentuada variação no gradiente de aumento de temperatura nas últimas décadas[7], bem além do lento gradiente considerado natural entre os ciclos glaciais.

Todos os Estados insulares e costeiros correm o risco de serem afetados pela elevação do nível do mar, porém, as consequências parecem mais eminentes e iminentes nos PEID. O país insular Kiribati perdeu quase totalmente seu território, e o governo, antecipando-se à catástrofe do seu país, conseguiu comprar 20 km² de terras nas Ilhas Fiji e lá instala gradativa e provisoriamente sua população[8]. Solução temporária, porque, i) além de Kiribati, Estados como Tuvalu, Ilhas Marshall, Estados Federados da Micronésia e Palau, no Oceano Pacífico Sul, e Maldivas, no Oceano Índico, entre outros, começaram a sentir o encolhimento de seus territórios[9], pela falta de espaço, escassez de água doce e mantimentos, ou  ii) estes Estados não conseguirão honrar seus compromissos financeiros, porquanto pode faltar a sua maior fonte de subsistência, os recursos marinhos oriundos dos seus espaços marítimos.

Nesse contexto, Portugal, como país costeiro, já perdeu 13 km² de seu espaço territorial continental de 1958 a 2018[10]. No Brasil, a invasão do mar nas regiões costeiras tornar-se-á preocupante, caso a elevação de temperatura alcance 2ª C ou mais em relação à temperatura do período pré-industrial, de acordo com os cenários apresentados – para 1,5, 2, 3 e 4º C – em várias cidades pelo sítio do Mar sem Fim[11].

Todavia, a maioria dos estudiosos do Direito ainda têm focado o tema de maneira a que a existência continuada do Estado apenas seja assegurada conforme as regras tradicionais do Direito Internacional[12], tendo em conta, sobretudo, o requisito territorial.

Esse quadro fático levanta questões jurídicas que ensejam respostas do Direito Internacional Público, do Direito do Mar e do Direito Internacional do Ambiente, com o propósito de conformação e adequação às novas realidades.

 

3. PARADIGMA DO TERRITÓRIO COMO PILAR DA EXISTÊNCIA DOS ESTADOS SOBERANOS 

Historicamente, o Estado aparece próximo ao seu perfil moderno, e similar aos contornos atuais, entre os séculos XV e XVI, inobstante a existência de sociedades politicamente organizadas com elevado grau de desenvolvimento e autonomia, a exemplo das cidades de Veneza, Pisa, Modena, Milão e Bolonha, conhecidas por quebrar o isolamento do período medieval, ao intensificarem, entre elas e com outras sociedades, atividades de intercâmbio[13]. Bem antes, foram exemplos as cidades-Estados de Esparta e Atenas na Antiguidade Clássica.

Assim, o Estado sofreu transformações, sendo a principal delas decorrente dos Tratados de Paz de Westfália de 1648, em que os Estados passaram a possuir formas autônoma e independente com características soberanas e nenhuma subordinação a outro poder, inclusive o religioso[14]. A partir do final do século XVIII, o Estado moderno e a Nação moderna fundiram-se para formar o que se conhece hoje por Estado-nação, sujeito principal de direitos e deveres no Direito Internacional, consubstanciando uma instituição criada para organizar as atividades humanas dentro de um território[15].

Nesse sentido, pode-se afirmar que no Direito Internacional Público atual o Estado nasce quando restarem reunidos todos os seus elementos constitutivos, é dizer, “comunidade de indivíduos, território fixo e determinado, governo autônomo e independente e finalidade”[16].

Por outro lado, essa construção foi reforçada com o acréscimo da “Capacidade de entrar em relações com os demais Estados” na Convenção Panamericana sobre Direitos e Deveres dos Estados de 1933 (Convenção de Montevideo de 1933)[17], apesar de não constar o elemento “finalidade”, quando positivou, em seu art. 1.º, os requisitos para que um Estado seja reconhecido internacionalmente como tal, tornando-se, portanto, uma norma costumeira universal[18].

Ora, essa disposição dos requisitos para a formação do Estado soberano, de uma previsão regional, passou a ser tão substancial que alcançou o patamar de norma costumeira internacional, alçando o requisito do território à categoria de “princípio da territorialidade” em que orbitam as relações jurídicas internacionais dos Estados. O território é, portanto, a base da população, a área geográfica onde as pessoas se associam e se organizam, vindo a exercerem o seu direito à autodeterminação[19].

Na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) de 1982, Convenção de Montego Bay, nos arts. 3º e seguintes, há um princípio implícito de que “a terra domina o mar”[20], numa alusão a que os mares internos, territorial, bem como a zona contígua, zona econômica exclusiva (ZEE) e plataforma continental (PC), além dos recursos vivos e não vivos destes espaços, estão a depender juridicamente da porção territorial do Estado.

Quanto ao direito à autodeterminação, Catherine Blanchard sustenta que, do ponto de vista da autonomia e da independência, não pode ser plenamente exercido sem uma vinculação ao território. E, como não existe hoje territórios disponíveis, a única forma de garantir a autodeterminação dos povos dos PEID seria mudar a maneira de entender e aplicar os direitos territoriais[21].

O pilar da existência do território determinado já foi posto à prova no Direito Internacional em casos como: o da República Democrática Alemã, que foi absorvida pela República Federal da Alemanha; do povo judeu, que foi realocado no Oriente Médio pela criação do Estado de Israel em 1948; e da Santa Sé, ligada ao Estado da Cidade do Vaticano antes de ser reconduzida à Cidade do Vaticano, em 1929, pelo Tratado de Latrão. Contudo, tais refutações empíricas (políticas), com repercussões jurídicas, não foram suficientes para fazer cair a teoria do Estado soberano fulcrada sobretudo no seu requisito geográfico do território, porquanto sempre havia um território definido ou almejado naqueles casos e, portanto, a perspectiva temporal de retomar ou voltar ao espaço físico de direito dos respectivos populações e governo. Não há precedentes para o desaparecimento físico permanente do território dos Estados, entretanto[22].

Como se pode perceber, o desaparecimento parcial ou total de um território de um Estado soberano pela elevação do nível do mar, levando a deslocamentos forçados de populações, é uma situação inusitada e deveras grave que demanda muito esforço e espírito de solidariedade e cooperação da comunidade internacional, a fim de se chegar a bom termo, até para o bem dos demais Estados, tanto do ponto de vista interno, social e politicamente considerado, quanto do externo, em termos político e humanitário.

É com esse contexto que os cientistas jurídicos do Direito Internacional Público, do Mar e até do Direito Internacional do Ambiente se deparam e podem questionar como resolver o impasse do paradigma atual do Estado soberano determinado nas bases dadas pela Convenção de Montevideo de 1933, sobretudo no que respeita ao requisito central do território determinado.

Considerando o critério de falsificação de Popper, ao sustentar que um enunciado universal nunca é induzido dos enunciados singulares, mesmo com a maior quantidade de casos que seja, mas um único contraexemplo de um enunciado singular é capaz de contradizer um enunciado universal e, por conseguinte, refutá-lo[23], pode-se examinar a possibilidade de aplicar o método dedutivo para refutar o paradigma atual dos Estados soberanos, centrado no requisito territorial.

Javier Echeverria traz um exemplo bastante elucidativo de aplicação do critério de falsificação adotado por Popper, que consiste em afirmar o enunciado universal do tipo “todos os homens são mortais”. Mesmo que cada indivíduo singular morra, por maior que seja a quantidade de casos, o enunciado não seria comprovado pela experiência, pois aqui não caberia a indução. Porém, se conseguisse mostrar que determinado homem não morreu, após vários séculos, estaria o enunciado universal posto seriamente em questão, senão plenamente refutado[24].

Destarte, pela regra lógica fundamental para as ciências empíricas, sintetizada na expressão [(p => q) ^ ~q] => ~p, pode-se examinar as consequências diretas, q, derivadas da proposição p. Entretanto, constatando a negação desta consequência, ~q, se chegarmos à negação da proposição, ~p, teríamos a sua refutação[25].

Por conseguinte, aplicando esse critério à situação problema em tela, considerando que a existência de um Estado soberano, centrado no requisito do território, seja a proposição universal, p, deste paradigma, a consequência, q, seria o território permanente e definido. Contudo, o território “permanente e definido” do Estado soberano Kiribati, como já verificado no Item 2 acima, está em vias de desaparecer inexorável e definitivamente, ~p, devido à elevação do nível do mar, com o que restaria refutada a proposição do Estado soberano dependente do requisito do território pelo método de Popper. A menos que fossem desprezados os direitos da população deste Estado à luz dos direitos humanos, da autodeterminação e até das consequências migratórias para outros Estados terceiros.

Como se analisou anteriormente, não é só o Estado de Kiribati que está a ponto de desaparecer, todos os Estados dos PEID se encontram ameaçados, tendo em vista as baixas altitudes de seus territórios. Mas, um só teste proposto por Popper, utilizando o Estado soberano de Kiribati como exemplo real, é capaz de refutar o paradigma jurídico do Estado soberano fundamentado principalmente na sua base territorial.

Há, é certo, uma Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (ACNUR) de 1951[26], mas seu art. 1.º, n.º 2, prevê que, para haver a proteção de refugiado, a pessoa deve ter “fundado temor de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontrar fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país”, sendo tal temor personalizado[27]. O que comprova a inaplicabilidade deste regime aos deslocados ambientais.

Foi nesse sentido que decidiu o Tribunal de Imigração e Proteção da Nova Zelândia, é dizer, os deslocados ambientais não se subsomem na proteção da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, mormente porque a situação é enfrentada pelas populações no seu conjunto, não devendo ser personalizado a um determinado indivíduo requerente[28].

Portanto, após a refutação do paradigma do Estado soberano atual, tendo como pilar o requisito do território, pelo critério de falsificação de Popper, e permanecendo incerta a situação humanitária dos deslocados ambientais devido à elevação do nível do mar, sob o regime da proteção do Estado soberano original em vias de desaparecer, e sob o regime de proteção aos refugiados, não resta outra alternativa senão desenvolver outro paradigma jurídico ou ampliar o atual com fim de abrigar também esse novo modelo de Estado desterritorializado.

Por oportuno, deve-se, nessa altura, lembrar a lição de Canaris, trazida por Jesús Vega López, que prega o complemento da concepção histórica e evolutiva de Kuhn com a concepção lógica de falsificação de Popper, a propósito de prevalecerem as melhores teorias, ao considerar 

que el popperismo debe complementarse con una concepción histórica y evolutiva del desenvolvimiento de las ciencias como la que ofrece kuhn, en la que se hace entrar en juego a otros factores pragmáticos, incluso irracionales en la dinâmica científica. Sólo de este modo podría encontrarse una repuesta aceptable al hecho de que la mayoría de las teorías falsadas cuentan de algún modo con un nucleo de verdad y que siempre se impongan las mejores teorías, es decir, las más correctas o próximas a la verdad[29]

E o que propõe Thomas Kuhn? Segundo Pierre Bourdieu, Kuhn defende que o “paradigma” ou “matriz disciplinar” é que determina as ações de parte importante dos cientistas, que a aceita, e tende a impor-se a todos os outros cientistas, até alcançar tudo que for capaz segundo a sua lógica e sem intervenção externa, apesar de subsistirem alguns enigmas sem solução. Daí se dá a “tensão essencial” da ciência, quando a revolução implica em tradição. Ou seja, um verdadeiro revolucionário na ciência possui grande domínio da sua história, se entrega a jogos complexos dominados por regras preestabelecidas, para se tornar um inovador eficaz que descobre novas regras e peças, não alguém que ignora a tradição. Um revolucionário na ciência tem capital, um grande domínio de conhecimento coletivo acumulado, conservando aquilo que supera[30].

Pode-se, então, conceber o paradigma da territorialidade como requisito fundamental para o Estado soberano como a matriz disciplinar de que fala Kuhn e afirmar que esta atingiu tudo que foi capaz nas relações jurídicas internacionais entre os Estados. Entretanto, não deve ser desprezado, deve sim continuar sendo aplicado aos Estados que dispõem de território, até para que estes possam abrigar as pessoas deslocadas devido à subida do nível do mar, bem como deve ser tomado como base para novas teorias. A tensão essencial se faria estabelecer para que novo ou novos modelos jurídicos sejam consensualizados, criados e aplicados aos Estados que venham a desaparecer e/ou tenham suas populações deles deslocadas.

É bem verdade que as respostas trazidas para tentar solucionar o problema do desaparecimento parcial ou total do território têm sido, em sua maioria, no sentido tradicional, em linha com o atual regime jurídico internacional, e aí está incluído o regime do mar baseado na CNUDAM, que traz implícito o princípio “a terra domina o mar.”[31]

Tais respostas são tentativas de engendrar tudo que for capaz para manter a resiliência do paradigma tradicional do Estado soberano, numa analogia com o que defendeu Kuhn na leitura de Pierre Bourdieu[32]. Contudo, o grupo dos PEID não possui recursos para manter territórios artificiais, ou manter os seus territórios atuais abrigados e drenados como o fez o Estado holandês.

Ressalta-se nesta oportunidade que a CNUDM traz as demarcações do mar territorial em seu art. 3.º – até 12 milhas das linhas de base da costa em maré baixa –; da zona contígua no seu art. 33.º – 12 milhas a partir do contorno exterior do mar territorial –; da ZEE, art. 57.º, – 200 milhas a partir das linhas de base da costa –; e da PC no art. 76.º – compreende o leito e o subsolo marinho e vai do contorno do mar territorial até 200 milhas das linhas da costa, no mínimo, ou até 350 milhas, desde, ainda, que não ultrapasse o bordo exterior da margem continental. O mar territorial é considerado território do Estado, e, nas demais faixas, o Estado possui jurisdição e direitos de exploração de recursos vivos e não vivos. É possível, então, vislumbrar a importância dessas áreas marítimas para a economia dos Estados insulares, que trabalham para pressionar a comunidade internacional no sentido de manterem as linhas de base inalteradas, mesmo que haja alteração, terra adentro, ou desaparecimento do território, com a subida do nível do mar, porquanto manteria as faixas marítimas e, por conseguinte, os direitos de exploração de seus recursos.

As respostas tradicionais referidas acima são nomeadamente a construção de estruturas artificiais, construção de ilhas ou instalações artificiais, aquisição de território, o Estado dito desterritorializado, governo no exílio e a tutela política, mas sempre preservando o modelo do sistema westfaliano, consubstanciado no Estado territorial. Estas alternativas serão verificadas a seguir, e vislumbradas as possibilidades de aplicá-las aos PEID, sem a pretensão de as esgotar[33].

Com efeito, as estruturas artificiais se constituem de diques, barragens, áreas permanentemente drenadas e muros para preservação do território existente. A Holanda aplicou este modelo. E na capital das Maldivas, Malé, foram construídos muros de proteção. Quanto à construção de ilhas artificiais, há o exemplo de Hulhumalé nas Maldivas[34].

Em relação à aquisição de territórios por um PEID ameaçado de desaparecer, esta pode ser de dois tipos: por cessão de direitos e por fusão ou formação de federação ou união. Sem entrar nos detalhes de cada instituto jurídico neste trabalho, verifica-se na aquisição por cessão três subdivisões: a doação, a venda e o arrendamento. Nestes casos, o PEID poderia exercer sua soberania sobre este território adquirido e manter seus direitos sobre as zonas marítimas do seu antigo território. Existem exemplos desta forma de aquisição na compra pelos Estados Unidos do território do Alasca da Rússia e das Ilhas Virgens Americanas da Dinamarca. Já no cenário da fusão, um PEID se fundiria com outro Estado, que manteria sua personalidade jurídica, ou formaria uma união ou federação com um ou mais Estados, levando à criação uma nova personalidade. Neste modelo, as zonas marítimas do PEID pertenceriam ao Estado fundido ou ao federado. Porém, nos dois casos de aquisição, o PEID perderia a sua condição de Estado e sua população seria governada pelas leis do Estado com o qual se fundiu ou pelas da federação ou união formada[35].

Contudo, Rosemary Rayfuse afirma que o estabelecimento de fronteiras marítimas equitativas já é garantido no Direito Internacional consuetudinário hodierno, e, no processo de fusão/formação de federação, haveria a perda de direito dos PEID, o que seria injusto e contrário ao direito[36]. Apesar da incerteza de que os PEID possam reivindicar esses direitos sobre as zonas marítimas, como já indicado, estas zonas e seus respectivos direitos seriam significativos, vez que ofereceriam suporte econômico para as populações deslocadas pelo aumento do nível do mar[37].

No que tange ao mencionado Estado desterritorializado, uma proposta sui generis foi feita pela primeira vez por Rosemary Rayfuse, para responder aos desafios igualmente sui generis impostos pela elevação do nível do mar[38]. Refere ao Estado que consistiria em uma forma de autoridade que representaria e protegeria seu povo e administraria seus recursos onde estes estivessem, controlando ainda seu território abandonado e/ou as águas territoriais, como pode ser passível de ocorrer com um PEID[39].

À guisa dessa proposta de Estado, existe exemplo paradigmático, a Ordem de Malta, que, existindo sem território desde 1798, tem personalidade jurídica internacional, goza de soberania, possui reconhecimento de alguns Estados, conquanto não seja propriamente um Estado[40].

Outra opção seria a de governo no exílio respaldado na existência de um Estado o qual o governo representaria, mesmo sem território. Porém, do ponto de vista de um PEID com território em desaparecimento, existiriam duas dificuldades: a primeira é que há a possibilidade de dispersão da população, embora os deslocamentos possam ser organizados. A outra é que este modelo de governo agiria temporariamente, e, no caso do PEID, isso não irá acontecer, porque seu território não reaparecerá[41].

Todas as alternativas para suprir a falta do requisito territorial do Estado, analisadas acima, visam a conformar os objetivos ensejados pelo sistema westfaliano: quais sejam, o fomento, realização e proteção de segurança, a promoção da paz, da estabilidade, da certeza, da justiça e da eficiência em prol da continuidade do Estado soberano[42], baseado num território, ou numa condição análoga.

Nesse contexto, à luz dos ensinamentos de David Bloor, referenciados por Pierre Bourdieu, no seu “Programa Teórico ‘Forte’”, da análise de cada alternativa supra, depreende-se que foram empregados, conforme o possível, os quatro grandes princípios metodológicos para construção[43] ou, no caso, manutenção da teoria jurídica tradicional do Estado soberano, tais quais: i) a causalidade de cada modelo apresentado; ii) a imparcialidade, na medida em que se analisa as consequências favoráveis e desfavoráveis para os PEID; iii) a simetria, pois o mesmo modelo poderia levar a resultados verdadeiros ou falsos; iv) reflexividade, este verificado em menor grau, mas seus sinais podem ser percebidos por meio da despreocupação dos doutrinadores em apresentar o que pode não dar certo com a manutenção do sistema jurídico internacional tradicional westfaliano de Estado soberano baseado no requisito territorial.

Ficam patentes as tentativas de a doutrina do Direito Internacional Público e do Mar enquadrar, na medida máxima do seu habitus científico[44], as novas realidades dos Estados cujos territórios estão ameaçados de desaparecerem, para testar até onde possa ser capaz de engendrar o paradigma tradicional, atingindo um ponto de “esgotamento intelectual” seguido de tensão essencial, como tão bem considerou Kuhn por Pierre Bourdieu[45], mesmo após a anterior refutação pelo método de falsificação de Popper. Contudo, o sistema westfaliano de Direito Internacional fortemente enraizado nas noções de territorialidade – soberania, jurisdição, regulamentação, responsabilidade – ainda é adequado para os desafios a serem enfrentados nos períodos vindouros?[46]

E qual seria a proposta para além do sistema tradicional, a dispensar, quando for imprescindível, o requisito do território para o estabelecimento do Estado soberano, com o fim de preservar os PEID?

O que sugere Catherine Blanchard, como solução para a continuidade dos Estados insulares em risco de desaparecimento devido à elevação do nível do mar, é a transformação destes em “entidades sociais”, construídas a partir de uma mudança de normas existentes ligadas à territorialidade ou a partir da desvinculação do Estado como comunidade social do seu território[47].

Isso posto, pode-se considerar que um sistema de direito é legítimo se: i) estiver orientado para o exercício de uma autoridade, que, no caso atual, é a autoridade dos Estados, é dizer, uma abordagem de legitimidade ao interesse de agir; ii) os processos empregados e as normas aplicadas são justas e adequadas, em abordagem orientada ao procedimento; iii) a legitimidade se dá pelo resultado adequado e justo, o que seria orientada pelo resultado. Tais abordagens podem ser combinadas, e a mais premente para os PEID seria a terceira, pois, apesar de estes pouco terem contribuído para o aquecimento global, são os que mais estão sofrendo e vão sofrer com a elevação do nível do mar[48].

Contudo, as duas abordagens seguintes atendem não apenas aos valores do Ocidente: uma relacionada à moralidade e à legitimidade do sistema; e outra ligada a um padrão mínimo de justiça. Ambas têm foco num sistema internacional legítimo e moral que considera o Estado como comunidades humanas, sem necessidade de vinculá-las a entidades territoriais. Tal sistema internacional baseia-se num quadro normativo sincronizado com as realidades atuais[49]. O que seria a conciliação dos aspectos fáticos com a legitimidade e a moralidade, num padrão de justiça minimamente aceitável no regime jurídico internacional.

Com efeito, Catherine Blanchard apresenta três sugestões teóricas que podem ampliar o Direito Internacional Público em ordem a acomodar as situações sui generis dos PEID, a propósito da futura condição de Estado e de autodeterminação em caso de perda de seus territórios: i) aproximações diaspórica e cosmopolita da organização social; ii) governança global; e iii) a equidade e dever moral[50].

Destarte, a teoria diaspórica distancia-se do foco do Estado-nação, reorientando-o para a Nação, entendida agora como comunidade ou sociedade com aspectos históricos e culturais similares. Já o cosmopolitismo impele o conceito de pertença e, sob o conceito de Nação, traz a noção de união, em que as pessoas pertenceriam a uma comunidade global, numa moral compartilhada, que independe de origem, cultura ou religião. Estas duas teorias apoiam-se no pertencimento social independente do território, o que poderiam ser usadas como garantia de continuidade dos PEID como entidades sociais[51]. Porém, possuem limitações, ao carecerem de elementos pragmáticos para formar uma base para a organização social em relação aos direitos e obrigações das pessoas dispersas, ou ao levantarem dúvidas sobre a garantia, a longo prazo, de sobrevivência de uma comunidade e seu sentido de pertencimento sem vinculação territorial[52].

Em relação à governança global, esta é vista como uma forma de completar o papel do Direito Internacional Público com foco na dinâmica dos processos, em contraponto às estruturas tradicionais e estáveis. Poderia ser aplicada aos PEID para atingir uma legitimidade orientada ao procedimento – processos globais – e ao resultado – soluções globais – sendo a resposta do sistema jurídico internacional à adversidade dos PEID, a sugerir uma estrutura que vai além do Estado[53]. Como limitação, a governança global é fraca para analisar criticamente o regime centrado no Estado e sugerir alternativa de organização social desvinculada do território[54].

No que tange à equidade e ao dever moral, este caminho legitima o Direito Internacional a subsumir as realidades dos Estados cujos territórios estão desaparecendo e implica em estender ou interpretar amplamente as regras atuais, e, além disso, sugere que a comunidade internacional esteja vinculada a um dever moral de reconhecer a continuidade dos PEID independentemente do território[55].

A partir disso, um exemplo concreto da ampliação das regras baseada na equidade é encontrado no direito à autodeterminação. O PEID é titular deste direito, e a sua preservação sem estar atrelado ao território definido estende o significado e a aplicação do direito. Assim, a comunidade internacional teria o dever moral de reconhecer a expressão contínua da autodeterminação das populações dos PEID, porquanto, circunstâncias excepcionais – elevação do nível do mar, decorrente das mudanças climáticas – demandam soluções excepcionais – afastamento do requisito clássico da condição de Estado dado pelo território[56]. Quanto à limitação, a equidade e moralidade implicam em ampliar a aplicação das normas atuais e dos próprios mecanismos normativos do Direito Internacional Público, sem explicar como praticaria isso. Outra é que a equidade, ao desencadear um dever moral para a comunidade internacional, depende da vontade política e das realidades geopolíticas desta[57].

Para além do paradigma normativo tradicional westfaliano, centrado no Estado soberano vinculado ao requisito territorial, as teorias propostas consideradas em conjunto, apesar de suas limitações, sugerem a formação de organização social num modelo de segurança e estabilidade não vinculada ao território. Porém, estas soluções estariam dependendo da saída da esfera teórica em direção ao comportamento e prática, para que o Direito Internacional Público seja considerado[58].

Por oportuno, há a conformidade com os quatro grandes princípios metodológicos já analisados acima para construção de uma teoria jurídica, como as últimas apresentadas, segundo David Bloor, referenciados por Pierre Bourdieu[59]. Ademais, deve-se considerar que a ciência jurídica, mormente no âmbito do Direito Internacional Público, do Mar e do Ambiente como as ciências sociais[60], tem grande dificuldade de fazer reconhecer a sua autonomia, pois, mesmo se deparando com uma circunstância deveras excepcional como é a elevação do nível do mar, ocasionada pelo aquecimento global, ainda assim, tem embaraço em se impor no exterior do campo científico e até no seu interior. Desta forma, com fraca autonomia, tornam-se difíceis as revoluções, vez que têm de trazer consigo revoluções em outros campos como o político e até religioso. Ao contrário, as ciências com mais autonomia tendem a ser lugar de revolução permanente, a exemplo das ciências da natureza[61].

 

4. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL PELA PERDA PARCIAL OU TOTAL DO TERRITÓRIO DE UM ESTADO 

Há de existir uma perspectiva de os Estado ou, no caso de mudança de regime jurídico que contemple as inovações sugeridas no Item anterior, as Entidades Sociais reivindicarem a responsabilidade internacional por atos ilícitos de Estados terceiros pela elevação do nível do mar, decorrente das alterações climáticas. Para tanto, há de ser possível suscitar o descumprimento de obrigações internacionais por parte destes Estados.

Assim, não existindo ainda um instrumento internacional acerca desse assunto, a Comissão de Direito Internacional (CDI) das Nações Unidas, baseada em discussões e estudos a propósito da doutrina e da jurisprudência internacionais, bem como das consultas realizadas junto a diversos Estados, elaborou o Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade dos Estados por Fatos Internacionalmente Ilícitos de 2001 (Projeto de Artigos de 2001). Para isto, no seu art. 2.º, três elementos necessários são vislumbrados: primeiro, a conduta comissiva ou omissiva; segundo, a atribuição da conduta a um sujeito de direitos, de obrigações e de legitimidade internacionais, conferidos aos Estados; e, terceiro, a conduta deve constituir uma violação de uma obrigação do Estado perante um instrumento internacional a que este esteja vinculado[62]. Aqui, já se verifica que se trata de um Projeto de normas secundárias a definirem as condições para a ocorrência de um fato internacionalmente ilícito e suas consequências, deixando aos instrumentos convencionais as regras primárias das obrigações dos Estados signatários[63] – permissões, imposições, proibições etc.

Com isso, para o caso do aquecimento global, o regime jurídico das mudanças climáticas compreende hoje os seguintes instrumentos: Protocolo de Montreal de 1987[64], que impõe a redução da produção e consumo das substâncias que destroem a camada de ozônio (SDOs); Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC) de 1992[65], que trata dos compromissos gerais direcionados à redução de GEE; Protocolo de Quioto (CQNUAC/PQ) de 1997[66], traz metas e cronogramas para reduzir as emissões de GEE; e Acordo de Paris (CQNUAC/AP) de 2015[67], apresenta metas progressivas de redução das emissões de GEE para cada país; e Protocolo à Convenção de Genebra sobre a poluição atmosférica transfronteiriças a longa distância relativo à redução da acidificação, da eutrofização e do ozono troposférico (PCG99) de 1999[68], fenômenos estes que também influenciam no clima. Além destes instrumentos, acrescentam-se os que referem ao dever de prevenir danos transfronteiriços, no domínio do Direito Internacional costumeiro: Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (CNUMAH) de 1972[69], princípio 21.º; Declaração do Rio (RIO92) de 1992[70], princípio 2.º; o Projeto de Artigos da CDI sobre Prevenção de Danos Transfronteiriços de Atividades Perigosas de 2001 (constituindo um projeto de regras primárias); além do Caso Trail Smelter entre Estados Unidos x Canadá de 1941[71].

Em vista disso, um Estado afetado teria de levantar os três requisitos da reponsabilidade internacional a fim de buscar reparação. O primeiro seria identificar uma conduta positiva ou negativa que provoque o fato, sendo esta a emissão em si de GEE ou outros poluentes atmosféricos que afetem o clima. O segundo seria evidenciar a atribuição desta conduta ao Estado, o que, neste âmbito, seria sua falha em regulamentar, implementar programas e fiscalizar as emissões de GEE ou outros poluentes que afetem o clima, conforme as regulações dos instrumentos indicados acima.

O terceiro requisito da responsabilidade é que a conduta constitua uma violação da obrigação do Estado. Como discutido no Item 2 acima, está demonstrado que o aquecimento global decorre principalmente das atividades humanas, mormente a partir da Revolução Industrial. Resta saber se um PEID teria condições financeiras e políticas a ensejar reclamações em face de grandes emissores de GEE, a partir das vigências dos instrumentos internacionais citados. Então, uma proposta em nível de Projeto de Acordo internacional seria atribuir difusamente aos Estados terceiros uma compensação, mas de forma equânime e proporcional segundo os saldos de emissão de carbono de cada país, em valor a ser depositado periodicamente em um fundo de compensação.

A propósito, um pré-acordo nessa direção foi firmado na 27.ª Conferência das Partes (COP-27) da CQNUAC, em novembro de 2022, acerca da criação de Fundo de Perdas e Danos para apoiar as comunidades afetadas pelas mudanças climáticas, com participação maior dos países ditos industrializados[72], de acordo com o princípio das Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas aplicado ao Direito Internacional do Ambiente[73].

Outra possibilidade para o último requisito da responsabilidade seria o descumprimento do dever de prevenir o estabelecido nas normas costumeiras mencionadas, ou ainda a violação grave de normas jus cogens do Direito Internacional, prevista no art. 41.º, n.º 2, do Projeto de Artigos de 2001 da CDI[74]. Neste caso, considera-se possível suscitar a extinção de um Estado, devido à subida do nível do mar, como violação grave do Direito Internacional Público, e buscar reparação tanto no sentido material como no sentido imaterial, compreendendo, este último, a manutenção da personalidade jurídica internacional de um PEID independentemente do seu território.

A responsabilidade pelo fato internacionalmente ilícito constitui uma teoria que foi além da teoria da responsabilidade civil do direito interno. Foi pensada como um conjunto de regras secundárias para confiar os requisitos da culpa, do dolo e até mesmo do dano às normas primárias. Foi a maneira que a CDI encontrou para enfrentar as resistências internacionais dos Estados. Mesmo assim, ainda não foi transformada em instrumento internacional, apesar de ser muito referenciada pela doutrina[75] e até pelos Tribunais internacionais[76]. O que implica que esta teoria já está a ser testada no Direito Internacional Público. Porém, para ser aprovada, esta evolução ou revolução há de trazer também consigo revoluções em outros campos como o político, dada a fraca autonomia desse campo científico do Direito, conforme aplicação do ensinamento de Pierre Bourdieu[77].

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Diante do acima exposto, depreende-se que os juristas, especialmente dos ramos científicos do Direito Internacional Público, Direito Internacional do Mar e do Direito Internacional do Ambiente, enfrentam limites no sentido de subsumir ao regime jurídico internacional atual, pautado no paradigma do território como um requisito essencial do Estado soberano, as circunstâncias fáticas da ameaça do desaparecimento físico parcial ou total de territórios de Estados insulares e/ou costeiros de baixa altitude devido à subida do nível do mar, decorrente, por sua vez, do aquecimento global.

Assim, restou evidenciada a necessidade de superar esses limites para, sem desprezar o paradigma tradicional, tomá-lo como base para novos. Para isto, a comunidade internacional tem de fomentar condições para a criação de Entidades Sociais ou Organizações Sociais a partir de um sistema jurídico internacional que concilie aspectos fáticos com a legitimidade e a moralidade, num padrão de justiça minimamente aceitável. Entretanto, para serem aprovadas via instrumento internacional, deve trazer também consigo revoluções em outros campos como o político, dada a fraca autonomia daqueles ramos científicos do Direito, como ficou evidenciado.

Destarte, restaria patente a revolução científica para abrigar os Estados cujos territórios podem desaparecer, após o esgotamento intelectual da matriz disciplinar ou do paradigma tradicional anterior, seguido pela consequente tensão essencial, e, além disto, depois de ser este paradigma refutado conforme o método de falsificação de Popper.

Por fim, as referidas Entidades ou Organizações Sociais, como personalidades jurídicas internacionais análogas a de um Estado soberano, seriam ainda titulares da capacidade de arguir a responsabilidade internacional em face de Estados terceiros com o fim de serem compensadas pela perda do seu território e pelo deslocamento de suas populações, em decorrência da subida do nível do mar.

 

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[1] Autores: Marcos T. A. de Sousa, graduado em Direito e em Matemática e pós-graduado em Engenharia de Sistemas, todos pela UFRN, Advogado; Maria J. M. de Sousa, graduada em Direito e em Letras e pós-graduada em Direito Constitucional e em Educação, todos pela UFRN, Advogada.

[2] BOURDIEU, 2004, 167p.

[3] THE UNITED KINGDOM PARLIAMENT, 2005, p. 2.

[4] IPCC, 2021, p. 1216.

[5] SCHOFIELD; FREESTONE, 2019, p. 393-394.

[6] ABRAM et al., 2016, p. 412-413; cf. também em MATHIESEN, 2016, p. de internet.

[7] IPCC, op. cit., p. 4-11.

[8] TERADA, 2020, p. 66.

[9] BLANCHARD, 2016, p. 69-70.

[10] BASTOS, 2021, p. 240-241.

[11] MESQUITA, 2021, p. de internet.

[12] BLANCHARD, op. cit., p. 71.

[13] MAZZUOLI, 2019, p. 650.

[14] Ibidem, p. 615.

[15] Ibidem, p. 650.

[16] MAZZUOLI; FIORENZA, 2013, p. 32.

[17] CONVENÇÃO DE MONTEVIDEO. Convenções sobre direitos e deveres dos Estados e sobre Asilo político. Montevideo, 1933. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d1570.htm>. Acesso em: 04 fev. 2023.

[18] CONVENÇÃO DE MONTEVIDEO/1933, artigo 1.º - O Estado como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos: I. População permanente; II. Território determinado; III. Governo; IV. Capacidade de entrar em relações com os demais Estados.

[19] BLANCHARD, op. cit., p. 73-74.

[20] Ibidem, p. 81; cf. ainda em CNUDM. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, 1982. Disponível em: <https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/ instrumentos/rar60B-1997.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2023.

[21] BLANCHARD, op. cit., p. 86.

[22] Cf. também em BLANCHARD, op. cit., p. 68-69.

[23] ECHEVERRIA, 2003, p. 97-98.

[24] Ibdem.

[25] Ibidem, p. 98.

[26] ACNUR. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Genebra, 1951. Disponível em: <https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2023.

[27] Cf. também neste sentido BLANCHARD, op. cit., p. 84.

[28] BG (Fiji). [2012] NZIPT 800091. New Zealand: Immigration and Protection Tribunal, 20 Jan. 2012. Disponível em: <https://www.refworld.org/cases,NZ_IPT,4f425a932.html>. Acesso em: 06 fev. 2023.

[29] Que o popperismo deve ser complementado com uma concepção histórica e evolutiva do desenvolvimento da ciência como a oferecida por Kuhn, na qual outros fatores pragmáticos, mesmo irracionais, são postos em jogo na dinâmica científica. Só assim, se poderia encontrar uma resposta aceitável ao fato de que a maioria das teorias de falsificação tem de alguma forma um núcleo de verdade e que as melhores teorias, isto é, as mais corretas ou mais próximas da verdade, prevalecem sempre (LOPEZ, 1998, p. 426). (Tradução nossa).

[30] BOURDIEU, op. cit., p. 28-31.

[31] BLANCHARD, op. cit., p. 92-93.

[32] BOURDIEU, op. cit., p. 30.

[33] BLANCHARD, op. cit., passim.

[34] Ibidem, p. 93.

[35] Ibidem, p. 95-96.

[36] RAYFUSE, 2013, p. 179.

[37] BLANCHARD, op. cit., p. 97.

[38] RAYFUSE, 2009, p. 101.

[39] BLANCHARD, op. cit., p. 98.

[40] Ibidem, p. 98-99.

[41] Ibidem, p. 100.

[42] RAYFUSE, 2013, p. 180.

[43] BOURDIEU, op. cit., p. 33-34.

[44] Ibidem, p. 61.

[45] Ibidem, p. 30.

[46] VIDAS, 2014, p. 78.

[47] BLANCHARD, op. cit., p. 104.

[48] Ibidem, p. 106.

[49] Ibidem, p. 107.

[50] Ibidem, p. 108.

[51] Ibidem, p. 109-110.

[52] JEANNENEY, 2014, p. 127-128.

[53] BLANCHARD, op. cit., p. 111.

[54] KWIECIÉN, 2013, p. 303.

[55] BLANCHARD, op. cit., p. 113.

[56] Ibidem, p. 114.

[57] BUCHANAN, 2009, p. 236.

[58] JEANNENEY, op. cit., p. 109.

[59] BOURDIEU, op. cit., p. 33.

[60] Ibidem, p. 121.

[61] Ibidem, p. 120.

[62] SAMPAIO, 2013, p. 17-20; cf. ainda ILC - International Law Commission, 2001, commentary 1, art. 2.º, p. 34.

[63] LAWSON, 2008, p. 8.

[64] PMCV87. Protocolo de Montreal à Convenção de Viena de 1985. Montreal, 1987. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99280.htm>. Acesso em: 19 ago. 2023.

[65] CQNUAC. Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Nova York, 1992. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2652.htm>. Acesso em: 04 fev. 2023.

[66] CQNUAC/PQ. Protocolo de Quioto. Quioto, 1997. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5445.htm>. Acesso em: 04 fev. 2023.

[67] CQNUAC/AP. Acordo de Paris. Paris, 2015. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/node/88191>. Acesso em: 04 fev. 2023.

[68] PCG99. Protocolo à Convenção de Genebra de 1979 sobre a poluição atmosférica transfronteiriças a longa distância relativo à redução da acidificação, da eutrofização e do ozono troposférico. Genebra, 1999. Disponível em: <https://en.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-sobre-poluicao-atmosferica-transfronteiras-longa-distancia-0>. Acesso em: 19 fev. 2023.

[69] CNUMAH. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo, 1972. Disponível em: <https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/estocolmo_mma.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2023.

[70] RIO92. Declaração do Rio. Rio de Janeiro, 1992. Disponível em: <https://apambiente.pt/sites/ default/files/_A_APA/Cidadania_ambiental/AssuntosInternacionais/1992_Declaracao_Rio.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2023.

[71] Cf. ainda em BLANCHARD, op. cit., p. 87-88.

[72] ALVES, 2022, p. de internet.

[73] Este princípio permitiu, com relação às alterações climáticas, estabelecer uma divisão de responsabilidades entre os países ditos desenvolvidos e os países em desenvolvimento, considerando os primeiros os principais responsáveis pela regulação das alterações climáticas no âmbito da governança ambiental. A partir da assinatura do Protocolo de Quioto (CQNUAC/PQ) em 1997, esta norma foi institucionalizada e estabeleceu que os Estados desenvolvidos do Norte Global (referidos como Anexo I do Protocolo) são os responsáveis por adotar medidas para mitigação das mudanças climáticas. Por outro lado, os países do Sul Global (não o Anexo I) comprometeram-se a cooperar nas negociações sobre as alterações climáticas e a apresentar relatórios periódicos para contribuir com os objetivos da CQNUAC (KIESSLING; ALONSO, 2022, p. 160).

[74] BLANCHARD, op. cit., p. 89.

[75] GORE; ALVAREZ, 2022, passim.

[76] A exemplo do caso Urgenda Foundation v. State of the Netherlands, segundo SUPREME COURT OF THE NETHERLANDS. Urgenda Foundation v. State of the Netherlands case. ECLI:NL:HR:2019:2007, Hoge Raad, 19/00135, Dec. 2019, p. 28.

[77] BOURDIEU, op. cit., p. 120.

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